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Modern Love: A beleza do namoro com data de validade

Apaixonar-se por alguém que está indo embora pode ser surpreendentemente libertador (e muito divertido)

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Por Sarah Bevet

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - “Então, como enfermeira de neurologia”, disse Finbar, “o que você nunca faria?”

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Ninguém nunca tinha me feito essa pergunta. “Andar de bicicleta sem capacete”, eu disse. “Ou usar cocaína.”

Isso foi em junho passado em um bar em Burlington, Vermont, onde eu estava na escola de enfermagem, e Finbar estava - bem, eu não tinha certeza exatamente o que ele estava fazendo. Nós nos conhecemos naquela noite através de amigos em comum. Por volta das 23h, quando o grupo decidiu encerrar a noite, eu disse a ele: “Vou comer uma pizza perto do meu apartamento. Quer vir?”

“Claro!” ele disse.

Compramos duas fatias e sentamos no peitoril da janela de um restaurante que estava fechado à noite. O ar úmido entrou na nossa pele enquanto Finbar me falava da viagem de barco que faria no final do verão. Ele me perguntou como se preparar medicamente.

“Você conhece os sintomas de apendicite?” Eu disse.

“Não, em que devo prestar atenção?”

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“Febre,” eu disse. “Dor que geralmente começa no abdômen e depois se localiza no quadrante inferior direito.”

“E o que acontece se eu tiver apendicite, mas não conseguir desembarcar por duas semanas?”

Dei uma mordida na pizza. “Você morrerá lenta, mas seguramente de sepse.”

Finbar disse que não conseguia mais comer pizza; sua boca estava muito seca. Pensando que meu conselho médico assustador era a causa, garanti a ele que ele ficaria bem e que as chances de ele desenvolver apendicite repentinamente eram mínimas, mas talvez ele devesse levar alguns antibióticos, apenas por segurança. Então eu disse que estava indo para casa.

“Quer que eu te acompanhe?”

“Não, tudo bem, obrigada. Eu moro aqui perto”.

Dias depois, Finbar me disse que pensava que íamos passar a noite juntos e por isso ficou com a boca seca; ele estava nervoso.

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Eu ri. “O que diabos fez você pensar que íamos ficar juntos?”

“Porque você disse: ‘A pizzaria perto do meu apartamento’. Achei que você estava me convidando para ir à sua casa.”

“Ah, entendi. Mas eu não estava”

Quer experimentar a beleza que pode vir de deixar de lado as expectativas? Namore alguém que está de partida. Foto: Brian Rea for The New York Times

Finbar era um sujeito excêntrico de 20 e poucos anos que morava em um veleiro e vivia me convidando para sair, e eu dizia sim. Não sei dizer exatamente o que me atraiu. Talvez tenha sido a maneira com a qual ele se referiu ao seu barco como “um espaço seguro para emoções”. Talvez fosse porque ele tocava música irlandesa toda quarta-feira à noite e se referia a seu melhor amigo Rob como sua alma gêmea. Ele não era nem um pouco charmoso, mas era bom estar perto dele.

Um sábado à noite, ele mandou uma mensagem: “Você quer sair hoje à noite?”

“Sim”, respondi.

Ele pegou pizzas congeladas, nos sentamos em lados opostos do sofá com um cachorro entre nós e começamos a ver um filme que tinha conseguido 2,7 no Rotten Tomatoes. Quando o filme acabou e um comercial começou, o cachorro pulou do sofá para se espreguiçar e Finbar e eu começamos a falar sobre o anúncio farmacêutico que estava passando.

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“Na verdade, eu uso comerciais de remédios para aprender sobre medicamentos para as provas”, eu disse.

“Qual é o nome de medicamento mais legal que você conhece?” ele perguntou.

Eu pensei por um segundo. “Acho que carbidopa-levodopa é divertido de se dizer.”

“O que isso faz?”

“A levodopa é precursora da dopamina, e a carbidopa a ajuda a atravessar a barreira hematoencefálica.”

Com isso, Finbar inclinou-se e me beijou. Seu beijo foi lento e suave, com desejo e intencional. Quando nos afastamos, ele sorriu e disse: “Que tal isso para a dopamina?”

Talvez ele fosse mais charmoso do que eu pensava.

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Continuamos nos vendo. Eu não tinha muita certeza sobre meus sentimentos, mas ao vê-lo mergulhar do barco uma noite, seus músculos das costas refletindo a luz do sol quando atingiram a água, uma onda de atração tomou conta de mim.

Mais tarde naquela noite, descemos para o convés e nos divertimos. Depois, ele fez macarrão ao pesto para nós e ligou no reality show de namoro Brincando com Fogo (Too Hot to Handle), que se tornaria nosso programa naquele verão.

