Se você conversar com alguns escritores, vai notar que há um tema recorrente: livros e palavras que salvam. Vai ouvir como um romance significativo caiu, no momento certo, nas mãos de uma pessoa que estava sozinha e com medo; como uma humilde caneta esferográfica se tornou microfone, palco, escudo ou espada.
Para Paula McLain, autora de Casados com Paris e quatro outros romances, incluindo seu novo, When the Stars Go Dark (Quando as estrelas escurecem, em tradução literal), a literatura foi sua salvação durante uma infância passada em orfanatos. A mãe a abandonou aos quatro anos e seu pai vivia entrando e saindo da prisão. "Escrever foi a maneira que encontrei de nadar quando estava afundando. Eu tentava encontrar palavras para coisas para as quais não há palavras", disse McLain, de 55 anos, durante uma entrevista em vídeo de sua casa em Cleveland, Ohio, onde mora com a filha adolescente e um filho; o filho mais velho mora em Denver, no Colorado.
Por mais de uma década, começando em 1969, McLain e suas irmãs – uma mais nova e uma mais velha – se mudaram de uma instituição para outra na Califórnia, sofrendo abuso sexual, punição corporal, negligência e a confusão diária de nunca se sentirem devidamente cuidadas.
Ela descreve esse período usando um tom desarmadoramente alegre, mas suas lembranças são impressionantes. "Minha infância foi como uma guerra sem fim. Eu não me sentia segura. Não via uma saída ou uma maneira de passar por aquilo. Tinha vergonha da minha história; ela parecia apontar que havia algo terrivelmente errado comigo."
Em cada nova escola, McLain levava o almoço para o único lugar onde sabia que encontraria uma alma gêmea: a biblioteca. "A gente se mudava tanto que eu não achava seguro fazer amizade com crianças de verdade, por isso sempre fiz amizade com bibliotecários. E, em seguida, com os livros."
Ela devorava contos de sobrevivência, incluindo A Longa Jornada, A Tree Grows in Brooklyn (Uma árvore cresce no Brooklyn, em tradução literal) e contos de fadas de Hans Christian Andersen e dos Irmãos Grimm. "Eu estava tentando achar um caminho para sair da floresta. Os personagens se tornaram meus amigos e meus guias."
Depois do ensino médio, ela conseguiu um emprego em uma casa de repouso e entrou na faculdade com a ajuda de um programa da Califórnia que permitia aos alunos frequentar a faculdade comunitária por US$ 50 mais o custo dos livros. "Eu não tinha conta no banco. Morava com minhas irmãs e estávamos bem abaixo da linha da pobreza. A gente não tinha mobília."
Em uma entrevista por telefone, a irmã mais velha de McLain, Teresa Reed, disse: "Quando você cresce como nós crescemos, não acha que vai conseguir algo inalcançável. Portanto, não é como se eu olhasse para Paula e pensasse: 'Você vai ser uma escritora incrível.' Mas ela passava o tempo todo escrevendo, sempre fazendo poesia, sempre em um livro. E ela escreveu todos os meus trabalhos de conclusão de curso."
McLain era divorciada e mãe de uma criança quando pediu emprestados US$ 35 mil para conseguir o diploma de mestre em belas-artes em poesia pela Universidade do Michigan. "Eu não tinha ideia de como quitar aquela dívida", contou.
Depois de terminar o programa, começou a dar aulas para o ensino médio em Vermont, trabalhou como garçonete no Wisconsin e escrevia no tempo livre. Em 2003, morava em Ohio e se preparava para discutir Paris É uma Festa em uma aula sobre livros de memórias em uma faculdade local quando uma ideia lhe veio "como um raio": escrever sobre a Paris boêmia de Hemingway do ponto de vista de sua primeira esposa, Hadley Richardson. Largou os três empregos de meio período como professora, fixou-se em uma Starbucks e, como contou em um e-mail, "escrevi até cair dura".
Quando Casados com Paris foi publicado em 2011, tornou-se tão onipresente na lista de best-sellers quanto seus personagens o eram nos cafés da Margem Esquerda. Atualmente, há mais de dois milhões de cópias impressas.
"Casados com Paris é o motivo pelo qual posso comprar estantes de livros em vez de lamen", observou McLain. Ela escreveu mais dois best-sellers baseados na vida de mulheres reais – Beryl Markham em Entre o Céu e a Terra e Martha Gellhorn em Love and Ruin (Amor e ruína, em tradução livre). Via seu trabalho como um ato feminista, uma forma de dar profundidade e dimensão a "mulheres perdidas que não são procuradas".
Mas em um dia de 2017, McLain estava passeando com o seu cachorro Piper ao redor de um lago local quando teve uma ideia para um tipo diferente de história – cheia de suspense –, que se transformou em When the Stars Go Dark. "Imaginei essa detetive cheia de problemas que procura pessoas desaparecidas e que fica obcecada por uma garota que desaparece em uma cidade que tinha um significado especial para ela quando era criança. Antes de chegar em casa, eu já conseguia ver tudo."
A mais recente protagonista de McLain é Anna Hart, detetive de San Francisco que cresceu em um orfanato e está fugindo de um misterioso e terrível acontecimento. Chega a Mendocino, na Califórnia, e se vê envolvida na busca de uma garota cujo desaparecimento lhe dá uma sensação enervante de déjà vu. O abuso sexual é um tema, assim como a ressaca de uma infância sem raízes.
No fim, McLain compartilhou um rascunho de When the Stars Go Dark com um amigo, que apontou que ela estava escrevendo sobre a própria infância. Ela admitiu que esse romance é "mais íntimo e conta mais a verdade do que minhas memórias".
O tal livro de memórias é Like Family (Como família, em tradução literal), de 2003, que descreveu a infância de McLain na casa de outras pessoas. "De certa forma, é como um hotel, porque nada pertence a você. Tudo é emprestado, como livros de uma biblioteca: a cama, a escova de dentes, a água do banho, a lampadinha embaixo do armário de remédios que te ajuda a reconhecer o próprio rosto às duas da manhã", comentou a autora.
McLain continua a gostar de Like Family, mas agora admite que se escondeu atrás do simbolismo ao redigir os capítulos mais dolorosos de sua história. Escreveu quatro rascunhos de When the Stars Go Dark antes de compartilhar o manuscrito com seu editor.
Ela temia que sua equipe pensasse que ela era "maluca" de sair da estante de ficção histórica, na qual havia construído seu nome. A presidente da Ballantine Books, Kara Welsh, declarou em uma entrevista por telefone que acredita que os leitores de McLain a seguirão – e que sua franqueza atrairá novos leitores também: "Paula cria esses personagens lindamente imperfeitos. Pôs muito de si mesma e de sua história nesse livro, e acho que isso se traduz para o leitor."
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