'A lição que aprendi com o meu 'crush' do Instagram'

'Meu romance unilateral com Tae Ho, nem correspondido nem percebido, combinava com meu relacionamento com a Coreia do Sul'

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Por Jared Wood
Atualização:

Alguma coisa boa pode resultar da obsessão por um fisiculturista sul-coreano na rede social? Foram necessários duas horas e três ônibus para chegar à sua academia. Eu trabalhava em turnos intercalados numa escola de língua inglesa em Seul, o que me permitia um espaço de cinco horas para descansar ou então ir até a academia dele, mas que, devido ao longo trajeto, mal daria tempo para transpirar um pouco. Mas de qualquer maneira, fui até lá.

Descobri Tae Ho no Instagram durante meu primeiro ano como professor na Coreia do Sul. Acho que fiquei gostando das muitas imagens de fisiculturistas coreanos e o universo da rede social me deu mais incentivo. Nunca curti as fotos de Tae Ho, temendo que seria bloqueado por causa da minha sede de saber a seu respeito. Eu ficava em busca de pistas sobre a vida dele, onde costumava comer, com quem estava saindo.

Brian Rea The New York Times 

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Não demorou para descobrir que ele não tinha uma namorada, não era solteiro e não era gay; havia se casado, o que me deixou um pouco frustrado ao saber, mas não tinha nenhuma noção realista sobre ele – ou mesmo sobre qualquer relacionamento com uma pessoa em minha estadia no exterior.

Sendo um afro-americano na Coreia, não podia me permitir oportunidades de ter algum romance. Na época, estava dando aula numa cidade à beira-mar muitas horas distante, contente com minha rotina e anonimato. Não me sentia só, mas comecei a ficar nervoso com a minha vida ali, onde era muito visível e bastante isolado.

Precisava de uma mudança antes de me tornar um dos expatriados grisalhos sempre lamentando não ter ninguém com quem manter um relacionamento sexual. Com meu contrato de trabalho chegando ao fim, eu me candidatei a um emprego que descobri ser mais próximo da academia de Tae Ho (mas ainda assim a duas horas de distância). O fato de ser negro na Coreia tem consequências estranhas.

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Na academia, o pessoal procurava praticar expressões idiomáticas que ouviam em músicas de rap e eu sorria e respondia usando a gramática certa, já que era professor. Esses estereótipos oferecidos por uma dieta pesada de mídia americana me acompanhavam na minha vida diária. Um belo dia quando estava conversando com alguns treinadores, Tae Ho veio se juntar à nossa discussão sobre como o abdômen de um treinador estava realmente ficando perceptível.

Tae Ho levantou sua camiseta, exibindo sua pele e os músculos empedrados e rejeitei a chance de tocá-lo, temendo ter um desmaio. Minha postura desinteressada não se traduz bem na Coreia. Então criei uma nova persona, que indagava as pessoas aleatoriamente se precisavam de um professor de Inglês. Para minha surpresa, Tae Ho mordeu a isca.

O Kakao Talk (site de mensagens similar ao WhatsApp) se tornou nosso novo meio de comunicação. Em termos de intimidade, era um pouco melhor do que mandar DM no Instagram. Nós começaríamos nossa primeira aula em alguns dias, nos reunindo na sua academia, mas na noite anterior ele me enviou uma mensagem dizendo que seu pai falecera, de maneira que precisamos cancelar o encontro.

Meu pai também havia falecido um ano antes e eu sabia como é triste um filho perder seu pai. Enviei a ele meus pêsames. Mas por dentro fiquei abalado. E se esse fosse o fim? E se, na sua dor, ele acabasse achando ridículo ter aulas de inglês? Três semanas depois ele me mandou uma mensagem: “Estou pronto para minha lição. Podemos nos encontrar neste sábado?”. Fiquei super entusiasmado e respondi: “Claro. Vamos nos encontrar às 12h”.

Encontrei-me com Tae Ho na academia e perguntei o que ele pretendia com as aulas. Enquanto conversávamos eu admirava seus braços, suas mãos, fascinado com o que estava acontecendo. A academia tinha telas de TV mostrando uma recente vitória de Tae Ho numa competição, e ele radiante com seu bíceps brilhante e as pernas torneadas.

