LONDRES – Annie Lawrence, de oito anos, parecia animada alguns dias atrás. Estava prestes a ver o Tottenham Hotspur, time de futebol pelo qual torce, jogar sua primeira partida da temporada da Premier League inglesa – mas sua alegria não se devia só ao jogo.
Annie estava na OOF, galeria de arte dedicada ao futebol que foi inaugurada em julho em um prédio anexo à loja de suvenires do estádio do clube. Algumas das obras expostas pareciam deixá-la tão feliz quanto uma vitória do Tottenham.
A exposição de abertura da OOF, Balls (em exposição até 21 de novembro), apresenta 17 peças de arte contemporânea feitas com bolas de futebol, ou as representando. Há uma de concreto, e outra de silicone que parece coberta de mamilos.
Apontando para uma enorme bola murcha de bronze criada por Marcus Harvey, Annie disse: "Gostaria dessa no meu quarto." O artista disse em uma entrevista por telefone que a obra pode evocar qualquer coisa, desde o declínio do Reino Unido como uma potência imperial até o fim da infância. No entanto, para aquela criança de oito anos, o apelo era mais simples: "Parece que é possível se sentar nela, como se fosse um sofá."
Ela então levou seu pai para o andar de cima e observou uma peça chamada The Longest Ball in the World (A bola mais longa do mundo), do artista francês Laurent Perbos. "Parece uma salsicha", comentou a menina, antes de sorrir para a foto em frente a outra peça que mostra uma bola de futebol de papel machê girando em um micro-ondas.
Nem todos estavam tão entusiasmados com as obras expostas. No andar de baixo, Ron Iley, de 71 anos, olhou para a bola coberta de mamilos assinada pela artista argentina Nicola Costantino. "Um monte de lixo", decretou antes de sair.
Os mundos da arte e do futebol não se misturam necessariamente. O trabalho recente mais conhecido que combina os dois é um busto do jogador português Cristiano Ronaldo, que ganhou as manchetes quando foi apresentado em 2017 porque não se parece em nada com ele. Outras peças, como as serigrafias de acrílico de Pelé, de Andy Warhol, são pouco mais do que simples homenagens a grandes esportistas.
Eddy Frankel, crítico de arte que fundou a OOF com os galeristas Jennie e Justin Hammond, disse que queria mostrar que a arte sobre o futebol pode ser emocionante, complexa e instigante: "Estamos usando o futebol para expressar ideias sobre a sociedade. Se você quiser falar de racismo, intolerância, homofobia, ou se quiser falar de comunidade, crença e paixão, é possível fazer tudo isso por meio do futebol."
Ele contou que costumava esconder sua paixão pelo futebol ao mundo da arte do Reino Unido, já que "é impossível se dar bem nos dois". Isso mudou em uma noite de 2015, quando ele estava na Sotheby's para fazer um relatório sobre um leilão de uma pintura monumental do pintor alemão Gerhard Richter. A venda entrou em conflito com um jogo do Tottenham Hotspur, clube pelo qual Frankel torce, por isso ele começou a assistir à partida em seu telefone. Logo, cerca de 15 pessoas atrás dele estavam se inclinando para conseguir assistir também. "Pensei: 'Opa, então há pessoas que se preocupam com o futebol no mundo da arte assim como eu.'"
Em 2018, Frankel lançou a OOF, revista que explorava a intersecção dessas paixões. "Achávamos que seria possível produzir quatro edições." A revista semestral já está em seu oitavo número.
Montar um espaço de exposição parecia o próximo passo lógico, disse ele, acrescentando que inicialmente queria abri-lo em uma antiga loja de kebab perto do estádio do Tottenham Hotspur, que fica em uma área ao norte dos tradicionais bairros de galerias de Londres. Mas quando ele e seus parceiros procuraram os membros do conselho local para obter ajuda, estes sugeriram entrar em contato com o clube, que ofereceu uma casa geminada do século XIX situada perto do estádio futurista do clube e ao lado da loja de suvenires.
A maioria das obras em exposição na OOF está à venda, com algumas peças chegando a custar US$ 120 mil. "Basicamente, estamos administrando um museu sem um orçamento de museu", resumiu Frankel.
Uma placa irônica na entrada pede aos visitantes que não chutem a arte, mas nem todos obedecem, segundo Frankel: em uma visita recente, Ledley King, ex-capitão do Tottenham Hotspur, deu um leve chute na Bola mais longa do mundo. Perbos, o artista por trás da obra, riu quando foi informado do incidente em uma entrevista por telefone. "Talvez ele não vá a muitas galerias, por isso não sabia." O time atual, incluindo seu famoso atacante Harry Kane, ainda não visitou a galeria, de acordo com Frankel. Os jogadores estão tentando minimizar ao máximo a interação social durante a pandemia.
"Obviamente, somos uma galeria comercial, de modo que seria bom vender algumas obras. Mas o verdadeiro sucesso é conseguirmos fazer com que muitas pessoas entrem e se interessem por arte contemporânea, o que normalmente não seria o caso", disse Frankel.
Muitas das várias centenas de visitantes em um dia recente se enquadram nesse perfil. "Não vamos a galerias, para ser sincera. Mas essa é interessante. É diferente", comentou Hannah Barnato, de 27 anos, ao lado do parceiro.
Sam Rabin, um dos três guias da galeria que informam os torcedores sobre as obras, afirmou que essa era uma reação comum: "Eu nunca tinha ouvido tantas vezes a expressão 'é diferente'." Também contou que muitos visitantes, especialmente as crianças, mostraram uma profunda conexão com a arte em exposição, acrescentando que isso prova que futebol e arte não são mundos tão distantes como parecem ser. "Ambos são experiências emocionais. Ambos são experiências que valem a pena."
The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Time
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.