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Modern Love: Perdendo a gravidez, o casamento e as pérolas

Aos 18 anos, eu não queria ser a dona do meu próprio destino; quatorze anos depois, eu quero e sou

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Por Eliza Smith

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Meu primeiro emprego depois da faculdade foi como vendedora temporária na Macy’s em Joplin, minha cidade natal, no Missouri. Eu já havia trabalhado lá em duas ocasiões diferentes antes de me mudar para estudar. Agora eu estava de volta, invariavelmente me escondendo atrás de vitrines de joias para evitar ser vista por antigos colegas de classe.

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Estar em casa e trabalhar na Macy’s não era exatamente meu plano. Quatro anos antes, aos 18, eu havia me formado no ensino médio um semestre antes, aceitado uma bolsa integral para uma faculdade particular e terminado com meu namorado para começar uma nova vida.

Mas minha liberdade recém-descoberta não durou muito: durante aquele verão excitante e solitário, voltei com meu ex - e engravidei. Nosso pastor nos aconselhou a casar. Esse também não era meu plano, mas era um plano, e concordei com esse novo futuro, subitamente aliviada por não ser mais a dona do meu próprio destino.

Um conjunto de escolhas equivocadas, mas que resultaram em quem esta mulher é hoje.  Foto: Brian Rea/The New York Times

Eu me matriculei em uma faculdade estadual local e tive meu primeiro cargo na Macy’s no departamento doméstico, onde passei meu tempo livre escolhendo itens para nossa lista de casamento: um jogo de cama, toalhas de banho, tigelas.

Seis semanas depois, uma ultrassonografia revelou que eu havia abortado. A família e os amigos pareciam silenciosamente aliviados por eu poder voltar à minha vida, mas eu não achava que poderia voltar. Cansada demais para reverter tudo, e sem vontade de aceitar que a gravidez e sua perda não tinham nenhum significado maior, fui adiante com o casamento.

Minha segunda passagem pela Macy’s começou quando eu estava casada há cinco meses e separada há duas semanas. Sem mais interesse na esfera doméstica, mudei para a joalheria, onde podia admirar estojos de coisas supérfluas e bonitas.

Era novembro. Em janeiro, depois de me transferir para uma faculdade maior, eu finalmente deixaria minha cidade natal - 18 meses depois do planejado, mas antes tarde do que nunca. Foi aquele “nunca” assustador que me deu coragem para pedir o divórcio, chocando meu marido, que achava que estávamos a caminho da casa própria e eventual parentalidade apropriada à idade.

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A Macy’s manteve horários estendidos da Black Friday até o Natal, o que talvez fizesse sentido em cidades maiores. Mas Joplin era uma cidade adormecida, e o dinheiro dos poucos compradores insones mal deviam cobrir o custo de manter as luzes acesas. Ainda assim, eu me deleitava com o silêncio e me ofereci para turnos tardios, desembaraçando colares e limpando impressões digitais de espelhos, sentindo-me como um manequim ganhando vida.

Eu também passei aquelas noites mandando mensagens de texto para uma antiga paixão reencontrada. Passamos mais tempo juntos desde que deixei meu marido e, embora nada notável tenha acontecido, a possibilidade de sermos parceiros novamente me animava. Eu não sabia ficar sozinha e não tenho certeza se teria encontrado forças para terminar meu casamento sem a ideia de fugir para outra pessoa.

Cheguei a ponto de imaginar como seria nosso casamento - um evento com mais classe, com certeza, do que meu primeiro esforço frugal. Minha petição de divórcio ainda pendia pelos 30 dias necessários - caso eu mudasse de ideia e cancelasse o cancelamento - e aqui estava eu, já sonhando em fazer tudo de novo.

Felizmente, minha paixão não tinha intenções semelhantes. Depois de muitas noites cheias de lágrimas, decidi que aquilo era coisa do passado e resolvi ficar solteira. Atirei-me à minha nova vida longe de casa e, embora namorasse intermitentemente nos três anos seguintes, me acostumei a não ser parceira de ninguém. Depois de um tempo, eu até preferia assim.

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E então lá estava eu de novo, aos 22 anos, passando outra temporada de férias atrás do balcão de joias da Macy’s, trabalhando no turno da noite porque preferia a loja assustadoramente vazia a estar cercada por clientes barulhentos.

Como temporária, fui relegada ao setor de bijuterias, e muitas vezes me vi indo para os estojos de joias finas para cobiçar diamantes que brilhavam muito mais do que minhas peças de zircônia cúbica. Uma noite, enquanto o álbum de férias de Frank Sinatra tocava pela loja vazia, encontrei as pérolas.

Ardilosamente drapeadas sobre um busto sem cabeça, elas eram de um rosa escuro, enfiadas em um colar que caía em três voltas concêntricas destacado por brincos que combinavam. Todas as noites eu circulava o local, dando minha melhor impressão de descuido, diminuindo a velocidade quando chegava às pérolas e fingindo olhar para um anel ou pulseira por perto. Eu era uma mulher obcecada.

