THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Michael Bublé teve muito a compartilhar nos primeiros cinco minutos de um recente bate-papo por vídeo. Ele odeia ter de usar o banheiro no cinema, porque a ideia de perder um ponto crucial da trama é estressante. A sopa cremosa de legumes que comeu enquanto conversava - ele pediu desculpas por isso - não estava muito boa. Também não se importou com The Matrix Resurrections, o filme mais recente da franquia de ficção científica, de 2021; dito isso, ama Keanu Reeves, que mora em sua rua em Los Angeles. Embora nunca tenham se conhecido, toda vez que Bublé e a família passam pela casa do ator, dizem em voz alta: “Oi, Keanu”. “Ele também é canadense. Por isso, dá uma vontade gigante de dizer: ‘Ei, estamos conectados’”, comentou o cantor.
Bublé, de 46 anos, construiu sua carreira com essa acessibilidade imediata. Talvez você o tenha visto em um de seus especiais de Natal televisionados, durante os quais canta músicas natalinas ao lado de estrelas como Barbra Streisand e Caco, o sapo. Talvez você tenha assistido a suas muitas participações na TV. O artista tradicional do showbiz é uma raça em extinção, mas Bublé, cantor excepcionalmente agradável que pode se encaixar perfeitamente em qualquer música, sala ou situação, criou-se nesse modo clássico.
Ele é mais famoso por interpretar músicas de outras pessoas. Seu gosto se baseia em uma série de épocas e gêneros: Dean Martin, Louis Prima, Bee Gees, Nat King Cole, Justin Timberlake, The Drifters e muitos mais. (Chegou a cantar até o tema de abertura do desenho animado Homem-Aranha.) Em Higher, seu novo álbum, canta A Nightingale Sang in Berkeley Square, canção popularizada por Vera Lynn em 1940, e segue diretamente com Make You Feel My Love, música de Bob Dylan de 1997, também notavelmente regravada por Adele em 2008.
A linha que cruza essas canções aparentemente díspares é sua voz animada e melíflua, capaz de levar toda e qualquer música ao reino do romance genuíno. O compromisso sincero de Bublé com a interpretação de canções escritas para muitas gerações de amantes o tornou popular entre diferentes faixas etárias. Lançou quatro álbuns que chegaram ao primeiro lugar nas paradas da Billboard e vendeu mais de 70 milhões de discos em todo o mundo, apesar de nunca ter se alinhado com as tendências pop contemporâneas ao longo da carreira. “É difícil categorizar o que faço; as pessoas gostariam que eu o fizesse, e lutei contra isso a vida inteira. Eu me classifico como um cantor de soul que ama o grande songbook americano, mas que adora escrever músicas pop. É um lugar muito estranho.”
A paixão de Bublé pelos clássicos foi fomentada durante a infância em Burnaby, na Colúmbia Britânica. Seu avô, que era encanador, tocava músicas dos anos 1940 e 1950 e explicava a história delas ao artista, que “se apaixonou pela profundidade do significado delas para aquela geração”. Ele contou que, na época, era um “garoto nerd sem namorada” e que seu crescente interesse por esse tipo de música era um meio de se sentir especial. “Eu não era um daqueles caras que queriam se vestir com roupas retrô. A música simplesmente me comoveu, por isso eu sabia, mesmo naquela idade, que era tudo que eu queria.”
Sua intenção de seguir a carreira de cantor com um estilo de jazz de big band fora da moda o levou a caminhos sinuosos. Os shows em boates eram “os bons”, segundo ele; mais humilhantes eram os navios de cruzeiro e as apresentações em shopping centers, e o pior de tudo eram os telegramas cantados, nos quais, por US$ 20, cantava para alguma aniversariante sortuda da rede canadense de restaurantes White Spot.
Em 2000, Bublé foi contratado para se apresentar no casamento de uma filha de Brian Mulroney, ex-primeiro ministro do Canadá, e conheceu o produtor David Foster durante o evento. Com o tempo, convenceu Foster a contratá-lo para sua gravadora, uma subsidiária da Warner, com a ressalva de que Bublé teve de investir o próprio dinheiro para produzir um novo álbum. O resultado foi o LP Michael Bublé, de 2003, que colocou vários singles nas paradas da Billboard Adult Contemporary e faturou um disco de platina.
