Modern Love: Nosso segundo encontro foi estatisticamente anormal

E a beleza, a tragédia e a dor que se seguiram foram extraordinárias

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Por Sarah Allred

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Anos depois, ainda contei aos alunos de graduação em minha aula de métodos de pesquisa a história do meu primeiro encontro com Corey para ajudá-los a lembrar o conceito de regressão à média – como algo que é extremo em uma primeira medição se tornará menos extremo, ou regredirá à média, em uma segunda medição.

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É uma das razões pelas quais nos felicitamos por encontrar um ótimo restaurante novo, recomendá-lo a todos os nossos amigos e depois considerá-lo medíocre em nossa segunda visita. Infelizmente, é estatisticamente normal que uma experiência mediana ocorra após uma experiência excepcional.

Depois que Corey me acompanhou até em casa naquela primeira noite, fiquei tonta com minha atração por esse estranho. Ele havia entrado no bar de gorro, moletom e jeans largos, e seu sorriso revelava a falta de dois dentes da frente.

Há algum tempo, ouvi no podcast Hidden Brain que uma pessoa comum de 40 anos leva vários meses para rir tanto quanto uma criança ri em um único dia. Naquela noite, Corey me deu a densidade do riso de uma criança, e subi os degraus de casa sussurrando: “Por favor, não deixe que isso seja uma regressão à média”.

Não foi. Em nosso segundo encontro, caminhamos quilômetros pela Filadélfia para comer as vagens grelhadas da Grace Tavern. Quando evitei uma possível discussão, ele segurou minha mão e disse: “Vim aqui para me encontrar com Sarah, não com a representante de Sarah”. Voltamos para casa mais devagar, as folhas úmidas e amarelas do outono da Spruce Street se espalhavam pela calçada.

Em nosso terceiro encontro, sentamos no meu sofá e conversamos desajeitadamente sobre prováveis pontos de atrito entre nosso “eu” passado e futuro. Ele era um artista temporário que vivia em cima de uma loja de skate e cresceu ouvindo punk hardcore. Eu era uma professora de psicologia estudiosa e mãe solteira que cresceu ouvindo cânticos. Ciente de nossas diferenças, ele foi embora mais cedo do que talvez qualquer um de nós desejasse.

Mas no nosso quarto encontro, novamente andando pela cidade, ele me disse que não iria a lugar nenhum, que eu estava onde ele queria estar.

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Corey me apresentou a Pearl, seu pitbull afetuoso, cuja recepção exagerada foi responsável pela falta de dentes da frente de Corey. Ele conquistou meus dois filhos pequenos no primeiro encontro, quando, enquanto esperávamos a comida em uma lanchonete, pegou os gizes de cera oferecidos por meu filho de 8 anos e transformou o papel pardo que cobria a mesa em uma cidade em expansão.

Depois que Corey me acompanhou até em casa, fiquei tonta com minha atração por esse estranho Foto: Brian Rea/The New York Times

Recusei-me a falar ao telefone por um mês depois de nos conhecermos, temendo que, sem a linguagem corporal, meu constrangimento social fosse demais para ele. Mais tarde, soube que ele convenceu seus amigos a fazer uma faxina completa na loja de skate e em seu minúsculo apartamento antes da minha primeira visita, temendo minha reação à típica rotina dos skatistas solteiros.

A partir daí, nossas vidas se desenrolaram juntas. Conheci sua melhor amiga, Becky, em uma festa em cima de um bar em Old City, e dirigimos por 14 horas em um fim de semana para que ele pudesse conhecer o amigo que exigiu poder de veto em meus relacionamentos após meu divórcio.

Corey passou a véspera de ano-novo jogando jogos de tabuleiro com meus filhos e ensinando-os a decifrar um cubo mágico. Corrigi trabalhos no parque de skate, observando a equipe etiquetando adesivos que encontrariam um lugar nas placas de “pare” em toda a cidade. Ele me fez jambalaia vegetariana. Aprendi que tênis não são “apenas sapatos”. Fizemos piadas sobre mundos colidindo e rimos e rimos.

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Alguns meses depois, enquanto estávamos na cozinha acima da loja de skate cortando verduras, pêras, nozes e queijo gorgonzola, Corey disse que gostaria de envelhecer fazendo saladas comigo. Os anéis e um bebê vieram na sequência.

Nem sempre foi fácil. Embora a gente se divertisse com nossas origens diferentes, trouxemos algumas expectativas profundamente contraditórias para nosso casamento. Eu insistia que nenhuma idade era apropriada para jogar Grand Theft Auto e não entendia por que um homem adulto queria jogar videogame. Ele não conseguia entender por que eu passava meses realizando experimentos para satisfazer minha curiosidade acadêmica, em vez de usar minha formação para resolver problemas urgentes do mundo real.