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Uma vez, perguntei casualmente à minha colega de trabalho o preço, sob o pretexto de comprar para minha mãe, envergonhada demais para admitir que queria algo tão extravagante para mim, apenas para descobrir que era uma quantia astronômica. Depois de várias semanas me vendo atraída por seu canto de sereia, a colega suspirou e perguntou se eu havia considerado meu desconto de funcionária.

Eu fiz que sim com a cabeça, fingindo que assim poderia pagar.

Embora eu estivesse solteira por três anos neste momento, eu ainda imaginava usar as pérolas no meu segundo casamento. Desta vez, o papel do noivo não estava escolhido e a data estava obscurecida em algum futuro nebuloso e distante.

Tudo o que eu imaginava eram aqueles fios cor de rosa em volta do meu pescoço, os brincos nas minhas orelhas, maduras e ainda jovens, sinalizando que eu não era mais uma noiva infantil tentando parecer crescida, mas uma adulta sábia o suficiente para embarcar em seu segundo casamento. E eu queria dizer que eu mesma havia comprado as pérolas, quando era solteira, sem nem mesmo a salvação de uma paixão.

Finalmente dei o salto, comprando as pérolas no meu cartão Macy’s. Minha colega de trabalho os colocou em uma caixa forrada de veludo que ela deslizou para uma elegante bolsa de couro. Coloquei as pérolas em uma caixa no meu armário, planejando deixá-las intactas por vários anos - talvez uma década - até revelá-las ao meu futuro noivo.

Eu fui bem-sucedida nesse plano, abrindo a caixa apenas uma vez, em janeiro, quando arrumei meu quarto para me mudar para meu primeiro apartamento solo, proporcionado pelo meu novo emprego como balconista do ramo de hipoteca.

Mas vários meses depois, em uma noite tranquila sozinha, tive vontade de ver as pérolas e não consegui encontrá-las na caixa. Minha busca se ampliou e ficou frenética: abri todas as gavetas, revirei todas as coisas, todos os bolsos, antes de finalmente me convencer de que elas apareceriam na próxima vez que eu me mudasse.

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Eu me mudei cinco vezes na década desde então, e elas nunca reapareceram.

Durante anos sofri por essas pérolas - a despesa inútil, a perda irresponsável. Imaginei alguém na Goodwill tropeçando na bolsa de couro enquanto vasculhava minhas sacolas de roupas indesejadas, deleitando-se com o pequeno tesouro. Espero que tenham encontrado um bom lar, talvez até no pescoço de uma noiva feliz.

Claro, cometi outros erros depois dos 22. Durante a maior parte dos meus anos de solteira, fiz sexo com homens com quem não queria fazer sexo porque era mais fácil do que dizer não - e muitas vezes o fazia enquanto estava bêbada, para aliviar a dor física que eu tinha desde o aborto - até descobrir a terapia do assoalho pélvico, que mudou radicalmente minha vida sexual e relacionamentos românticos.

Trabalhei em uma série de empregos com os quais não me importava, repreendendo-me por perder a noção do meu chamado “caminho”, antes de encontrar, na escrita e no jornalismo, um trabalho pelo qual me apaixonei. E passei tempo suficiente na terapia para perdoar minha versão de 18 anos por se atrapalhar com a gravidez e o casamento, por estar cansada e disposta a abrir mão das rédeas de sua vida por um tempo. Eu tento não segurar essas rédeas com muita força agora, mas deixo-as em minhas mãos.

Hoje, moro em uma cidade montanhosa de Montana que não tem uma Macy’s. Tenho 32 anos e pretendo me casar novamente no ano que vem, embora não esteja tecnicamente noiva; meu parceiro e eu temos conversado sobre nossas intenções, imaginando como queremos que nossa vida seja. Quando começamos a namorar, estávamos desiludidos com o casamento, então ficamos surpresos ao saber, quatro anos depois, que estávamos gostando da ideia.

Depois de enfrentar crises familiares e uma pandemia, gostaríamos de celebrar a alegria que encontramos juntos com uma pequena cerimônia festiva. Temos certeza de que não teremos filhos e estamos pensando em revisitar nosso contrato de casamento a cada cinco anos e decidir conscientemente se vamos renová-lo. Talvez isso seja contrário a todo o conceito, mas gostamos da ideia de tornar a instituição algo nosso.

Uma amiga que vende roupas vintage até me deu um vestido de noiva: Velho e ornamentado, caiu como uma luva. Não posso deixar de me perguntar quem usou primeiro - alguém que cometeu seus próprios erros, mudou de ideia, tentou novamente. Talvez eu seja a última de uma longa fila de noivas, cada uma carregando sua própria bagagem e esperanças pelo corredor como pequenos buquês existenciais.

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Só que o vestido é de gola alta, então não vou precisar de um colar. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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