CIDADE DO MÉXICO - As autoridades mexicanas estão pondo em prática a agenda de imigração do governo Trump em amplos trechos da fronteira, menosprezando as promessas do governo mexicano de defender os imigrantes e apoiar sua busca por uma vida melhor.
As autoridades mexicanas agora bloqueiam os imigrantes nas cidades de fronteira, impedindo que usem as pontes internacionais para solicitar asilo nos Estados Unidos, interceptando os menores desacompanhados antes que eles possam chegar ao solo americano e ajudando os funcionários do lado americano a administrar as listas de pessoas que solicitaram asilo.
Interrompendo a prática do asilo adotada há dezenas de anos, o governo mexicano decidiu também permitir que o governo Trump envie mais de 120 homens, mulheres e crianças para Tijuana à espera de uma decisão sobre suas solicitações de asilo. O novo presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, define sua atitude como a decisão estratégica de não irritar o presidente Donald J. Trump.
Segundo funcionários, López Obrador não quer comprometer outros aspectos das relações entre os dois países, desde os elaborados acordos comerciais à troca de informações sobre segurança da fronteira, criminalidade transnacional e terrorismo.
Defensor dos pobres, Obrador refere-se frequentemente aos seus planos como uma grande transformação. Ele reduziu os salários dos funcionários públicos, permitiu somente as viagens de avião em classe econômica pelo país e abriu o palácio presidencial ao público. Além disso, reduziu o número de imigrantes da América Central deportados pelo México. Os grupos defensores dos direitos humanos afirmam que a política de asilo do governo Trump empurra os imigrantes a um México incrivelmente violento e dificulta seu acesso à assistência jurídica e o apoio às famílias nos EUA.
O governo de López Obrador, que se elegeu declarando que não cooperaria com a agenda de Trump contra a imigração, cedeu em várias frentes, por exemplo, ao permitir o ingresso de mulheres e crianças apesar das promessas de aceitar somente homens em busca de asilo.
Para Lopez Obrador, ceder a algumas exigências de Trump e raramente falar uma palavra contra o presidente americano representa um pequeno custo político para o país. Na opinião de muitos mexicanos, o destino dos imigrantes é secundário em relação aos empregos, à segurança e à corrupção. López Obrador mantém 80% de aprovação.
"Se tivermos de aceitar um punhado de pessoas de volta ao México, este não será realmente um problema para nós, nem mesmo em termos políticos", disse um funcionáriod do governo. "O que queremos, na realidade, é evitar uma briga com Trump".
Mas em sua tentativa de evitar um conflito com o outro lado da fronteira, o governo mexicano optou por uma política contrária aos seus ideais humanitários, afirmam os críticos. O delicado equilíbrio deixou o governo sem uma política de imigração clara. Os estados e as cidades mexicanas ao longo da fronteira muitas vezes precisam se defender por conta própria sob a pressão de seus equivalentes americanos.
Na fronteira da cidade de Reynosa, quase ninguém pode cruzar a ponte para pedir asilo em McAllen, no Texas. As pessoas são impedidas ou presas pela polícia mexicana. Na cidade de Piedras Negras, as autoridades cercaram centenas de imigrantes que chegaram em uma caravana e os mantiveram em um abrigo com acesso limitado a pessoas de fora, afirmam ativistas. Depois de um tumulto, o centro foi fechado e muitos foram levados de ônibus para outras cidades e centros menores. O prefeito de Ciudad Juárez ameaçou processar um governador vizinho por transportar os imigrantes para sua cidade.
No entanto, ainda segundo funcionários do governo de López Obrador, o governo resiste de alguma maneira a Trump. A concordância com a política de asilo é uma medida estratégica. Ao permitir que o programa comece em San Diego e Tijuana, afirmaram, as contestações legais vão para tribunais federais do distrito do norte da Califórnia, que em geral são liberais.
No dia 14 de outubro, a American Civil Liberties Union e outros grupos de defesa dos direitos humanos entraram com uma ação em nome de 11 imigrantes em busca de asilo que foram devolvidos ao México, acusando o governo Trump de violar leis federais e internacionais de direitos humanos e de migração.
Os ativistas afirmam que, ao enviar para Tijuana as pessoas que buscam asilo, o governo os jogou em um ambiente perigoso. Em 2018, a cidade registrou mais de 2.500 assassinatos.
"Não tenho ideia de como vou sobreviver", disse Yanira, uma imigrante de 34 anos de El Salvador, que temia ser seguida pelas pessoas das quais disse que fugia em sua pátria.
Yanira partiu com seus três filhos, de 8, 11 e 12 anos, depois que uma gangue tentou recrutar o filho do meio e o ameaçou de violência, caso ele não concordasse. Depois de ter de retornar para o outro lado da fronteira, ela desabou.
"Chorei até não poder mais", contou. / Paulina Villegas contribuiu para a reportagem.
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