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Na aula seguinte, ele me apresentou para sua esposa, uma pessoa encantadora, que se vestia apropriadamente, com seus sapatos de salto alto e uma saia curta em pleno inverno. O que me fez admirar ainda mais Tae Ho. Ele tinha um olho perspicaz. Eles estavam de partida para as Filipinas onde passariam as férias e queriam praticar um pouco expressões em inglês. Assim preparei um conjunto de frases comuns com sua pronúncia e o equivalente em coreano.

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Talvez isto pudesse resultar num convite para ir à casa deles, a mais alta honra concedida a um estrangeiro. Meu romance, unilateral, com Tae Ho, não teve recíproca e nem foi notad0, igual à minha relação com a Coreia do Sul. Eu comecei encantado com o país, mesmo quando vivia na cidade operária de Pohang.

Quando aprendi o Hangul, alfabeto coreano, e consegui entender os letreiros e ingredientes, meu coração se alegrou. E quando experimentei meu primeiro sogogi bibimpap (um popular prato à base de carne) e o japchae (noodles) quase chorei de prazer. Mas com o conhecimento as coisas ficam mais claras. Os óculos cor de rosa nunca deixaram meu rosto no primeiro ano ali. Mas, aos poucos, era lembrado como eu era.

No metrô, os assentos ao meu lado ficavam vazios. Em cafés normalmente lotados, eu tinha uma mesa inteira à minha disposição. E quando me candidatava a um emprego de professor, era informado de que os pais não queriam um negro para professor de seus filhos. E fissuras também começaram a surgir na minha relação com Tae Ho. Com frequência, ele estava cansado e não parecia muito dedicado às aulas de Inglês.

Estava abrindo sua própria academia e talvez chegara à conclusão de que o inglês era desnecessário. Minhas mensagens de texto não eram respondidas até que, depois de ter decidido focar em outros clientes, ele me enviou um emoji para mostrar que estava pensando em mim. As coisas começaram a estabilizar na primavera e Tae Ho e eu, junto com sua mulher, começamos a nos ver mais, almoçando ou tomando um café no Starbucks.

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O tempo em que nos reuníamos se assemelhava à minha vida em Nova York, onde eu podia me queixar e ter todo o apoio dos meus amigos. Minha nova vida na Coreia estava se desgastando e eu ficando mais crítico das disparidades raciais, sexuais e de gênero. Tae Ho e sua mulher balançavam a cabeça e davam suas próprias opiniões sobre esse lado complicado da vida coreana, não ligada ao k-pop, aos dramas coreanos, ou o chamado K-Beauty (o ritual de beleza coreano).

Semanalmente, nós nos reuníamos durante algumas horas, as aulas de inglês se dissolvendo em bate-papos sobre casamentos e expectativas sociais. Ele me pagava bem pelas aulas de inglês. Mas a mistura de línguas criou um novo sentido de intimidade e ele me disse o quanto amava sua mulher. Ele era um homem feliz. E eu estava ficando cada vez mais perto de ser feliz. ‘É difícil ser negro na Coreia”, disse a ele. “E eu nem bebo. E não gosto de pessoas”.

“Sei que a Coreia é difícil”, respondeu. “Mas você tem um bom emprego e amigos. Você ajuda as pessoas”. E quando ele usou o termo “hyeong” (o equivalente a “irmão”) senti minha garganta oprimida e meus olhos embaçaram. Esta palavra foi como um primeiro beijo. Não um beijo, porque não tinha a ver com romantismo, mas teve um sentido de legitimação. Minha atração física inicial por Tae Ho, baseada nada mais do que em postagens na rede social, desapareceu e foi substituída por uma intimidade platônica que era real e absorvente.

Meu sonho de ter uma figura fisicamente perfeita apaixonada por mim parece estúpido e adolescente agora. Naquela época, eu estava nos meus 30 anos e deveria saber mais das coisas. Eu sempre criticava as pessoas que falavam dos perigos de confiar nas redes sociais. Tae Ho nunca se apaixonou por mim. Nem a Coreia.

Mas nasceu uma real amizade, junto com uma educação que deveria ter ocorrido anos antes. Embora não viva mais na Coreia, continuo a seguir Tae Ho no Instagram. De vez em quando batemos papo usando emoticons do KakaoTalk que abrangem todos os sentimentos conhecidos das pessoas. Mas não encontrei nenhum que consiga captar o apreço especial que sinto por ele. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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