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Modern Love: ‘Por que meu namorado estava perguntando ao Google como terminar com alguém?’

‘Senti como se um piano tivesse caído em minha cabeça, mas não gritei nem chorei. Ele continuou digitando como se nada tivesse acontecido’

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Por Kassia Oset

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Se os olhos são a janela da alma, o histórico de pesquisa do Google é uma janela para o quê? Nossos joanetes e furúnculos? Uma olhada nas pesquisas recentes do meu namorado fez com que nosso relacionamento já precário desmoronasse. Essa é uma história de advertência para o coração e também para o navegador.

Fui até a casa do meu namorado em uma manhã de sábado. O plano era trabalhar em um quebra-cabeça que estávamos montando há meses, com pouco progresso. O quebra-cabeça não era uma pintura tradicional de Monet ou uma paisagem de cartão postal, mas um gradiente de cores, passando do vermelho para o laranja. Meu namorado, um designer 3D que usava camisetas com estampas engraçadas, fazia parte do público-alvo desse quebra-cabeça.

'Eu não seguiria em frente como se isso nunca tivesse acontecido. Não era isso que a mulher que eu queria ser faria. Eu era uma garota crescida, disse a mim mesma. Eu poderia lidar com qualquer direção que a conversa tomasse.' Foto: Brian Rea/The New York Times

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Como era de se esperar, o quebra-cabeça de gradiente de cores foi um desafio. Até mesmo a montagem das bordas externas provou ser uma tarefa além do nosso nível de habilidade. Com um de seus podcasts da NPR (National Public Radio) ligado, segurávamos as peças sob a luz de uma luminária, questionando nossa capacidade de discernir entre os tons. Eu me perguntava sobre a natureza da cor em si. O que era vermelho? O que era laranja? Onde uma cor terminava e a outra começava?

O quebra-cabeça era uma metáfora adequada para nosso relacionamento, pois eu nunca soube o que éramos ou como seguir em frente. Com uma sensação de condenação, eu olhava para as peças de nossa conexão tensa, girando-as 90 graus, desejando que se encaixassem de maneiras que não cabiam.

Só descobri que ele me considerava sua namorada por acaso. Ele tinha uma política de sempre atender os telefonemas de sua avó, o que desde cedo fez com que eu gostasse dele.

“Como está sua namorada?” Eu a ouvi perguntar.

Coloquei a mão no peito e engasguei. Se eu tivesse perguntado diretamente a ele sobre nosso relacionamento, ele provavelmente teria mudado de assunto e depois me evitado por dias. Ele ficou feliz em usar a ideia de compromisso para parecer mais bem organizado para sua família, mas não se importou em me contar sobre isso.

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Um dia depois que perguntei a ele: “O que nós somos?” não nos falamos por um mês. Eu saía com outros homens, mas sempre gostava mais de sair com ele, mesmo que nossa situação fosse frustrantemente indefinida. Em vez de interpretar isso como um sinal de desinteresse, racionalizei.

Ele teve experiências de infância envolvendo abandono que o deixaram com medo de relacionamentos. Embora eu simpatizasse com isso, não era desculpa para o fato de que ele, um homem 20 e poucos anos, não pudesse conversar sobre sexo ou sentimentos mantendo contato visual. Para mim, ele era um quebra-cabeça. Embora, assim como o gradiente de cor, ele fosse extraordinariamente difícil de resolver, eu estava determinada a descobrir.

Depois de uma hora olhando para as peças vermelhas e laranjas soltas, sugeri que consultássemos a Internet para obter orientação. Fomos até sua mesa de trabalho, que ele mesmo havia feito a partir de uma porta velha, e ele abriu o Google.

Quando ele começou a digitar “como resolver um quebra-cabeça”, o que apareceu abaixo do cursor piscando foi uma pesquisa recente, que fez meu coração disparar: “Como terminar com alguém por quem você não se sente atraído”.

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Senti como se um piano tivesse caído em minha cabeça, mas não gritei nem chorei. Ele continuou digitando como se nada tivesse acontecido.

Meu primeiro impulso foi presumir que não se tratava de mim. Talvez ele tivesse feito essa pergunta para um amigo? Mas essa era uma racionalização desesperada.

Ele clicou em um vídeo feito por uma designer gráfica, mas ela estava apenas montando o quebra-cabeça - o dela era em preto e branco - e não explicando como poderíamos fazer isso nós mesmos. Esperei e assisti em silêncio, passando minhas unhas pontudas sobre minhas coxas nuas de modo que deixassem marcas, até que finalmente fui ao banheiro.