Quando ficou famoso, Bublé estava se aproximando dos 30 anos - jovem para o mundo, mas não para a indústria da música. Alguns executivos da gravadora se assustavam com sua idade, mas ele estava pronto para enfrentar seu momento com a devida humildade, quando este finalmente chegou. “Eu estava tão atrasado para essa festa, que já estava formado como pessoa.” Os anos de trabalho duro também lhe inculcaram uma ética de trabalho implacável que, em retrospecto, trouxe recompensas: “Eu só me importava com minha carreira - me tornar o maior músico, o maior compositor, o maior artista. Tudo que fiz foi em direção a esse objetivo, e nunca parei para cheirar as rosas.”
Perdeu aniversários e casamentos de amigos, e afirmou que raramente explorava as cidades onde se apresentaria. Depois disso, obteve um sucesso ainda maior, tanto profissional quanto pessoalmente: em 2011, casou-se com a atriz argentina Luisana Lopilato e lançou Christmas, disco de canções natalinas que continua sendo o mais vendido de sua carreira. Mas, quando seu impulso comercial diminuiu com Nobody but Me, em 2013, “foi a primeira vez que tive uma sensação de pânico. Senti que minha personalidade inventada estava me prejudicando - comecei a duvidar de mim mesmo, de quem eu era e do que queria fazer”.
Em 2016, soube que seu filho mais velho, Noah, então com três anos, tinha uma forma rara de câncer de fígado. “Eu me lembro de pensar que, pela primeira vez, estava conseguindo ver tudo com uma clareza enorme. Foi quando comecei a ter um relacionamento muito mais saudável com o que faço - essa pessoa que você se torna quando sai em turnê.” (Depois de meses de quimioterapia, Noah entrou em remissão.) Bublé começou a prestar mais atenção à sua forma física para que pudesse ter mais resistência durante apresentações longas; também se permitiu abrir o processo criativo, depois do que chamou de uma abordagem de “microgestão” de seus trabalhos anteriores.
Em Higher, isso se manifestou parcialmente por necessidade. Por causa da pandemia do coronavírus, nem sempre era possível trocar ideias pessoalmente; em vez disso, ele conversava com outros músicos e lhes enviava demos por e-mail. Bublé não é músico de formação, mas sabe tocar piano o suficiente para se virar. Contou sobre um ensaio solo entre as ligações do Zoom, no qual elaborou um arranjo para Bring It on Home to Me, de Sam Cooke, que ele comparou a um gospel ao estilo Donny Hathaway e Elvis Presley, o que o fez ligar imediatamente para o produtor Bob Rock (Metallica, Aerosmith) e mostrar sua ideia. Garantiu que essa foi a melhor coisa que já gravou.
“As pessoas ainda pensam nele como um cantor que recebe músicas prontas para cantar, mas ele realmente sabe o que está fazendo - tem essa incrível visão geral do telescópio Hubble em relação ao que deseja produzir”, disse Greg Wells, produtor executivo do álbum e colaborador de primeira viagem. Ele apontou que muitas das músicas mais interessantes de Bublé, como a alegre faixa Haven’t Met You Yet, de 2009, são as que ele coescreveu, contrariando sua reputação de intérprete.
Higher também se beneficiou de uma série de acasos típicos de Michael Bublé. Um dueto com Willie Nelson em Crazy, desenvolvido por intermédio da amizade de Bublé com o filho de Nelson, Lukas. E, depois que Bublé gravou uma demo da balada de fim de carreira de Paul McCartney, My Valentine, o autor concordou em produzir a versão que aparece no disco.
Embora Bublé tenha descrito a “sensação de ansiedade e pavor” que vem com cada novo álbum, havia coisas maiores em que pensar. Ressaltou, com a voz suave, que Noah tinha acabado de chegar à marca de cinco anos de exames de câncer com resultado negativo. Enfatizou sua gratidão por tudo que foi capaz de fazer, mas disse que ainda estava motivado para encontrar seu público, independentemente de como as tendências mudam ou de como os métodos que usamos para ouvir música evoluem. “Você só precisa encontrar uma maneira de matar essa fome. Não posso esperar que me coloquem para tocar no rádio.”
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