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Mistério desvendado: a matemática por trás dos tombos que espaçonaves têm levado na lua

Duas espaçonaves acabaram tombando na superfície lunar este ano. Na baixa gravidade da Lua, tombar é mais fácil do que você imagina

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Por Kenneth Chang (The New York Times)
Atualização:

No mês passado, quando o módulo de pouso robótico Odysseus se tornou a primeira espaçonave construída nos Estados Unidos a pousar na Lua em mais de 50 anos, ele tombou de lado. Isso limitou os experimentos científicos que o módulo poderia fazer na superfície lunar, porque suas antenas e painéis solares não estavam apontados na direção certa.

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Apenas um mês antes, outra espaçonave, o Módulo de Pouso para Pesquisa Lunar, ou SLIM na sigla em inglês, enviado pela agência espacial japonesa, também tombou durante o pouso, acabando de cabeça para baixo.

Por que assistimos a uma repentina epidemia de espaçonaves rolando pela Lua como ginastas olímpicos fazendo exercícios de solo? Por que é tão difícil pousar de pé ali?

O módulo de pouso inclinado Odysseus na Lua, uma das últimas imagens que transmitiu antes de ser desligado Foto: Intuitive Machines via The New York Times

Na internet e em outros lugares, pessoas apontaram a altura do módulo de pouso Odysseus – 4,3 metros dos pés de pouso até os painéis solares – como um fator que contribuiu para seu pouso desequilibrado.

Será que a Intuitive Machines, fabricante do Odysseus, cometeu um erro crasso ao construir a espaçonave dessa maneira?

Os cientistas da empresa apresentam uma justificativa de engenharia para seu design alto e magro, mas os comentaristas da internet têm um bom argumento.

Uma coisa alta e magra cai mais fácil do que um objeto baixo e atarracado. E na Lua, onde a força da gravidade é apenas um sexto da terrestre, a propensão a tombar é ainda maior.

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Não é uma constatação nova. Meio século atrás, os astronautas da Apollo viveram essa experiência em primeira mão saltando na Lua e, de vez em quando, caindo no chão.

Harrison H. Schmitt perdendo o equilíbrio durante a segunda atividade extraveicular da Apollo 17, em 1972 Foto: NASA via The New York Times

Philip Metzger, ex-engenheiro da Nasa que agora é cientista planetário na Universidade da Flórida Central, elucidou a matemática e a física que explicam por que é mais difícil ficar de pé na Lua.

“Fiz os cálculos para valer e é bem assustador mesmo”, disse Metzger na semana passada no X, rede social antes conhecida como Twitter. “Na gravidade lunar, o movimento lateral capaz de tombar uma sonda desse tamanho é de apenas alguns metros por segundo” (Um metro por segundo é pouco mais de 3 quilômetros por hora).

Essa questão da estabilidade tem duas partes. A primeira é a estabilidade estática. Se o módulo se inclinar muito, vai cair quando o centro de gravidade ficar para além dos pés de pouso.

Acontece que o ângulo máximo de inclinação é o mesmo na Terra e na Lua. E seria o mesmo em qualquer lugar, porque a gravidade é cancelada na equação.

No entanto, a resposta muda se o módulo ainda estiver em movimento. O Odysseus deveria pousar verticalmente, com velocidade horizontal zero, mas, devido a problemas com o sistema de navegação, ele ainda estava se movendo lateralmente quando atingiu o solo.

“Os cálculos baseados na Terra agora são um problema”, disse Metzger. Ele deu um bom exemplo: tentar empurrar a geladeira na cozinha. “Ela é tão pesada que não vai tombar com um empurrão leve”, disse Metzger.

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Mas, se você a substituir por um bloco de isopor no formato da geladeira, o que seria parecido com o peso de uma geladeira na gravidade lunar, “então um empurrão muito leve já vai tombá-la”, disse Metzger.

Supondo que o módulo continue inteiro, ele vai girar no ponto de contato onde o pé de pouso toca o solo.

O módulo de pouso lunar Nova-C da Intuitive Machines nas instalações da empresa em Houston, em 2023 Foto: Brandon Thibodeaux/The New York Times
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Os cálculos de Metzger sugeriram que, para uma espaçonave como o Odysseus, os pés de pouso precisariam ser cerca de 2,5 vezes mais largos na Lua do que na Terra para neutralizar a mesma quantidade de movimento lateral.

