THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Quando Wendsler Nosie terminou suas orações noturnas sentado diante de uma fogueira de algaroba, com um cajado cerimonial de yucca enfeitado com penas de águia ao seu lado, ele olhou severamente para um planalto distante onde as mineradoras esperam extrair mais de 1 bilhão de toneladas de cobre.
Essa mina poderia ajudar a lidar com a mudança climática auxiliando os Estados Unidos a substituírem combustíveis fósseis e motores de combustão por energia renovável e carros elétricos. Mas para Nosie, ex-presidente da Tribo Apache de San Carlos, este é o mais recente insulto em uma história amarga. A tribo considera as colinas e desfiladeiros ocultos sob os quais está o cobre - uma área do Arizona chamada Oak Flat - como um corredor para Deus habitado por espíritos santos. A reserva da tribo fica a cerca de 56 km de distância.
“Estamos enfrentando esse grande modo dominante, esse modo de vida corporativo”, ele disse. “São duas formas de pensar conflitantes. Não há espaço para as duas. Uma será destruída.”
As duas gigantes da mineração por trás do projeto, a Rio Tinto e a BHP, têm muita experiência em conflitos ambientais. Mas, neste caso, os executivos das empresas argumentam que seu projeto, conhecido como Resolution, beneficiará o meio ambiente ao ajudar a aumentar o uso de energia renovável e carros elétricos e reduzir as emissões de gases de efeito estufa. As empresas já gastaram mais de US$ 2 bilhões em trabalhos exploratórios e na preparação do projeto. Elas têm o apoio de muitas autoridades locais e estaduais eleitas.
“O cobre é fundamental para a transição energética”, disse Vicky Peacey, diretora do projeto da mina. “A mudança climática é a maior crise que o mundo enfrenta. Temos de fazer isso direito.”
Estão em jogo as ambiciosas metas climáticas estabelecidas pelo presidente Joe Biden, que quer reduzir as emissões de gases de efeito estufa dos EUA de 50% a 52% em relação aos níveis de 2005 até 2030 e efetivamente zerá-las até 2050. Para atingir essas metas, o país precisará de muito mais turbinas eólicas, painéis solares e veículos elétricos – e tudo isso exigirá muito mais cobre. Um carro elétrico, por exemplo, contém três vezes mais cobre do que um veículo comparável movido a gasolina.
“Grande parte da transformação de energia é sobre eletrificação, e o cobre é o metal da eletrificação”, disse Daniel Yergin, historiador de energia e vice-presidente da S&P Global. “Mas, para atingir as metas líquidas de carbono zero para 2050 que os Estados Unidos e a União Europeia adotaram, a produção global de cobre precisa dobrar, e é muito difícil ver como isso vai acontecer.”
Peacey disse em uma entrevista que sua empresa estava disposta a fazer um acordo com os Apaches locais. Os executivos já reduziram o escopo de sua mina em relação à proposta original. Mas muitos líderes Apaches dizem que não há acordo possível, já que os mineradores planejam uma técnica de perfuração que, ao longo das décadas, produziria um desfiladeiro aberto, matando a vida selvagem e os carvalhos.
“Alguém destruiria o Monte Sinai para buscar petróleo?” perguntou Nosie, que vive como forma de protesto em duas cavernas que acabarão sendo prejudicadas se a mina for construída. Ele disse que estava pronto para ir à Suprema Corte para defender o que caracterizou como o direito constitucional dos Apaches de praticar sua religião.
Nosie, de 64 anos, disse que seus ancestrais habitavam Oak Flat em meados do século 19, antes que os soldados americanos os levassem para a reserva onde a tribo ainda vive. Quando criança, ele visitava a área com seu avô. “Ele abriu meus olhos”, lembrou Nosie.
Os esforços de Nosie já ajudaram a paralisar o projeto por anos, e mais anos de atrasos são prováveis.
A produção de cobre dos EUA, atualmente em 1,2 milhão de toneladas métricas por ano, vem caindo porque a maior mina do país, a Morenci, no Arizona, está em declínio e pode se esgotar em 20 anos. A mina Resolution proposta, a 6.800 pés de profundidade e cerca de 96 km a leste de Phoenix, produziria cerca de 18 bilhões de quilos de cobre em 40 anos, de acordo com a Rio Tinto.
