Modern Love: 'Eu queria amá-la, não salvá-la'

Na primeira vez em que nos falamos, ela estava tão fraca que desmaiou. Por que isso não me alarmou?

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Por Adam Barrows

Quando Darla e eu tivemos nossa primeira conversa de verdade, ela estava tão delirante de fome que desmaiou atrás da seção de autoajuda, onde fingia colocar livros nas estantes. Eu a encontrei deitada no carpete sujo da loja, apoiada num braço fino feito lápis, as pálpebras tremendo, tentando focar os olhos em mim.

Meses depois, ela me disse que, naquele momento, não tinha conseguido fazer a distinção entre mim e um de nossos colegas de trabalho, um adolescente coberto de acne que só poderia ser vagamente parecido comigo, creio eu, aos olhos de alguém tão faminto quanto ela. Eu não estava coberto de acne nem era adolescente, mas sim um aspirante a escritor de 22 anos que trabalhava numa rede de livrarias em Minneapolis, por falta de ideias melhores.

Ilustrações de Brian Rea/The New York Times. 

“Você está bem?”, perguntei.

Ela fez que sim e pegou minha mão. A dela estava tão fria que tive o impulso de esfregar um pouco para esquentá-la.

“Alguém me viu caindo?”

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Fiz que não com cabeça. “O que aconteceu?”

“Não como há dias. Eu sou anoréxica”. Ela falou com tanta naturalidade, sem vergonha, que era como se estivesse me dizendo seu signo.

“Você quer que eu pegue alguma coisa para você comer?”, perguntei.

Ela sorriu, talvez me reconhecendo pela primeira vez na conversa. Embora viéssemos trabalhando juntos por alguns meses, mal nos conhecíamos.

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“Não é assim que funciona”, disse ela. “Só sente aqui até eu recuperar minhas forças”.

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Foi o que eu fiz.

Depois disso, conversamos muito. Contei a ela sobre meus planos de viajar no meu velho Chevy Malibu até Kansas City, onde planejava dormir no sofá do amigo de um amigo, assim que economizasse dinheiro suficiente. Ela me contou sobre a poesia que estava escrevendo e a paixão que nutria por nosso assistente de gerente. Descobrimos que compartilhávamos o amor por Jack Kerouac. Disse a ela que minha aventura até Kansas City seria meu momento On the Road.

“Você sabia que o Museu Walker está com uma exibição da Geração Beat agora?”, ela disse. “Tem a máquina de escrever do Kerouac com o rolo original de On the Road”.

Fomos à exposição e vimos o rolo do livro. Ela falou sobre todos os lugares em que não tinha estado, e eu disse a ela o quanto eu queria ver o mundo, viver uma aventura.

“Talvez você esteja vivendo uma aventura agora”, disse ela, pegando minha mão. Desta vez, a dela estava mais quente.

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Ela parou de falar sobre o assistente de gerente, mas não parava de passar fome.

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Não tentei ajudá-la com isso. Não sei muito bem por quê. É como se eu aceitasse sua luta como um dado da realidade, um fato da vida dela. Eu estava lutando contra mim mesmo depois de um término recente e tentando me ensinar a fazer coisas básicas novamente: pensar com minha própria cabeça, seguir em frente, me manter em pé, dormir e respirar.

Ver sua luta para engolir alimentos sólidos, ver como ela espalhava uma fina camada de manteiga num salgado que ela mastigava até formar uma pasta antes de descer (era sua única refeição em dias) não parecia natural, claro, mas, de algum jeito, era normal para mim. Eu via morrer de fome e a abraçava.

Algumas pessoas podem chamar isso de facilitação de um distúrbio. Eu chamava de amor.

Talvez eu não estivesse tão errado. Alguns anos atrás, li um estudo no qual os pesquisadores sugeriam que beijar pode neutralizar a anorexia. Tenho certeza de que há certo ceticismo saudável e merecido a respeito dessas afirmações, mas não seria bom se fosse verdade que o amor pudesse curar uma doença perigosa? De todo jeito, deve ter sido um belo experimento científico!

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Quando Darla e eu nos beijamos pela primeira vez, o beijo não a curou de nada, mas me curou do meu sonho de ir para Kansas City. Ainda não fui para lá, todos esses anos depois. E não tenho vontade de ir.

Para qualquer um que nos visse naquela época, com Darla sempre tão perigosamente magra, eu devia parecer um espectador que tinha encontrado uma vítima de acidente num carro em chamas e perguntado a ela qual era sua música favorita, em vez de tirá-la das chamas.