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Quando me levantei para ir, ele acariciou meu braço quase com ternura. Era como se ele estivesse me testando para ver se eu havia notado as provas contundentes em sua tela. Esse ato me deixou ainda mais ansiosa para escapar. Eu não conseguia decidir na presença dele o que fazer a respeito da situação.

O espaço fechado do banheiro permitiu que eu organizasse meus pensamentos e estabelecesse a vontade de confrontá-lo. Eu não seguiria em frente como se isso nunca tivesse acontecido. Não era isso que a mulher que eu queria ser faria. Eu era uma garota crescida, disse a mim mesma. Eu poderia lidar com qualquer direção que a conversa tomasse.

Mesmo assim, demorei um pouco e fiquei espiando o banheiro. Lembrei-me da primeira vez que visitei sua casa, quase um ano antes. Talvez ele não esperasse que eu voltasse à sua casa depois, pois havia deixado um tubo de base aberto na pia. Meu namorado morava sozinho, então eu sabia que o produto pertencia a ele. Talvez ele a usasse para esconder suas cicatrizes de acne?

Independentemente disso, agora não havia mais maquiagem bege. Claramente, ele havia decidido em algum momento que não valia a pena mascarar suas falhas por mim.

Quando saí do banheiro, tentei voltar para a sala com a cabeça erguida.

“Ei, posso lhe perguntar uma coisa?” eu disse, quase com alegria. Ele ainda estava sentado em sua cadeira giratória preta, com os ombros caídos, parecendo desamparado. Sentei-me em seu sofá e contei a ele o que tinha visto. Ele me interrompeu antes que eu tivesse a chance de perguntar do que se tratava.

“Sim, sim”, disse ele. “Lamento que você tenha descoberto dessa forma”.

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Ao ouvir essa confirmação do pior, fiquei chocada demais para reagir.

Ele continuou a se explicar. Ele estava procurando conselhos para saber se deveria ser honesto quanto à sua falta de atração sexual por mim. Ele tinha a intenção de terminar comigo no dia anterior, durante nossa caminhada no parque, mas acabamos tendo uma conversa tão agradável que ele perdeu a coragem.

Refleti sobre como, quando voltamos da caminhada, eu lhe preparei o jantar enquanto ele observava. Ele disse que minhas pernas estavam sensuais. Mais uma vez, as peças do quebra-cabeça não se encaixavam.

A conversa foi estranha e dolorosa para mim, mas também foi excepcionalmente reveladora. Pela maneira como ele falou sobre nosso relacionamento, percebi o quanto de si mesmo ele havia escondido e, quando esses segredos foram revelados, como éramos profundamente incompatíveis. Eu disse que poderia tê-lo amado, e ele começou a chorar.

Recentemente, reli o livro The Art of Loving (A arte de amar), de Erich Fromm, e encontrei conforto na ideia de que o amor tem mais a ver com minha capacidade de dar do que com o fato da outra pessoa ser digna de recebê-lo. Ainda preso à ideia de encontrar a “garota dos sonhos”, ele não estava pronto para aceitar isso.

Embora houvesse muitos sinais, não estava claro para mim o quanto nosso namoro era falho até que ele estivesse em ruínas. “Bem”, eu disse, “acho que devo ir agora”. Fiquei orgulhosa de como lidei com a situação, sem levantar a voz nem derramar uma lágrima. Pendurei minha bolsa em um dos ombros e olhei em volta para ter certeza de que era tudo o que eu havia trazido comigo. Eu não sentiria falta da casa dele, com o chão sujo cheio de areia para gatos e as obras de arte hipster nas paredes.

Ele foi até a porta e a abriu para mim, um gesto de cavalheirismo raro para ele. Ele olhou para mim com o lábio inferior saliente, como um menino que não ganhou um picolé, e disse que daríamos um tempo.

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Perplexa, assenti e saí em direção ao carro.

Fui embora dirigindo sob o sol quente do Novo México.

Até onde sei, o quebra-cabeça de gradiente laranja permaneceu inacabado no balcão de sua cozinha. Mas o meu quebra-cabeça pessoal, embora faltassem peças e uma visão do produto final, finalmente estava completo.

Todos nós recorremos à pesquisa do Google quando precisamos de orientação, seja para perguntar quantos mililitros há em uma xícara ou como nos livrar de um relacionamento sufocante. Meu namorado, ao procurar uma resposta para seu problema, finalmente me libertou do meu. / TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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