Modern Love: ‘Foi por isso que escolhi um homem mais jovem’

O segundo marido da minha mãe não deveria morrer antes dela. E nem eu.

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Por Conrad Gregory

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No dia seguinte ao Dia de Ação de Graças, minha mãe ligou, preocupada que eu fosse morrer. Eu havia dito a ela por engano que estava com azia, então ela deixou uma longa mensagem de voz me lembrando de como meu pai teve azia antes de morrer de ataque cardíaco aos 50 anos enquanto jogava raquetebol.

Ela implorou para que eu fizesse um check-up e exame de sangue. “Você sabia que tem ganhado peso ultimamente?” ela disse.

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Eu sabia.

Sua voz começou a falhar no final da mensagem. Eu era seu único filho, e os homens em sua vida tendiam a cair mortos sem aviso, explicação ou adeus.

No dia seguinte ao aniversário de 80 anos de minha mãe, seu companheiro de mais de 35 anos, um homem chamado Bing (que veio depois de meu pai) morreu em uma viagem para Palm Springs com seus amigos, afogando-se sozinho em uma banheira de hidromassagem à noite com hipertensão e álcool como fatores contribuintes.

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Bing era como um pai para mim, mas ele nunca se impôs como os padrastos da TV. Mesmo depois que ele veio morar com a gente quando eu tinha 5 anos, ele nunca me disciplinou ou deu sermões paternais. Em vez disso, ele me ensinou a pescar no rio Kern, na Califórnia, e construiu para mim uma enorme casa na árvore no quintal.

Após o enterro militar de Bing por veteranos da Marinha em uma colina baixa fora de Bakersfield, minha mãe me pediu para levá-la ao Havaí para visitar sua irmã mais velha que mora lá com sua filha.

'Eu estava desesperado para melhorar as coisas. Meu peito estava apertado, mas eu ignorei. Eu queria que a cura começasse; afinal.' Foto: Brian Rea/The New York Times

Ela havia feito uma viagem semelhante depois que meu pai morreu, uma viagem ao paraíso para fugir de casa e ficar perto das pessoas que conheciam seus parceiros e tinham histórias para contar.

Quando minha mãe explicou a morte de Bing para seus vizinhos de mais de 40 anos, o marido disse: “Não é o segundo que você perde?”

“Ele não deveria morrer primeiro!” ela me disse antes do nosso voo. “É por isso que escolhi um homem mais jovem; ele não faria comigo o que seu pai fez”.

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Este não era o plano, para ela ou para mim. Bing, com apenas 73 anos quando morreu, deveria cuidar dela, manter a casa em bom estado e levar o lixo para fora.

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Na década de 1960, minha mãe e suas irmãs imigraram para Los Angeles depois que seu país natal, a Indonésia, entrou em um conflito brutal após a descolonização holandesa. Minha mãe foi criada com a crença de que o trabalho de uma mulher era casar bem e criar filhos. Depois que meu pai morreu, ela costumava dizer: “Ninguém me ensinou o que fazer se meu marido batesse as botas”.

Como o único homem que restou em sua vida, levei-a de avião para o Havaí para curar sua dor e prometi praias e mergulhos para persuadir meu marido a ir também. Eu disse a ele que férias são o que a gente precisa depois de toda a tristeza, e ele concordou docemente.

Minha tia mora com meu primo e o marido de meu primo no lado chuvoso de Hilo, em Big Island, onde todos os bons hotéis estavam cheios, então nós três acabamos dividindo um quarto em um motel com duas camas e um ar-condicionado com problemas. Choveu todos os dias. Quando não estávamos visitando meus parentes, sentávamos na cama comendo comida para viagem e assistindo TV.

Meu marido tentou ficar alegre, mas a chuva, minha mãe de luto e os aposentos apertados eram um pouco demais. À noite, minha mãe gritava por Bing em seus sonhos.

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Eu estava desesperado para melhorar as coisas. Meu peito estava apertado, mas eu ignorei. Eu queria que a cura começasse; afinal, era o Havaí. Portanto, encurtamos a visita a Hilo e reservei um apartamento no lado ensolarado da ilha em Waikoloa.

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Enquanto passávamos pelo topo de antigos vulcões, o sol surgiu, fazendo o oceano brilhar lá embaixo. Nosso apartamento tinha dois quartos e espaço suficiente para nos escondermos uns dos outros, e o condomínio ficava em um campo de golfe onde perus selvagens vagavam. Naquela noite, nós os alimentamos com nossas mãos e sentimos um pouco da magia havaiana que procurávamos.

