Alguns contrabandistas trazem de carro vindos do Canadá. Outros tentam a sorte no aeroporto ou enviam pelo correio. Há até quem prepare em casa. Mas não estamos falando de uma droga ilícita, e sim do mercado negro do haggis escocês, um saboroso prato feito com bucho de ovelha recheado das vísceras do animal.
Escoceses do mundo todo jantam haggis para celebrar o dia 25 de janeiro de 1759, nascimento do poeta Robert Burns, do século 18, que ajudou a tornar o prato popular com seu “Discurso ao Haggis". Desde os anos 1970, a divisão de vigilância sanitária do departamento de agricultura do governo americano proíbe a venda do pulmão de ovelha, que confere ao haggis tradicional sua característica textura crocante.
Muitos dos milhões de americanos com ascendência escocesa tiveram que se adaptar a uma gama cada vez maior de receitas de haggis sem o pulmão de ovelha, mas um pequeno contingente recorre a métodos ilícitos para trazer o haggis autêntico para o solo americano.
Alguns dos contrabandistas de haggis são expatriados comuns com saudade do sabor de casa. Outros são açougueiros ou chefs famosos. Nick Nairn, chef conhecido na Escócia que ganhou fama nos anos 1990 como o mais jovem escocês a ganhar uma estrela do guia Michelin, já contrabandeou haggis algumas vezes.
Durante três anos em meados da década de 2000, Nairn trouxe haggis para Nova York para servi-lo na celebração do aniversário de Burns promovida por um cliente rico, levando o embutido em uma maleta reforçada. Por duas vezes, ele desembarcou sem problemas. Na terceira, Nairn percebeu um cão farejador do aeroporto se aproximando de sua bagagem. O haggis de Nairn foi confiscado, mas ele evitou o pagamento de uma multa. Incidentes desse tipo são comuns no mercado ilegal do haggis.
A extensão do contrabando não está clara, mas evidências pontuais indicam que um número considerável de americanos cruzou a fronteira com o Canadá para comprar haggis feito com pulmões (o uso e a importação de pulmões de animais é proibido no Canadá, mas sabe-se que alguns açougueiros do país vendem haggis autêntico mesmo assim).
O açougueiro Paul Bradshaw, de Toronto, que aprendeu a profissão na Escócia, disse ter vendido haggis autêntico a centenas de americanos. “É uma infração pouco vigiada", disse Bradshaw. “Quando eu sabia que iam cruzar a fronteira, etiquetava o pacote como ‘embutido de cordeiro’.”
Bradshaw deixou de vender haggis em 2017 para se concentrar em outras partes do seu negócio, mas disse que planeja continuar com o preparo em casa, enviando as entranhas de ovelha para a família da Flórida usando caixas etiquetadas como “roupas” ou “presentes".
Alguns puristas do haggis insistem que nenhum ingrediente pode substituir a textura e o sabor do pulmão. “É um gosto um pouco seco", disse Ben Reade, chef escocês que certa vez entrou na Dinamarca contrabandeando uma maleta cheia de vísceras de ovelha. “O sabor é provavelmente como o cheiro do hálito da ovelha.”
Há cerca de 15 anos, Matthew McAllister, de Glasgow, estava trabalhando em Connecticut, e quis levar um haggis escocês para um jantar no escritório. Comprou o haggis de um açougueiro em Glasgow, e o cobriu cuidadosamente com camisetas. Mas, quando aterrissou em Newark e foi à esteira pegar sua mala, encontrou a bagagem envolta em fita vermelha, com uma notificação explicando que artigos tinham sido removidos dela.
“Foi como se tivessem tirado de mim um pedaço do meu lar", disse ele. McAllister chegou ao jantar de mãos abanando. Explicou ao grupo que o bucho recheado de vísceras de ovelha que ele tentou trazer da Escócia tinha sido confiscado. “Todos riram", lembrou ele, “e disseram que muito provavelmente foi melhor assim". / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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