Muitas pessoas, a maioria talvez, passaram este último ano lutando para encontrar maneiras de aceitar as perdas, controlar a tristeza e reviver prazeres que lhes foram roubados pela pandemia da covid-19. Acompanhamos funerais no Zoom, casamentos, formaturas, batizados e bar mitzvahs, ora rindo, ora chorando para telas inanimadas, enquanto tentávamos encontrar algum sentido em um mundo que virou de ponta cabeça.
Mas eu me pergunto quantos recorreram à poesia como fonte de conforto, liberação, nexo, compreensão, inspiração e aceitação.
Uma pessoa que há muito aprecia a poesia como ferramenta pessoal e profissional é o dr. Norman Rosenthal, psiquiatra de Rockeville, Maryland, um pioneiro do emprego da terapia branda para distúrbios afetivos sazonais. Clínico, professor de psiquiatria na Georgetown Medical School, Rosenthal disse que usa poemas como instrumentos terapêuticos, com resultados gratificantes entre os seus pacientes.
“Amo a poesia desde que aprendi a ler, e ela tem sido uma fonte de conforto e diversão para mim em momentos diferentes da minha vida”, ele disse. “Como terapeuta, andei colecionando ao longo da minha vida poemas que na minha opinião, têm o poder de aliviar, inspirar ou, no mínimo, proporcionar alegria”.
Agora, todo mundo pode conhecer e desfrutar dos poemas curtos que Rosenthal considerou terapêuticos e mensagens reparadoras da alma que extraiu deles e reuniu em um novo livro, PoetryRx: How 50 Inspiring Poems Can Heal and Bring Joy to Your Life (PoetryRx: Como 50 poemas inspiradores podem curar e trazer alegria para sua vida, em tradução livre) que traz discussões a respeito das circunstâncias em que foram escritos. (O livro será publicado em maio pela Gildan Media.)
Enquanto anunciamos as vacinas como o possível instrumento de salvação contra a ameaça de um vírus devastador, Rosenthal diz: “A poesia pode ser a vacina da alma”. Em um mundo dilacerado pela perda e ao qual o prazer foi negado, ele acredita que a poesia pode ajudar a preencher os vazios, oferecendo um breve refúgio de um mundo conturbado e esperança em um futuro melhor.
O poema inspirado e inspirador de Amanda Gorman que roubou o espetáculo na posse do presidente Joe Biden, em janeiro, mostrou a milhões de americanos o poder emocional e social da poesia, e, quero crer, os convenceu a acolhê-la em sua vida.
No seu blog, Diana Raab, poetisa, psicóloga e escritora de Santa Barbara, California, disse que “a poesia pode nos ajudar a sentir como se fizéssemos parte de um quadro mais amplo e não apenas vivendo no isolamento do nosso pequeno mundo. Escrever e ler poesia pode serum trampolim para o nosso crescimento, a nossa cura e a nossa transformação. Os poetas nos levam a ver aspectos do mundo de uma maneira que talvez não foi possível para nós no passado”.
Segundo o dr. Rafael Campo, poeta e médico da Escola de Medicina de Harvard, a poesia também pode ajudar os médicos a se tornarem melhores, promovendo a empatia com os seus pacientes como testemunhas da nossa humanidade comum, o que ele considera essencial para a cura. Como ele falou em uma palestra na TEDxCambridge em junho de 2019, “quando ouvimos a sua linguagem rítmica e recitamos poesia, os nossos corpos traduzem dados sensoriais brutos em um conhecimento matizado – sentir torna-se significar”.
Segundo o dr. Robert S. Carroll, psiquiatra filiado ao Centro Médico da Universidade da Califórnia, Los Angeles, a poesia nos oferece um canal para conversar sobre temas tabus, como a morte e a agonia, e proporciona alívio, crescimento e transformação.
Referindo-se à pandemia de coronavírus, Rosenthal disse: “Esta crise afeta de forma maior ou menor todo mundo, e a poesia pode nos ajudar a processar sentimentos complexos como a perda, a tristeza, a raiva, a falta de esperança. Embora nem todo mundo tenha o dom de escrever poesia, todos nós podemos nos beneficiar com os pensamentos expressados por tantos poetas de maneira tão bela”.
De fato, a primeira sessão do livro mostra o poema One Art, de Elizabeth Bishop, sobre a perda que pode confortar os que estão sofrendo. Ela escreveu:
Mesmo te perdendo (a voz brincalhona, o gesto
que amo) não terei morrido. É evidente
a arte da perda não é tão difícil de dominar,
embora assim possa parecer (Escreva isto!) como desastre.
“Quando as pessoas estão devastadas pela perda, deveriam poder expressar e sentir a sua dor,” afirmou Rosenthal em uma entrevista. “Deveriam receber apoio e compaixão em lugar de ser impelidas a ir em frente. Não se pode forçar o "encerramento" desta etapa. Se as pessoas quiserem este encerramento, o farão em seu próprio tempo”.
Os poemas, agora percebo graças a Rosenthal, podem ser uma panaceia literária para a pandemia. Eles nos mostram que não estamos sozinhos, que outros antes de nós sobreviveram à perda devastadora e à desolação, e que podemos nos sentir reconfortados pelas imagens e a cadência da palavra escrita e falada. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.