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Garoto ucraniano começa vida nova por meio do xadrez após se refugiar na Inglaterra

Esporte tem ajudado Maksym Kryshtafor a lidar com as emoções complexas de deixar a terra natal e se adaptar a seu novo lar

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Por Megan Specia
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Peças na mão, um grupo de homens se debruçava sobre tabuleiros de xadrez no pub Eagle and Child em York, no norte da Inglaterra. Entre eles estava Maksym Kryshtafor, menino ucraniano de oito anos, cheio de sardas e um sorriso malandro no rosto, que, muito concentrado, movia suas peças pelo tabuleiro.

O grupo havia transferido sua reunião semanal para mais cedo a fim de se ajustar à hora de dormir de seu jovem convidado, que impressionava esses aficionados por xadrez com várias décadas a mais de experiência. “Ele é muito bom para sua idade, sem dúvida. E é claramente talentoso”, disse Paul Townsend, de 62 anos, ávido jogador e membro da federação de xadrez da Inglaterra. Este e sua família estão hospedando Maksym e sua mãe depois que a federação atuou como uma espécie de casamenteira e perguntou se estariam dispostos receber os dois.

Maksym Kryshtafor, 8 anos, joga xadrez com seu padrinho no esporte Paul Townsend, um ávido jogador e membro da federação de xadrez da Inglaterra. Foto: Mary Turner/The New York Times

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Mais de seis milhões de refugiados deixaram a Ucrânia, de acordo com a ONU, cada um deles enfrentando os desafios de uma vida afetada pela guerra: uma terra estranha, uma língua desconhecida e pouco acesso a sistemas de apoio, como educação e saúde. Encontrar uma atividade que garanta foco e estabilidade pode ajudar os exilados a enfrentar ansiedades e complicações na retomada da vida longe de casa. Para Maksym, foi o xadrez.

Apenas quatro dias depois de sua chegada à Inglaterra, o menino chamou a atenção da mídia local quando ganhou um torneio no condado de Durham, ao norte de York. Rapidamente, ficou conhecido no circuito de xadrez da região. “O xadrez é a vida inteira dele, e agora é toda a minha vida. É como o ar para ele, porque joga o tempo todo”, afirmou a mãe, Iryna.

O xadrez tem ajudado Maksym a lidar com as emoções complexas de deixar a terra natal e se adaptar à vida na Inglaterra, o que nem sempre é fácil. Sem dominar bem o inglês, foi colocado com alunos mais jovens em algumas de suas aulas na escola, e tem sido difícil se conectar com outras crianças, segundo sua mãe. Ele sente falta dos avós, que viviam com eles na cidade ucraniana de Odessa e que ficaram por lá. A mãe de Maksym está separada do pai dele, que não fez parte da vida do menino.

Quando a guerra começou em fevereiro, Iryna Kryshtafor, de 45 anos, colocou os pertences mais essenciais dela e de Maksym em uma mochila e fugiram para a fronteira. Inúmeras mães em toda a Ucrânia estavam concentradas em salvar seus filhos, tentando manter ao mesmo tempo uma sensação de estabilidade, e Kryshtafor não era diferente. Esqueceu-se de trazer um casaco de inverno adequado para si mesma, mas pegou as coisas que ela sabia que eram mais importantes para Maksym: um livro de xadrez e um laptop para ele praticar seus jogos, além da camisa polo branca e da jaqueta vermelha que ele usa nas competições.

Foram primeiro para a Romênia, onde passaram algumas semanas. Então Kryshtafor procurou a Federação Inglesa de Xadrez para que Maksym pudesse continuar jogando e voltasse à escola. Ela acabou sendo indicada a Townsend e à sua esposa, Helen, que lhes ofereceu um anexo em sua espaçosa casa perto de York, sob um programa que permite que famílias britânicas recebam refugiados ucranianos durante seis meses. Até agora, apesar das dificuldades processuais, mais de 65 mil pessoas foram da Ucrânia para a Grã-Bretanha com o programa.

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Iryna Kryshtafor e o filho Maksym se arrumam para um torneio; ambos se refugiaram na Inglaterra. Foto: Mary Turner/The New York Times

Maksym foi matriculado na escola, onde está começando a fazer amigos. Kryshtafor contou que ele gosta de matemática, porque, mesmo sem dominar bem o inglês, consegue seguir a matéria.

De acordo com a política britânica, as famílias concordam em hospedar os ucranianos durante seis meses, e o visto deles dura até três anos. Os Kryshtafor precisarão encontrar um lugar próprio, a menos que os anfitriões permitam que fiquem além do acordo inicial. Para aliviar a ansiedade, mãe e filho se dedicam ao xadrez, foco de grande parte da vida de Maksym. Ele acorda às cinco da manhã todo dia para praticar on-line antes da escola e até recentemente tinha sessões regulares de treinamento on-line com um grande mestre de xadrez ucraniano por intermédio da Federação Ucraniana de Xadrez.

Até agora, seu traje da sorte e suas horas de treinamento o serviram bem, porque vence uma competição depois da outra na Inglaterra. No fim de julho, ele e a mãe viajaram à Grécia para o Campeonato Europeu de Xadrez Juvenil, no qual o menino venceu em duas categorias - rápida e blitz - em sua faixa etária.

Em uma manhã recente, Townsend levou Maksym e Kryshtafor a uma escola quaker em York para uma competição envolvendo 120 jovens de sete a 18 anos. Maksym se sentou enquanto os organizadores listavam as regras em inglês. Ele não entendeu muito o que foi dito, mas sabe jogar. Sua primeira partida acabou em menos de um minuto. Ele correu para o local onde Kryshtafor o estava esperando e a abraçou. Depois da segunda partida, Maksym novamente saiu correndo em direção à mãe. “Muito fácil. Dei um xeque-mate”, gabou-se, sorrindo.

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Antes da quinta partida, Maksym encostou a testa na de sua mãe e ela sussurrou algumas palavras de encorajamento. Seu oponente, um garoto mais velho, chegara pouco antes do início do jogo. Maksym descansou o queixo na mão e sorriu até que, de repente, percebeu que tinha cometido um erro. Ele enrolava mexas de cabelo em volta dos dedos. Acabou perdendo para o menino, e, depois que apertaram as mãos, enxugou as lágrimas. Ficou, por fim, em segundo lugar na competição. No fim, parecia mais interessado em conversar com um grupo de crianças que tinha organizado um jogo de pega-pega lá fora. Seu cabelo comprido balançava enquanto corria de outras crianças. “É só uma criança. Ele se dedica tanto ao xadrez que às vezes me esqueço disso”, disse sua mãe, que o observava brincando.

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