THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Ao longo de décadas, Jada Pinkett Smith tem sido atormentada por mal-entendidos: sobre a dinâmica de seu casamento com Will Smith, sobre seu vínculo com Tupac Shakur e, mais recentemente, sobre o tapa na cerimônia do Oscar no ano passado. Mas em Worthy, seu livro de memórias de 400 páginas repleto de revelações, esses e outros assuntos polêmicos serão totalmente esclarecidos.
Até mesmo os devotos de Red Table Talk, sua série popularíssima disponível na internet - na qual ela, sua filha Willow e sua mãe, Adrienne Banfield Norris, abordam uma variedade de tópicos pessoais, sociais e culturais -, perceberão que sabem muito pouco sobre Pinkett Smith. Lançado há cerca de duas semanas pela Dey Street, o livro lhe deu a oportunidade de contextualizar uma jornada complexa e abrangente que não pode ser completamente analisada nos 45 minutos de seu programa, foi o que ela me disse em setembro na sede da Westbrook, a empresa de entretenimento que fundou com Will Smith em 2019. “Como você cativa as pessoas que pensam que já conhecem sua história?”, perguntou Pinkett Smith, que completou 52 anos poucos dias depois de nos sentarmos em sofás, olhando para um céu atipicamente chuvoso no sul da Califórnia.
No penúltimo capítulo do livro, intitulado The Holy Joke, The Holy Slap, and Holy Lessons (A piada sagrada, o tapa sagrado e as lições sagradas), Pinkett Smith relata a infame noite do Oscar, uma das mais surreais de sua vida - quando Will Smith surpreendeu o mundo ao subir ao palco e dar um tapa em Chris Rock, depois que ele fez uma piada improvisada sobre o cabelo curto de Pinkett Smith. Ela sofre de alopecia, doença autoimune que causa queda de cabelo, o que Rock alegou que não sabia. (Não foi a primeira piada dele a respeito dela em uma cerimônia do Oscar.) Depois de voltar ao seu assento, Smith gritou para Rock: “Mantenha o nome da minha esposa longe da sua boca [palavrão]!” Minutos depois, Smith ganhou o Oscar de melhor ator por seu papel em King Richard: Criando Campeãs.
Assim como milhões de telespectadores, ela se esforçou para tentar entender o que havia acontecido. Mas parte de sua surpresa foi provocada por um motivo diferente daqueles que assistiram à grande noite de Hollywood - ouvir Smith chamá-la de esposa. “Embora a gente não se chame de marido e mulher há muito tempo, pensei: ‘Agora sou a esposa dele. Estamos juntos nessa.’ Essa é quem sou. O presente que tenho a oferecer é poder dizer: ‘Ei, estou aqui com você.’”
Fazia décadas que Smith e Rock se desrespeitavam, desde o fim dos anos 1980, antes mesmo que a conhecessem, observou Pinkett Smith. “Não julguei Chris, não julguei Will. Pensei: ‘Isso é um conflito espiritual.’”
“Não teve nada a ver com Jada. Foi realmente um problema de Will”, disse-me Banfield Norris durante uma videoentrevista.
E ele estava frágil, em um sofrimento terrível, comentou Pinkett Smith. Ele havia terminado recentemente as filmagens de Emancipation - Uma História de Liberdade, drama infernal da época da Guerra Civil que foi psicologicamente angustiante para Smith, que interpretou um homem escravizado. (O ator disse que ficou “perturbado” ao interpretar o papel e “perdi a noção de até onde tinha ido”.) “Meu coração me dizia que ele precisava de mim ao seu lado mais do que nunca”, contou Pinkett Smith.
Ela também escreve sobre as críticas que recebeu por revirar os olhos diante da piada de Rock - reação que, segundo alguns, fez com que Smith subisse ao palco -, mostrando como as mulheres são condenadas quando fazem algo e também quando não fazem: “Foi fácil costurar a narrativa de como o mega-astro perfeito de Hollywood tinha caído em desgraça por causa de sua esposa imperfeita. Culpar a mulher não é nenhuma novidade.”