Por exemplo: se 3 metros de largura fossem suficientes para pousar na Terra na velocidade horizontal máxima, então os pés teriam que estar separados por 4,5 metros para não tombar na Lua com a mesma velocidade lateral.

Para simplificar o projeto, os pés de pouso do Odysseus não se dobram, e o diâmetro do foguete SpaceX Falcon 9 que o elevou ao espaço limitou a distância entre os pés.

“Então, na Lua, você precisa manter as velocidades laterais muito baixas no pouso, muito mais baixas do que se você pousasse o módulo na gravidade da Terra”, escreveu Metzger no X.

Eu também tive dúvidas sobre o formato do módulo de pouso quando visitei a sede e a fábrica da Intuitive Machines em Houston, em fevereiro do ano passado. “Por que é tão alto?”, perguntei.

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Steve Altemus, CEO da Intuitive Machines, respondeu que tinha a ver com os tanques que contêm o metano líquido e os propulsores de oxigênio líquido da espaçonave.

O oxigênio pesa duas vezes mais que o metano, então, se o tanque de oxigênio ficasse ao lado do tanque de metano, o módulo de pouso ficaria desequilibrado. Em vez disso, os dois tanques foram empilhados um em cima do outro.

“Daí a altura”, disse Altemus.

Scott Manley, que comenta sobre foguetes no X e no YouTube, observou que Altemus liderou o desenvolvimento de um módulo de pouso mais baixo quando estava na Nasa, uma década atrás.

Esse módulo de teste, chamado Morpheus, também usava propulsores de metano e oxigênio, mas os tanques foram configurados em pares para equilibrar o peso. O módulo nunca chegou a decolar.

O protótipo do módulo de pouso do Projeto Morpheus sendo testado no Centro Espacial Kennedy, em 2014 Foto: Glenn Benson/NASA via The New York Times

Em entrevista, Manley disse que o projeto também teria funcionado para o módulo de pouso da Intuitive Machines, mas teria deixado a espaçonave mais pesada e complexa.

Se a espaçonave precisasse de dois tanques de metano e dois tanques de oxigênio, sua estrutura teria de ser maior e mais pesada. Os tanques também ficariam mais pesados.

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“Tem mais área de superfície, então mais superfície para isolar”, disse Manley. Ele acrescentou que também seriam necessários “mais encanamentos e mais válvulas, mais coisas para dar errado”.

A altura do Odysseus também oferecia outra vantagem quanto ao local de pouso, na região do polo sul. Na parte inferior da Lua, a luz solar brilha em ângulos baixos, produzindo sombras longas. Se o Odysseus tivesse ficado de pé, os painéis solares no topo da espaçonave teriam permanecido fora das sombras por mais tempo, gerando mais energia para a missão.

Durante a visita à Intuitive Machines, Tim Crain, diretor de tecnologia da empresa, disse que a espaçonave foi projetada para ficar de pé ao pousar, mesmo em uma inclinação de mais de 10 graus. O software de navegação foi programado para procurar um local onde a inclinação fosse de menos de 5 graus.

Como os instrumentos a laser para medir a altitude não estavam funcionando durante a descida do Odysseus, o módulo pousou mais rápido do que o planejado, em uma inclinação de 12 graus. Isso excedeu os limites do projeto. O Odysseus derrapou na superfície, quebrou um dos seis pés e tombou de lado.

Se os instrumentos a laser estivessem funcionando, “teríamos arrasado no pouso”, disse Altemus durante entrevista coletiva na semana passada.

Uma nova visão do módulo de pouso Odysseus durante os momentos finais do pouso na Lua, em 22 de fevereiro de 2024 Foto: Intuitive Machines, via NASA TV via The New York Times

As mesmas preocupações vão valer para a enorme nave estelar da SpaceX que vai levar dois astronautas da Nasa à superfície da Lua já em 2026.

A Starship, que tem a altura de um prédio de 16 andares, terá de descer perfeitamente na vertical e evitar inclinações significativas. Mas estes são desafios de engenharia solucionáveis, disse Metzger.

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“Isso remove parte da margem de erro em sua estabilidade dinâmica, mas não remove toda a margem de erro”, disse Metzger sobre um módulo de pouso alto. “A margem que resta é administrável, desde que os outros sistemas da espaçonave estejam funcionando”.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times.

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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