Eu acordava cedo; ele ficava acordado até tarde. Para mim, estar fora de casa era essencial; a menos que Corey estivesse andando de skate, nenhum lugar com insetos ou sujeira lhe era necessário. Eu ficava em silêncio diante de discussões em voz alta e francas; ele ficava frustrado com a maneira como eu enterrava meus sentimentos durante as discussões. E depois que nosso filho nasceu, não ficamos imunes a brigas sobre aborrecimentos domésticos ampliados pela privação de sono.

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Mas mesmo nos dias em que meu diário estava cheio de frustração, minha última linha era sempre de gratidão por meu marido e nossa vida. Por quê? Porque ele olhou além das palavras que eu achava que compunham o meu âmago e viu meu corpo, instintivamente massageando meus ombros curvados sem que eu precisasse articular meu estresse. Porque embora eu tivesse feito as pazes com minha falta de charme físico, o olhar de Corey dizia que a capacidade de brilhar estava em algum lugar em mim.

Mas principalmente por causa disso: passei toda a minha vida perguntando por que, questionando, dizendo: “Sim, mas -”. Isso me tornou uma excelente cientista e uma péssima parceira romântica. Com Corey, meu cérebro parou no “Sim”.

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E como ele amava nosso filho! Depois de descobrir o fato surpreendente de que a visão de um ônibus escolar parava até mesmo os piores ataques de choro, Corey estacionava do lado de fora de um “zoológico de ônibus” perto de nossa casa ao amanhecer para que eles pudessem assistir a procissão de ônibus escolares saindo de manhã.

Três dias por semana, um canguru para carregar bebês se juntava ao conjunto de gorro/calças largas/moletom enquanto nosso filho acompanhava Corey ao supermercado, ao circuito da loja de skate, às tarefas domésticas. E enquanto eu via uma complexidade tediosa em sincronizar uma rotina de sonecas em constante mudança com os horários escolares das crianças mais velhas, ele via beleza nos ritmos de uma vida familiar que nunca teve quando criança nem esperava ter quando adulto.

Na noite do aniversário de 40 anos de Corey, logo depois que nosso filho completou 2 anos, ficamos acordados até tarde depois que nossos amigos voltaram para casa. Minha cabeça descansou no peito de Corey enquanto ríamos da bagunça barulhenta de nossas vidas e nos admirávamos com a grande sorte de nos encontrarmos, em nossas idades, através de tantas diferenças.

E na manhã seguinte nosso mundo mudou. Voltei do ponto de ônibus para ver meu marido parado na varanda da frente, com o rosto sem cor, reclamando de um pé dormente. Eu o levei até o hospital.

Estranhamente, não consegui entender o que a enfermeira me disse depois que o tiraram do carro. Seus olhos eram incrivelmente azuis. Um amontoado de rímel em seu olho esquerdo colocava um grupo de cílios desajeitadamente contra o resto.

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No entanto, entendi que uma gentil assistente social estava afastando meu filho. Eu entendi as compressões no peito e a atividade frenética que vi pela janela para a qual a enfermeira me levou. Mãos no peito. Mãos segurando pás. E eu entendi o que significava quando aquela atividade parava.

O poeta W. S. Merwin escreveu: “Sua ausência passou por mim como a linha por uma agulha. Tudo o que faço é costurado com sua cor”.

Meu filho mais velho, agora na faculdade, ainda consegue decifrar um cubo mágico. Meu outro filho usa gorro e roupa de flanela para ir à escola e pede para levar seu skate em todas as viagens de verão. Meses após a morte de Corey por ataque cardíaco, encontrei um álbum em seu telefone marcado com um “coração” com fotos minhas: curvada sobre a mesa de pijama, lendo; olhando pela janela com o bebê; coberta de terra enquanto preparava os canteiros.

E nosso filho. Nosso filho tem 9 anos. Quando ele tropeça na calçada, está mais preocupado com a sujeira nas mãos do que com os joelhos machucados. Certa noite, no jantar, ele me perguntou por que minhas palavras diziam que eu estava feliz quando meu corpo dizia que eu estava triste. Sua risada começa em sua barriga e alcança todos os outros na sala.

E todas as noites, enquanto leio com ele antes de dormir, olho para o topete rebelde que espalha seu cabelo sobre os olhos, e espero que seja verdade a pesquisa sobre como, mesmo que você não consiga se lembrar deles, aqueles dois primeiros anos de sua vida moldam você. Eles te ensinam a pensar no mundo como seguro ou ameaçador, a ver um estranho como um amigo em potencial ou um inimigo.

Porque se isso for verdade, então nosso filho realmente terá seu pai com ele por toda a vida, aquelas muitas idas ao “zoológico de ônibus” e ao parque de skate tendo ensinado a ele que o mundo é cheio de amor, que cada situação difícil é um motivo para rir e todo sinal de “pare” precisa de um adesivo. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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