Como uma pessoa que passou a maior parte da minha vida amorosa em relacionamentos com homens mais velhos do que eu, fiquei surpresa por estar namorando um cara quatro anos mais novo. Mas saber que ele estava partindo para sua viagem de barco permitiu que eu me abrisse para essa experiência.

As próximas cinco semanas se passaram em uma névoa de noites na água e duchas para dois. Comemos no novo restaurante de poutine da cidade, que não tinha ar-condicionado, e suamos enquanto devorávamos batatas fritas cobertas com molho. Sentamos a um metro e meio um do outro no meu apartamento enquanto eu tentava, sem sucesso colocar pipoca na boca dele. Assistimos muito a Brincando com Fogo (Too Hot to Handle).

Uma noite, ele remou para me levar de volta à praia depois de velejarmos e cantarmos We’re on a dinghy (Estamos num bote) ao som de Hallelujah de Leonard Cohen durante todo o caminho. Certa manhã, em minha casa, ele gritou para mim do banheiro: “Tudo bem se eu fizer cocô no seu banheiro?”

“Vá em frente!” Eu gritei de volta.

Momentos como esse me fizeram adorar Finbar. Eu amei seu coração, sua capacidade de se comportar a cada momento exatamente como ele era. Me deu vontade de fazer o mesmo.

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No meio de tudo isso, fui para Vancouver, e ele ajudou a velejar um barco para o Panamá. Quando ele voltou, nos reunimos após sua sessão semanal de música irlandesa e continuamos exatamente de onde paramos, sabendo que em um mês ele iria zarpar. Seu prazo para esta viagem era de “seis meses a dois anos”.

Era a mesma névoa de antes, mas com uma sensação mais profunda de nos conhecermos. Ele me contou sobre a morte de seu pai. Chorei contando a ele sobre meu coração partido no ano anterior. Nós nos abraçávamos enquanto conversávamos até tarde da noite. Nós dois sabíamos que aquilo era passageiro e isso nos deixou menos inibidos, como se o que quer que fosse dito entre nós fosse irrelevante no momento em que seu barco deixasse o lago Champlain.

Eu namorei muitas pessoas nos meus 20 anos. A maioria desses relacionamentos fracassou, alguns terminaram em sofrimento. Mas ter um amante indo para o mar era novo, e a teatralidade clichê disso não passou despercebida por mim.

O verão terminou em uma confusão dele se preparando para partir e eu começando outro semestre. A noite em que dissemos adeus foi depois de sua festa de despedida; de manhã ele zarpava. Ele estava embriagado e animado, e estávamos todos um pouco despreparados para a noite fria de setembro. Por volta das 21h30, a maioria dos convidados já havia ido embora. Percebi que era hora de ir e sussurrei para ele: “Você me acompanha até o meu carro?”

Demos as mãos no estacionamento iluminado, o vento soprando do lago. “Aprendi muito com você”, ele disse.

Inclinei-me em direção a ele, não querendo perder isso e sem estar pronta para ir embora. Não tínhamos planos de nos encontrar quando ele voltasse de sua aventura, quando quer que fosse, então isso era um adeus. Ele me deu um último beijo e disse: “Você vai ter uma vida ótima”.

“Você também,” eu disse, meus olhos derramando lágrimas. Apertei sua mão quando entrei no meu carro.

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No dia seguinte, ele zarpou, viajando pelo sistema do Canal Champlain até o rio Hudson e, por fim, até o Oceano Atlântico. Sei pelas postagens do blog que ele chegou ao Caribe. Para onde ele vai a seguir, não sei. Não tenho certeza se ele também sabe.

Finbar permanece em meus pensamentos como uma música favorita, com as letras surgindo aleatoriamente. Abro um largo sorriso quando penso nele cantando para mim no bote. Eu leio as postagens de seu blog e rio alto de suas piadas. Lembro-me do sabor do poutine que comemos e de sua bela capacidade de simplesmente ser.

E por causa do meu tempo com ele, estou tentando fazer o mesmo. Não ter como objetivo final que todo encontro romântico seja um relacionamento de longo prazo, um futuro, uma pessoa com quem construir uma vida. Essa expectativa pode sufocar tanto a vida, a possibilidade, até mesmo de realmente conhecer alguém ou fazer com que conheçam você. Quer experimentar a beleza que pode vir de deixar de lado as expectativas? Namore alguém que está de partida.

Não sei quando ou mesmo se verei Finbar novamente. Só sei que, durante um verão, encontramos um refúgio um no outro, um romance na mesma água que acabou nos levando a jornadas diferentes. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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