THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Meu namorado, Jamie, estava tentando devolver um colchão desconfortavelmente macio que ele havia comprado online.
Ele agendou a retirada do colchão, mas quando o caminhão chegou, o motorista disse que não poderia aceitá-lo desembalado. O colchão havia sido entregue comprimido industrialmente, e sua caixa havia desaparecido há muito tempo (nenhum mortal conseguiria espremer o colchão desdobrado de volta para aquela caixa, de qualquer forma).
Então Jamie foi até a Home Depot e comprou seis das maiores caixas de mudança que eles tinham. Em casa, ele usou um rolo inteiro de fita adesiva, mas mesmo assim não conseguiu colocar o gigante em nenhum tipo de forma transportável. Delirando de frustração, ele desistiu e tentou esquecer o assunto, mas o colchão pairava em seu quarto como um sinal de derrota.
Algumas semanas depois, sua determinação voltou e ele ligou para o atendimento ao cliente, onde um representante disse que houve uma confusão e que eles deveriam ter mandado um serviço de retirada específico para o colchão, sem necessidade de caixa. O agendamento foi feito, mas mesmo assim ninguém veio.
Quando Jamie me contou tudo isso, eu me animei como o soldadinho de brinquedo de O Quebra-Nozes. Nosso relacionamento andava em um lugar nebuloso na época, e eu vi isso como uma oportunidade de resolver algo simples - mostrar a ele, de uma forma pequena, mas concreta, que as coisas realmente podem dar certo.
Anotei as informações do pedido e saí para fazer algumas ligações.
Há uma dinâmica que tende a emergir em meus relacionamentos em que eu começo a desempenhar o papel de assistente administrativa. Não estou falando do papel da secretária sexy. Estou falando de executar tarefas, fazer devoluções e agendar compromissos - tudo isso totalmente vestida.
Meu terapeuta chama minha tendência de cuidar da logística de uma tentativa manipuladora de controle. Eu chamo isso de ativismo pela eficiência.
Quando Jamie e eu nos conhecemos no verão, nós dois estávamos no meio das transições da vida. Meu relacionamento de cinco anos estava terminando e eu estava me preparando para me mudar de Los Angeles para Nova York, onde voltaria a morar com minha mãe e começaria a pós-graduação. O próprio Jamie estava metabolizando mudanças geográficas e profissionais, além de ter recebido o diagnóstico recente de uma doença autoimune.
Um encontro nesse estado de espírito, em terreno igualmente instável, pode ser aterrorizante e mágico, igualmente maduro para o desastre e o êxtase. Eu acredito que este é o espaço mental em que uma pessoa está mais suscetível para entrar em um culto.
Por volta dessa época, meu terapeuta me passou um dever de casa, um livro com um título mortificante: Boundary Boss (Chefe dos limites). Fui à biblioteca e fiquei aliviada ao saber que haveria uma espera de seis semanas, dando-me bastante tempo para aproveitar a imprudência romântica.
Enquanto o verão se transformava em outono, Jamie e eu passamos dos encontros à amizade colorida, fazendo palavras cruzadas juntos e brincando sobre ter gêmeos. Boundary Boss permaneceu em espera na biblioteca, e ter um novo amor parecia o melhor antidepressivo do mundo.
Perto de Jamie, eu sentia que estava expandindo de maneiras imprevistas. Palavras que eu usava para me descrever há anos - cínica, cautelosa, sem graça - não pareciam mais combinar com a pessoa que eu estava me tornando. Alegria, compaixão e criatividade tornaram-se muito mais interessantes para mim. Em vez de matar os insetos no parapeito da minha janela, comecei a prendê-los embaixo das xícaras e conduzi-los para fora. Comecei a usar mais cores e a escrever poesias ruins.
Essa fase foi como descobrir um novo cômodo na minha casa de infância - abrindo a porta e tirando a poeira, encontrando estantes embutidas e sacadas. O quarto estivera lá o tempo todo; Jamie tinha acabado de conseguir uma cópia da chave.
Então, em novembro, duas coisas importantes aconteceram: Jamie voltou com sua ex e foi picado por percevejos de cama.
Eu rapidamente caí em um poço de desespero. Li as primeiras 37 páginas de Graça Infinita, procurei apartamentos para alugar na Noruega e descobri que a decepção amorosa se recusa a ser discutida em qualquer idioma que não seja o do clichê extremo. Irritantemente, eu não estava brava com ele. No entanto, eu acreditava que ele merecia punição.
Mais tarde, descobri que, após sua tentativa espontânea e pouco efetiva de reconciliação, Jamie e sua ex perceberam pela enésima vez que, romanticamente, não funcionavam. Eles se juntaram apenas para se separar, pedaços de estilhaços que se reuniram sem nenhum motivo além de explodir novamente.