Não é que eu não quisesse queimar minhas mãos. É que meu instinto era queimar junto com ela. Uma pessoa melhor, eu vejo agora, teria levado Darla ao centro de reabilitação mais próximo, mas isso nunca me ocorreu.

Em vez disso, Darla e eu nos dedicamos à nossa própria versão particular da cura pelo beijo. Quais foram os resultados? Precisamos de muito tempo para descobrir.

Aqueles primeiros meses foram nossa aventura. Nós largamos nossos empregos na livraria. Em vez de dirigir sozinho para Kansas City, vendi meu Chevy Malibu e usei o dinheiro para comprar passagens num trem Amtrak rumo ao oeste.

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Olhando para o mapa dos Estados Unidos na estação, ela disse: “Para onde vamos?”

Disse para ela escolher o nome que soasse mais romântico na linha do Empire Builder, o que nos levou a comprar duas passagens num vagão-leito para West Glacier, Montana.

Para os adeptos da cura pelo beijo, recomendo muito uma passagem num vagão-leito Amtrak, onde você pode se isolar do mundo, chacoalhando durante a noite e escorregando debaixo das cobertas a cada curva dos trilhos. Em todas as estações, colocávamos nossos óculos (tínhamos a mesma receita e às vezes usávamos os óculos um do outro) e olhávamos pela janela os fumantes nas plataformas da estação se apressando para dar suas últimas tragadas antes de soar o “Todos a bordo!”.

Antes que o trem parasse em West Glacier, o comissário do vagão-leito nos convenceu a não descer. “É uma cidade de veraneio, meus queridos”, disse ele, “e estamos em novembro. A menos que vocês queiram dormir na estação, é melhor ficarem até Whitefish”.

Foi um bom conselho. Não tínhamos reservado nenhum lugar para ficar em West Glacier, pensando que encontraríamos um albergue quando chegássemos lá. A verdade é que provavelmente teríamos brigado, chorado, congelado e voltado para casa, com nossa aventura encerrada prematuramente.

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Graças ao comissário, porém, ficamos até Whitefish, passamos uma semana apreciando as vistas da montanha e, então, com saudades do nosso vagão-leito, embarcamos novamente no Empire Builder, desta vez para Seattle, onde passamos mais uma semana num albergue antes de pegar o Coast Starlight para Sacramento. De lá, subimos num ônibus para São Francisco e depois para Flagstaff, Arizona, onde usamos o que restava de nossas economias para alugar um trailer, onde passamos nosso primeiro Natal juntos.

Darla estava comendo um pouco mais. Não muito, mas um pouco mais. Parecia ter mais energia. Ficamos alguns meses nos sustentando com trabalhos temporários, dirigindo um carro de 500 dólares que o dono do trailer nos vendeu – até que o carrinho parou de rodar.

Quando nosso dinheiro acabou, voltamos para casa no meio-oeste e nos casamos logo depois. Recentemente, comemoramos nosso 23º aniversário de casamento. No ano passado, nosso filho fez 18 anos.

Para as pessoas interessadas na cura pelo beijo, direi o seguinte: ao longo dos anos, Darla ganhou tanto peso que estava pensando seriamente em fazer uma dieta até que o lockdown pandêmico nos conteve (muitas pessoas engordaram durante esse período, mas nosso instinto foi limitar as idas ao supermercado, o que teve um efeito emagrecedor).

Agora já estamos juntos há tempo suficiente para que essas primeiras versões de nós mesmos pareçam crianças. Em fotos daquela época, eu a vejo de macacão e camiseta, esqueleticamente magra, mas radiante com a felicidade de um novo amor e a promessa de uma aventura.

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Nossa vida de casal teve seus conflitos. Eu a tomei como algo garantido, coloquei minhas necessidades à frente das dela, me entreguei às minhas fraquezas. Mas nunca me arrependi de ter feito uma coisa talvez irresponsável naquela época, não me alarmando com sua anorexia, não a pressionando a fazer nada a respeito e, em vez disso, apenas amando-a pelo que ela era. Ela nunca quis uma intervenção heroica minha ou de qualquer outra pessoa. Ela triunfou sobre seus problemas alimentares em seus próprios termos e está feliz por eu estar compartilhando nossa história agora.

Imagino que esta seja a confissão de um facilitador. Ou talvez eu simplesmente não saiba a diferença entre facilitar e amar. O que eu sei é que nunca teria desejado participar de qualquer experimento diferente daquele em que Darla e eu inconscientemente nos inscrevemos anos atrás. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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