“Como uma mulher pode ser tão irrelevante e culpada ao mesmo tempo? Tive de refletir sobre a narrativa que estava sendo construída sobre mim, a esposa adúltera que havia levado seu marido à loucura com um único olhar. Precisei assumir minha cota de responsabilidade por ter contribuído para a existência dessa falsa narrativa. Também tive de rir da ideia de que o mundo acreditasse que eu controlava Will Smith desse jeito. Se eu tivesse esse nível de controle sobre ele, querida, minha vida teria sido muito diferente ao longo dessas quase três décadas. De verdade!”
Quando Pinkett Smith diz “adúltera”, está se referindo ao seu relacionamento com August Alsina, que ela descreveu como um “envolvimento” em um episódio do Red Table Talk em 2020, no qual - depois que a informação foi revelada e virou um espetáculo público - ela e Smith discutiram um capítulo de sua vida em comum que já durava anos. A conversa terminou com risos e um cumprimento de mãos enquanto repetiam seu lema: “Andamos juntos e morremos juntos, um péssimo casamento para a vida toda.”
A verdade é que os Smith não estavam juntos no sentido tradicional quando ela estava com Alsina, nem estão agora. Mas também não estão em um casamento aberto, nem estão separados, poliamorosos ou divorciados. São algo completamente diferente: companheiros de vida na família e nos negócios, mantendo há muito tempo um acordo que eles chamam de “relacionamento de transparência”. Nos últimos anos, têm vivido separados. Como presente de aniversário de 50 anos para si mesma, ela comprou uma casa e se mudou da mansão onde moravam em Calabasas.
No fim das contas, é a família que ancora essa união. Foi por isso que eles se casaram em 1997, quando ela estava grávida de Jaden, filho deles. “Queríamos criar uma família que nunca tivemos, e conseguimos. E gostamos da nossa família. Para nós, nosso casamento é como um alicerce para isso nesse momento. Quem sabe daqui a dez anos”, disse ela. E acrescentou, rindo: “Temos tentado de tudo para nos separar e simplesmente não conseguimos.”
Pouco depois daquele episódio em 2020, Pinkett Smith, em busca de “clareza e sobriedade emocional”, tornou-se o que ela chama de “uma espécie de freira urbana”. Ela medita e lê diariamente textos como o Bhagavad Gita, o Corão ou a Bíblia, e se abstém de sexo, álcool, entretenimento violento e gastos desnecessários.
Naquela manhã de sexta-feira no mês passado, Pinkett Smith parecia estar revisitando seu eu mais jovem, quando na década de 1980 era frequentadora dedicada de clubes de Baltimore, como o Fantasy e o Signals, ganhando a reputação de uma competente dançarina de batalhas - misturando hip-hop e house, e fazendo passos como o Running Man e o Cabbage Patch. Com cabelo rosa, calças jeans Girbaud largas e tênis Reebok Princess brancos, era “encantadora de estilo despojado. Eles não esperavam por isso”, escreve ela. Quando nos conhecemos, ela ainda usava os Reebok brancos, embora bastante desgastados; um conjunto esportivo rosa-choque da Telfar; um penteado loiro estilo pixie; e uma variedade de brincos que emolduravam seu rosto sem maquiagem. Pequena em estatura, mas com uma presença imponente.
Worthy documenta uma vida repleta de eventos narrados por ela cronologicamente, iniciada e finalizada com uma história angustiante. Ela quer que o leitor saiba que “não será uma jornada fácil. Vou mergulhá-lo de cabeça em um dos momentos mais sombrios da minha vida e depois retornaremos”. Desesperada depois de completar 40 anos em 2011, ela começou a procurar um penhasco na Califórnia do qual pudesse se jogar de carro, mais alto e íngreme do que o que vira em Mulholland Drive. Queria que tudo parecesse um acidente. Tentara cumprir as regras da vida, mas se sentia vazia: “Os objetivos que eu havia alcançado não me deram as recompensas prometidas.”