Quando o homem que parte seu coração é picado por percevejos de cama, parece algo bem bíblico. Enquanto eu chafurdava, minha imaginação se tornava cada vez mais sádica. Os únicos milissegundos de alegria que eu podia conjurar eram imaginar o inferno pelo qual ele estava passando, acordando com novas mordidas e lençóis manchados de sangue, sentindo um constante rastejar em sua carne, andando no carrossel da vergonha e do isolamento.
Ele fez tudo o que é possível para erradicar os percevejos: gastou inúmeras moedas para lavar infinitas trouxas de roupa suja, queimou seus tecidos na secadora e esfregou seu quarto em submissão. Um dedetizador veio, mas os percevejos perseveraram. O colega de quarto de Jamie se voltou contra ele; apenas os percevejos permaneceram leais.
Todos os móveis foram retirados. Jamie arrastou seu colchão infestado para a calçada, e um segundo dedetizador foi chamado para aniquilar o que o primeiro não conseguiu. No Dia de Ação de Graças, quatro semanas após a infestação, Jamie ficou com um quarto vazio. Ele ia para a cama todas as noites em um saco de dormir no chão, cercado por pilhas de um repelente semelhante a giz chamado terra diatomácea que formava um perímetro ao redor de seu corpo, como se ele fosse um escoteiro triste tentando um círculo de invocação.
Um mês depois que Jamie partiu meu coração, mandei uma mensagem para ele. É difícil ser uma “chefe dos limites” quando você está apaixonada.
O negócio é o seguinte: sou uma pessoa muito compreensiva porque tenho sido uma pessoa terrível. E como alguém que se interessou pelo imperdoável - tendo mentido, roubado e assombrado - eu não quero viver em um mundo onde as ações são irredimíveis.
Jamie respondeu, e nós mergulhamos em muitas mensagens de texto, mensagens com o fervor de melhores amigos do ensino médio se atualizando depois de um mês de castigo. Naquela noite, conversamos por horas no telefone - sobre a estupidez com que ele havia agido e sobre o quão miseráveis estávamos nos sentindo separados.
Eu disse a ele que queria tentar de novo. Não porque ele merecia, mas porque nosso relacionamento merecia. Foi depois que desligamos que Jamie encomendou o colchão novo que se tornaria macio demais.
As coisas melhoraram. Jamie continuou me provando que estaria presente; passou seis horas na cozinha me fazendo macarrão à bolonhesa; ele leu meus livros favoritos em voz alta. Ele continua a ser a pessoa mais encorajadora que eu já encontrei. Nosso relacionamento voltou a crescer, transformando-se em poucos meses de um galho sem folhas a algo com botões verdes e depois em uma planta caseira cheia de folhas brilhantes.
Após nossa reconciliação, passei uma semana no apartamento de Jamie (então livre dos parasitas). Quando entrei em seu quarto, me deparei com o tal colchão. Foi quando pedi - exigi, na verdade - que ele me enviasse o rastro de sua devolução fracassada. Eu queria fazer o serviço administrativo de consertar isso como um ato de amor, alimentada por uma esperança que paira a meio caminho entre o otimismo e a ingenuidade.
Jamie estava lavando a louça 45 minutos depois quando entrei na cozinha e o informei que o colchão seria retirado na quarta-feira entre as 16 e as 18 h.
“Já ouvi isso antes”, ele disse.
Pedi a ele que tivesse fé.
“Eu acredito em você”, ele disse. “Mas eu não acredito neles.”
“Por enquanto, apenas acredite na minha crença.”
“Claro”, ele disse com um sorriso, jogando gotas de água em mim.
O colchão foi retirado na quarta-feira entre as 16h e as 18h, conforme programado. Jamie ainda não foi reembolsado, mas decidi deixar que ele cuide disso. (Ainda não li “Boundary Boss”, mas acho que estou no caminho certo.)
As palavras esperança e redenção andam girando na minha cabeça ultimamente, como roupas de cama sendo desinfetadas na secadora. Eu não quero estar na posição de contar com alguém para mudar, mas eu quero dar espaço a ele para isso. A pessoa que me tornei nos últimos anos não cabe na caixa que costumava me conter com tanta eficiência. Eu cresci - porque eu tinha espaço para isso.
Eu queria provar a Jamie que vivemos em um mundo onde os colchões são retirados na hora programada. Eu queria provar a mim mesma que novos capítulos são possíveis, que o passado não dita o futuro. Que podemos ser tão maravilhosos quanto já fomos terríveis. E que, uma vez libertados de nossos limites, nossas vidas podem se expandir e continuar se expandindo. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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