THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - “Posso ir até aí?”
Era um texto simples. E provavelmente eu não deveria estar tão ansiosa por tê-lo enviado enquanto dirigia para a casa de Matt pelo lado oeste de Los Angeles depois de uma noite no escritório.
Mas para uma mulher muçulmana de 20 e poucos anos que viveu toda a sua vida governada pelas regras sociais de sua fé (principalmente evitando o sexo oposto até o casamento), essas quatro palavras significavam muitas coisas: traição, luxúria e pecado, entre elas.
Eu estava despreparada para o que faria quando chegasse ao apartamento mobiliado de Matt, que revelava sua limpeza e atenção aos detalhes. Seu sofá era feito sob medida a partir de uma cooperativa de artesãos em Venice - “a praia, não a cidade na Itália”, ele disse. Ele continuou a conversar sobre o lugar, suponho que para evitar a conversa real que estava por vir.
Algumas horas antes, eu estava sentada em uma cadeira de pelúcia no trabalho escrevendo algumas notas no meu laptop. Era meu primeiro trabalho em uma sala de roteiristas, no programa Ramy do Hulu, sobre um homem muçulmano americano em busca de sentido em sua vida.
Se você não está familiarizado com a escrita de televisão, a única maneira que posso descrevê-la seria como uma sessão de terapia gigante, todos os dias, com o mesmo grupo de pessoas ao longo de muitas semanas. Vocês se sentam juntos e compartilham histórias de sua vida na esperança de que elas inspirem uma pepita de drama que possa ser utilizada para entretenimento.
Existe essa noção de que para escrever as histórias mais “autênticas” possíveis, devemos mergulhar fundo em nossas próprias experiências e traumas. A sala é um “espaço seguro”, diria a maioria dos showrunners, sem julgamento algum. Mas eu julgava minhas próprias experiências como indignas de serem compartilhadas, principalmente por minha escolha de não fazer sexo ou estar em um relacionamento até me casar, o que significa que, aos 27 anos, eu ainda era virgem.
Achei que eles achariam isso interessante, já que era tão incomum, talvez uma história que pudéssemos usar para uma das personagens femininas da série, e foi assim que eu disse nervosamente: “Talvez ela esteja tentando se masturbar pela primeira vez, mas não sabe qual lado da escova de dentes usar.” Achei que seria engraçado, mas fui recebida com olhares vazios.
“Quem não sabe qual lado de uma escova de dentes usar?” uma das escritoras disse com uma risada.
Eu! Eu queria gritar. Mas fiquei calada, temendo já ter compartilhado demais. Além disso, como a maioria dos meus palpites, este tinha caído por terra, deixando-me cozinhar em minha própria indignidade pelo resto do dia.
Naquela noite, como fazia todas as noites como assistente, fiquei até tarde para ajustar as anotações e me preparar para a próxima semana. Eu era sempre a primeira a entrar e a última a sair, o que deixava pouco espaço para socializar, muito menos para namorar.
Mas, principalmente, eu me sentia um fracasso. Aos 20 e poucos anos, deixei uma carreira lucrativa no mundo da tecnologia para me tornar assistente de roteiristas e me preocupava não estar causando uma forte impressão na sala - eu não estava compartilhando o suficiente ou sendo vulnerável como todo mundo. A realidade era que eu não tinha nada para compartilhar.
Não tenho certeza do que deu em mim, mas antes que eu percebesse, estava percorrendo os contatos do meu telefone, tentando descobrir quem eu queria usar para essa experiência fabricada.
E então eu o vi, Matt, um cara que conheci no meu trabalho anterior, um homem de negócios que gostava de música; um nerd da tecnologia de óculos e careca. A princípio, não achei que ele fosse bonito, e também não tenho certeza do que ele gostou em mim, considerando que me vestia modestamente e cobria meu cabelo com um hijab.
Não quero dizer que as mulheres de hijab não são atraentes. Alguns até nos acham mais intrigantes por causa do “mistério” (fetichistas do hijab). Mas na época, eu estava profundamente insegura e não achava que alguém gostaria de estar comigo. Além disso, eu me opunha a todo o sexo antes do casamento, então não achei que isso fosse propício para namorar um não-muçulmano.
Desnecessário dizer que eu tinha dispensado Matt apesar de seus avanços em relação a mim - até este exato momento.