“Houve muitas coisas na vida de Jada que ela guardou só para si. A maioria das pessoas não tinha ideia do que estava acontecendo e da dor que ela estava sentindo. Eu não fazia a menor ideia”, comentou Banfield Norris.
Uma conversa com o pai de dois amigos de Jaden ofereceu a Pinkett Smith uma nova maneira potencial de se curar. Ele falou sobre sua experiência com a ayahuasca, que mudou sua vida, e em seguida ela embarcou em uma jornada de quatro noites. O poderoso psicodélico lhe apresentou a visão de uma pantera que a levou às profundezas da selva de sua mente. Em um momento crítico, ela mergulhou em um poço de serpentes zombeteiras que a provocavam. “A Mãe Aya está me mostrando todas as partes que não amo em mim mesma e que precisam de luz e amor.” Ela escreveu que, depois dessa experiência, nunca mais pensou em suicídio. Pinkett Smith continua incluindo a ayahuasca em sua vida. Quase um ano depois do Oscar de 2022, organizou uma sessão com amigos e familiares, incluindo Smith. “Você vai ter de cortar o pulso de seu espírito para se libertar de nossas algemas divinas”, disse Will a ela quando o efeito da substância começou a diminuir.
Will Smith declarou em um e-mail que a autobiografia fez com que ele despertasse. Ela havia vivido mais à beira do abismo do que ele pensava, e é mais resiliente, inteligente e compassiva do que ele supunha. “Quando você vive com alguém por mais da metade de sua vida, uma espécie de cegueira emocional se instala, e é muito fácil perder a sensibilidade para nuances ocultas e belezas sutis”, escreveu ele.
Pinkett Smith escreve sobre alguns momentos em que esteve diante da morte no início da vida, como quando, adolescente em Baltimore, fez sucesso vendendo drogas e queria se tornar uma “rainha do narcotráfico”. “Era uma realidade distorcida”, escreveu.
Ela acabou se afastando do tráfico e de sua cidade natal. Frequentou a Escola de Artes da Carolina do Norte antes de se mudar para Hollywood, onde se destacou como atriz, estrelando uma série derivada do Cosby Show chamada A Different World (papel que Debbie Allen escreveu para ela) e filmes como Até as Últimas Consequências, Perigo para a Sociedade e Pânico 2, e posteriormente Colateral, as sequências de Matrix e Viagem das Garotas.
O livro de memórias apresenta as pessoas que povoaram seu mundo ao longo do caminho: sua avó Marion, viajante do mundo e livre-pensadora que moldou significativamente a jovem Jada; seu pai ausente, Robsol Pinkett, poeta e viciado que ziguezagueou por sua vida; Banfield Norris, enfermeira que teve Jada ainda adolescente e lutou contra o vício em heroína; e um grupo de amigos, especialmente Shakur, que ela conheceu na Escola de Artes de Baltimore. A amizade deles foi a mais profunda de sua vida, e o assassinato de Shakur em 1996 se somou a uma série de perdas repentinas que contribuiriam para a depressão de Pinkett Smith.
Os laços de lealdade, proteção e segurança percorrem todo o livro de memórias, e Pinkett Smith implora aos leitores que aprendam com suas difíceis lições. Cada capítulo termina com aquilo que comecei a chamar de “páginas de orientação”. Olhe para dentro, aconselha ela, e faça a si mesmo perguntas como: “Você consegue reconhecer padrões em sua vida e em seus relacionamentos que derivam de ciclos traumáticos herdados?” Cada uma dessas páginas começa com uma citação significativa para Pinkett Smith - de Clarissa Pinkola Estés, autora de “Mulheres que Correm com os Lobos”, livro decisivo para ela; da poetisa Ntozake Shange; do psicanalista Carl Jung; ou do ator Steve Martin.
“Minha maior esperança em relação ao livro é que ele seja oxigênio para quem precisar. Eu não queria falar sobre essa jornada e não contar como saí de algumas das situações em que me meti, porque são coisas intensas”, comentou ela.
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