MILÃO - Federico Moccia assume total responsabilidade pelos cadeados do amor vistos na Pont des Arts em Paris, na Ponte Milvio em Roma e na Ponte do Brooklyn em Nova York.
Embora existam outras teorias sobre quem foi o primeiro a inspirar essa prática, o fato é que seu romance de 2006, Sou louco por você, é creditado como o que deu início a ela. No livro dois personagens perdidamente apaixonados a pregarem um cadeado num poste de luz na Ponte Milvio e jogarem a chave no rio Tibre, citando uma “lenda” segundo a qual os casais que fizessem isto “jamais se separarão”.
A ideia surgiu de um rito de passagem do qual Moccia, 57 anos, participou quando servia o Exército. “Tínhamos cadeados nas nossas malas e quando o serviço militar terminou, o pessoal os prendia na cerca que protegia o quartel”, disse ele numa entrevista em janeiro. “Achei interessante transformar uma coisa militar no seu oposto - fazer amor, não guerra”. Ele também assume a responsabilidade pela colocação do primeiro cadeado na Ponte Milvio, disse, “no caso de alguém implicante ir até para ver se era verdade”.
O livro é o segundo de uma trilogia de romances para jovens que vendeu 10 milhões de exemplares em todo o mundo, mas só agora é publicada em língua inglesa. A editora Grand Central Publishing lançou este mês o primeiro da trilogia, com o título One Step to You, (em português Três Metros Acima do Céu) traduzida por Antony Shugaar, seguido em outubro por Two Chances With You e Three Times You em 2022. A editora Little Brown Young Readers, que, como a Grand Central, pertence à Hachette, está promovendo os dois primeiros livros. Um representante da editora afirmou que o interesse da editora foi motivado “pelo sucesso dos romances italianos em traduções como as de Elena Ferrante” e também pela série da Netflix, Summertime, baseada ligeiramente em One Step to You.
A trilogia também inspirou dois filmes separados, na Itália e na Espanha. Mas o sucesso de Moccia chegou tarde e por pura sorte.
Filho de um cineasta, Moccia escreveu Três Metros Acima do Céu como um projeto que se tornou uma paixão no final dos anos 1980, quando trabalhava como roteirista de TV. “Foi minha primeira ilha da liberdade”, disse.
Ele narra o romance entre Step, um jovem rico que passa seus dias em disputas e corridas com sua moto Honda, e Babi, estudante de uma escola de elite que possui uma Vespa. O livro é comparado aos de Nicholas Sparks e John Green, mas Três Metros Acima do Céu oferece aos leitores um vislumbre de uma Roma longe da Fonte de Trevi, e também da dolce vita e do melodrama. Quando um colega de classe com o coração partido pensa em se suicidar, Babi lembra a ela porque ainda vale a pena viver a vida. “Não esqueça dos doces da confeitaria Mondi, a pizza do Baffetto ou o sorvete do Giovanni”.
Durante a época em que Moccia trabalhou na TV, duas das séries que redigiu chegaram a definir a estética da TV comercial italiana no final do século 20.
I Razazzi dela Terza C acompanhava um grupo de adolescentes no último ano do ensino médio em uma escola romana. College, mais brilhante, narrava os flertes e travessuras de cadetes de uma academia militar só de rapazes e as alunas de um colégio feminino.
Esses programas eram parte de uma revolução desencadeada pela ascensão de Silvio Berlusconi como magnata da mídia. Durante décadas a TV italiana era monopolizada por canais públicos austeros com séries de conteúdo educativo, mas que abruptamente mudaram quando Berlusconi introduziu programas mais leves e divertidos. Com seu livro, escritos de uma maneira que achava que não conseguia fazer nas peças escritas para a TV, Moccia conseguia unir os aspectos positivos e negativos de Roma naquele momento.
“Eu desejava contar uma história sobre o que é se apaixonar pela primeira vez na Roma que eu cresci, que era um lugar violento”, afirmou.
Como grande parte da Itália, Roma registrou um boom econômico nos anos 1980, que foi acompanhado por uma violência nas ruas motivada politicamente. “Você saía de casa com sua Vespa e não sabia se alguém o atacaria na rua porque estava usando a roupa errada”, disse ele. Mas ele não desejava escrever um romance político. E assim descartou a ideologia e apresentou Step como um jovem angustiado cuja violência advém da frustração.
Por anos Moccia não conseguiu um editor. Apesar de romances e livros de ficção para jovens traduzidos terem muito sucesso, com frequência lhe respondiam que um romance para o mercado de massa escrito em italiano não encontraria leitores. Em 1992 ele encontrou uma pequena editora à qual pagou cerca de US$ 3.000 para imprimir três mil exemplares do seu livro, que esgotaram imediatamente. Mas a editora fechou antes de o livro ser reeditado.
Mas ele não sabia que fotocópias do romance estavam circulando e se tornando “cult” entre os adolescentes de Roma. Um desses leitores era Margherita Murolo Comencini, aluna da escola secundária em 2003 que levou um exemplar do livro para seu tio, Ricardo Tozzi, produtor de cinema que havia criado sua própria companhia alguns anos antes.
“Disse ao meu tio, 'isso pode dar certo, minhas amigas e eu passamos o livro umas para as outras. É uma espécie de Grease para nossa geração”, lembrou Margherita.
O filme, nas palavras de Tozzi, “foi bem, mas não excepcionalmente bem”. Mas o livro foi um sucesso, vendendo mais de 1.2 milhão de exemplares. “Ficamos perplexos com o sucesso”, disse Alberto Rollo, diretor editorial da Feltrinelli na época. “De repente atingimos um novo público, muito diferente dos habituais leitores de livros. Era um terreno inexplorado”.
Two Chances with You, a continuação da história, se desenrola em torno de Step e seu novo amor, a independente e decidida Gin. Three Times You, (Três vezes você) é o último livro da trilogia eacompanha os três personagens na sua idade adulta, com Step feliz e tranquilo com Gin e uma criança a caminho, mas ainda guardando uma paixão por Babi.
Hoje Moccia é considerado um dos escritores que forjaram a literatura sobre o amadurecimento dos millennials italianos. Os livros quase sempre são ambientados em Parioli, um bairro rico na região norte de Roma, e Roma Norte se tornou hoje uma figura de linguagem para glamouroso e a gíria “pariolino” para os rapazes elegantes, os chamados mauricinhos.
Moccia é uma figura que desperta polêmica na Itália, onde, como disse a crítica Mariarosa Mancudos, “não temos o conceito de literatura de entretenimento porque persiste a ideia de que livros não são para entreter as pessoas”. Em alguns círculos é um passatempo comum ridicularizar Moccia.
“Toda vez que componho, um livro de Moccia se revela diante de mim” diz Willie Peyote, um rapper indie, no seu Peyote451.
Quando proferiu um discurso numa universidade romana há uma década, Moccia foi interpelado pelos alunos. Um neologismo, o “moccismo”, foi cunhado, normalmente para descrever depreciativamente livros e filmes direcionados aos jovens.
O escritor não se abala. Quando começou a escrever One Step to You, afirmou: “Só queria escrever o livro que adoraria ler como leitor”. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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