Achei que Matt seria legal, seguro, muito seguro. Ele não conhecia ninguém na minha comunidade e mal usava as mídias sociais, e eu não trabalhava mais na vizinhança dele, então não iria me prejudicar, o que era minha maior preocupação. Apesar de querer essa experiência, também procurei preservar minha reputação de menina muçulmana imaculada.
Mas depois de assistir três episódios completos de Age Gap Love - um reality show britânico pelo qual estávamos estranhamente fascinados - Matt se virou para mim e disse: “Por que você está realmente aqui?”
Eu respirei fundo. “Eu só quero ser tocada”, eu disse.
Matt fez uma cara confusa.
Eu tentei dar conta do que ele provavelmente pudesse estar pensando - que isso seria uma coisa única, que eu não estava querendo namorar com ele. Eu não queria fazer sexo, nem mesmo beijá-lo. Tudo o que eu sabia é que eu queria ser abraçada. “Talvez pudéssemos apenas ir para a cama?”
Eu não tinha pensado em depilar minhas pernas ou alisar meu cabelo rebelde. A sala dos roteiristas foi montada em um Airbnb (não pergunte por que), então consegui tomar um banho rápido antes de sair. E apesar da falta de produto, meus cachos estavam cooperando.
Eu não queria chamar muita atenção tirando meu lenço. Eu tinha visto muitas cenas em filmes de mulheres muçulmanas removendo suas coberturas da cabeça para revelar cabelos lindos e perfeitamente cuidados. Eu não queria que Matt engasgasse ou fizesse comentários desnecessários sobre o quão bonita eu era. Eu só queria existir. Ser normal.
Felizmente, ele apenas assentiu e tirou a camisa. “Você não se importa se eu dormir sem ela, certo? Tenho muito calor à noite.”
Eu me importava, mas fingi que não. Afinal, eu estava na casa dele, tendo me convidado. Ainda me lembro da sensação sedosa da fronha na minha cabeça. Matt disse que o tecido ajudava a manter a cabeça fresca à noite.
“O que as pessoas fazem quando dormem uma ao lado da outra?” Eu perguntei.
Matt riu. “Para começar, posso te abraçar.”
Eu não sabia onde colocar minhas mãos ou cabeça. As meninas dormem sobre as axilas dos caras? Ou em seu peito? E se minha cabeça fosse muito pesada? Minha mente disparou enquanto eu tentava pensar no que eu tinha visto nos filmes. Muito da minha compreensão do mundo veio da ficção porque raramente eu ousava viver plenamente no mundo real, o que talvez explicasse por que me tornei uma roteirista de TV.
“Apenas faça o que quiser”, ele disse.
Eu nunca tinha me dado o luxo de fazer o que eu quisesse. Eu nem tinha tocado meu próprio corpo sensualmente até recentemente, muito menos o de outra pessoa, mas neste momento, me senti muito bem.
Naquela noite, o braço de Matt nunca saiu do meu lado e nunca se aventurou para baixo de minhas omoplatas. Ele foi respeitoso. Deixei minha cabeça cair em seu peito enquanto sua respiração começava a suavizar, espelhando a minha. Em algum lugar no meio da noite, nossos lábios se tocaram. Meu primeiro beijo, aos 27 anos. E foi mágico.
Pouco tempo depois, acabei escrevendo um episódio em que uma muçulmana casada dorme com o protagonista durante o Ramadã, o mês mais sagrado do ano. Muitos muçulmanos no Twitter se revoltaram, é claro. Eles não conseguiam entender como ela poderia trair o marido, e em um momento tão sagrado. Que Deus não permita que uma mulher muçulmana também tenha impulsos, vontades e desejos.
Até hoje, ainda sou questionada se acho que esse episódio promove o “pecado”. Tenho o maior respeito pelo que nossa fé nos ensina, mas também tenho plena consciência de ser uma mulher do século 21.
Muitas de nós não vão se casar antes dos 20 ou 30 anos, se é que se casarão, e eu me recuso a acreditar que só podemos ter intimidade quando estivermos em uma “união sagrada”. O toque é um dos impulsos humanos mais fortes e essenciais, como a pandemia deixou tão claro para nós. Naquela noite, percebi o quão poderoso isso pode ser.
Na segunda-feira seguinte, de volta à sala dos roteiristas, todos estavam ansiosos para compartilhar as aventuras do fim de semana. Pela primeira vez, eu tinha uma história para contar, mas quando chegou a hora de falar, fiquei calada.
Com esta história, eu esperaria até estar pronta para compartilhá-la em meus próprios termos. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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