O projeto de mina Resolution tornou-se inicialmente possível há nove anos, quando o senador John McCain colocou uma troca federal de terras em um projeto de lei de apropriações que poderia eventualmente abrir a área de Oak Flat para mais mineração de cobre. Uma área de 2.400 acres da Floresta Nacional de Tonto, que inclui Oak Flat, seria trocada por parcelas controladas pelo projeto Resolution dentro de 60 dias após a conclusão do processo regulatório.
Uma revisão ambiental obrigatória foi concluída nos últimos dias do governo Trump, mas o Serviço Florestal dos EUA interrompeu a troca em 2021, depois que Biden se tornou presidente. O governo prometeu consultar extensivamente as tribos nativas americanas antes de avançar com a troca.
Separadamente, um grupo liderado por Nosie e Becket, uma organização conservadora sem fins lucrativos anteriormente conhecida como Becket Fund for Religious Liberty, está buscando uma liminar para interromper a troca de terras até que os méritos das questões religiosas sejam resolvidos pelo sistema legal.
Um tribunal federal rejeitou a moção, uma decisão confirmada por um painel de três membros do Tribunal de Apelações do 9.º Circuito dos EUA em junho. Um painel completo de 11 juízes do 9.º Circuito vai examinar um recurso este ano. Duas outras ações federais que argumentam que a mina violaria os estatutos de preservação ambiental e histórica foram movidas.
Um porta-voz do Departamento de Agricultura, que inclui o Serviço Florestal, disse que as autoridades não poderiam comentar por causa do litígio. Mas autoridades do governo Biden procuraram caminhar sobre uma linha tênue entre respeitar as opiniões de tribos e ambientalistas que se opõem a projetos específicos e o desejo do presidente de aumentar a produção doméstica de importantes matérias-primas.
Existem opiniões divergentes sobre os méritos da mineração, mesmo na reserva Apache San Carlos. Algumas pessoas veem a mina como uma afronta às suas tradições, enquanto outras a consideram uma oportunidade econômica e uma fonte de emprego.
“É uma oportunidade de trabalho e sou mãe solteira”, disse Jolene Quade, de 35 anos, que vende pão frito em um carrinho de rua em San Carlos.
Juaniko Goseyun, cinegrafista freelancer de 22 anos, disse que suas opiniões foram moldadas por uma visita a Oak Flat e uma discussão sobre a mina com Nosie em uma aula. “Isso me fez sentir que, se houver uma mina, tudo o que é antigo e sagrado para nós será perdido”, ele disse, referindo-se aos petróglifos Apache e poços de fogo que viu em sua visita a Oak Flat.
Alguns ambientalistas também se opõem ao projeto, argumentando que ele acabaria reduzindo o hábitat de espécies ameaçadas, incluindo o cacto ouriço e a cobra-liga de cabeça estreita. A água subterrânea bombeada pode poluir rios e córregos.
“Haverá mineração, mas isso não significa que deva haver mineração em todos os locais”, disse Sandy Bahr, diretora do Sierra Club Grand Canyon Chapter.
Peacey responde que o local do projeto Resolution é uma das poucas fontes grandes e acessíveis de cobre que restam. “É como procurar uma agulha no palheiro.” Ela disse que os planos da empresa para armazenar resíduos de minas, ou rejeitos, “irão atender aos critérios mais rigorosos de concepção de qualquer padrão global”.
A mina será equipada com amplos sensores, veículos autônomos e sistemas de controle climático que operam a mais de 1,6 km abaixo da superfície, onde as temperaturas podem chegar a 80ºC. O projeto custará bilhões de dólares.
Quando um elevador desce os funcionários de uma mina a 150 metros por minuto, ouve-se o barulho penetrante dos ventiladores e o chiado do ar comprimido. Algumas dezenas de eletricistas, mecânicos e soldadores estão fazendo a manutenção dos sistemas de água e estudando a mina.
A construção pode levar de oito a 10 anos, e a mina pode eventualmente empregar 3.700 trabalhadores, de acordo com o projeto, revitalizando Superior, uma antiga cidade mineira.
O Goldman Sachs prevê que a demanda global por cobre superará a oferta até 2025.
“Estou muito mais preocupado com o cobre do que com o lítio, porque se você é um fabricante de baterias, pode encontrar maneiras de usar menos lítio”, disse Michael Webber, professor de engenharia mecânica da Universidade do Texas em Austin. “O cobre é importante para veículos elétricos, mas também para energia eólica, solar, baterias, linhas de transmissão e até usinas nucleares.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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