No dia seguinte, quando finalmente fomos a uma praia de areia branca, estranhas nuvens começaram a pairar sobre nós. Elas eram escuras e baixas e me fizeram querer chegar a algum lugar seguro.

Acontece que um incêndio florestal começou e ventos fortes empurravam a fumaça em nossa direção. Tornou-se difícil respirar, então ficamos em casa assistindo às Olimpíadas de Tóquio.

“Não vim ao Havaí para assistir TV”, disse meu marido no segundo dia do incêndio florestal. Começamos a discutir. Minha mãe estava de luto e eu senti que não poderia deixá-la sozinha. No entanto, eu sabia que a viagem não estava saindo como o prometido.

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De repente, nossos três telefones mostraram uma mensagem de emergência. Waikoloa Village, a 15 minutos de carro, estava sendo evacuada. Disseram-nos para nos prepararmos para uma possível evacuação também.

“Estou sendo punida por Deus?” minha mãe disse, olhando para a fumaça. “Para onde vamos evacuar? Para a praia?” Ela suspirou e voltou para a TV, aumentando o volume.

Meu marido entrou em nosso quarto e fechou a porta. Ele disse que ia dar uma volta, que não ligava para a fumaça e que era melhor eu arrumar alguma coisa para fazer que não fosse assistir a corridas de canoa ou saltos de cavalo.

Depois que ele saiu, o aperto em meu peito que eu estava tentando ignorar aumentou e se moveu para meu pescoço e mandíbula. Eu já havia sentido algo parecido antes, mas desde a morte de Bing, a dor piorou. Achei que era meu coração, mas não podia contar a ninguém. Eu estava lá para curar minha mãe e dar ao meu marido uma aventura romântica no Havaí.

Deitei-me no tapete do quarto e cobri os olhos com as palmas das mãos. Concentrei-me em grandes respirações lentas até que finalmente a dor diminuiu e pude me levantar e me juntar à minha mãe no sofá.

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Ela comentava sobre quais atletas olímpicos ela gostava e quais eram exibicionistas. Era um ritmo familiar que me lembrava da infância, só nós dois assistindo TV, conversando sobre tudo e nada. Então ela disse: “Bing não era seu pai, mas ele te amava como um filho. Ele cuidou de nós o melhor que pôde.”

“Eu sei, mãe,” eu disse. “Eu sei.”

No dia seguinte, os bombeiros levaram a melhor e as ordens de evacuação foram suspensas. Salvamos o que pudemos de nossos últimos dias e ficamos gratos por voltar para casa.

Semanas depois, fui ao meu médico. Ele me disse que minhas dores no peito eram miniataques de pânico, mas que meu coração estava bem. “Você precisa administrar melhor seu estresse”, disse ele. “Faça mais caminhadas, durma melhor, tente perder um pouco de peso.”

Saí me perguntando se ele e minha mãe haviam conversado sobre mim. Pensei em meu pai e em Bing, ambos falecidos. O destino do meu pai sempre pairou sobre mim como um aviso. Agora o destino de Bing tinha me avisado para não perder um único minuto.

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Fazia sol e calor no funeral de Bing. Lembrei-me de suar enquanto carregávamos seu caixão do carro fúnebre. Embora minha mãe devesse voltar para seu lugar, ela permaneceu ao lado do caixão de Bing depois de beijá-lo.

Bing tinha um mundo de amigos no funeral que não conhecíamos - amigos de pescaria, colegas de escola e militares. Sem pensar, minha mãe abraçou cada um quando eles vieram prestar suas homenagens, como se ela os conhecesse.

Fui ficar ao lado dela enquanto ela fazia isso, sentindo como se estivesse me intrometendo no luto de alguma outra família, e fiquei impressionado com a forma como minha mãe desabafou, chorando e conversando com tantos estranhos. Isso também não fazia parte do plano. Minha mãe simplesmente agiu assim, surpreendendo a si mesma tanto quanto a nós.

“Não sei por que estou aqui”, disse ela enquanto segurava a mão de um dos amigos de Bing. “Todos nós o amávamos muito, e agora ele se foi, mas nosso amor ainda está aqui.”

Só olhando para trás percebi que meus ataques de pânico eram decorrentes da minha necessidade de controlar as calamidades da vida e da sensação de que não estava conseguindo consertar o que não podia ser consertado.

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Eu amava Bing; eu também estava sofrendo e mantive a dor sob controle tentando curar a mágoa das pessoas ao meu redor. Mas a dor tinha que sair, e seria misturada com amor, confusão e raiva, e tudo bem.

Tendo perdido o segundo amor de sua vida, minha mãe foi tomada pela dor. No entanto, lá estava ela, ensinando-nos a sofrer. E eu quase perdi a aula. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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