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Modern Love: procurando um namorado, não um enfermeiro

A deficiência não deveria tornar alguém indesejável ou inviável como parceiro romântico

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Por Alicia Loh

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Meu terapeuta perguntou se eu era pessimista no amor e eu disse: “Não, sou realista”.

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Como uma mulher com deficiência, eu tenho que ser.

Eu uso uma cadeira de rodas motorizada e tenho atrofia muscular espinhal, uma doença que causa fraqueza muscular grave. Tive meu primeiro encontro amoroso aos 24 anos com alguém que não sabia disso, apesar das fotos nítidas da minha cadeira de rodas no perfil do meu aplicativo de namoro.

Eu tive muitos desses encontros desde então. Talvez os homens não olhem os perfis com a atenção necessária, embora eu ache difícil não ver uma cadeira de rodas de mais de 135 Kg, ou talvez eles não estejam acostumados a ver pessoas com deficiência querendo namorar.

Há uma razão pela qual suspirei de alívio quando meu médico perguntou sobre minha vida sexual e planos reprodutivos. Muitos profissionais da saúde assumem que as pessoas com deficiência são assexuadas e não podem ter filhos. Há uma razão pela qual Gem Turner, uma ativista da deficiência, escreveu sobre seu primeiro encontro aos 28 anos como uma confissão. Há uma razão pela qual, quando li a história de amor de Rebekah Taussig em seu livro de memórias, Sitting Pretty: The View from My Ordinary Resilient Disabled Body, agarrei-me a ela como se fosse uma oração.

As pessoas com deficiência muitas vezes vivem se desculpando. Desculpe, minhas necessidades são um inconveniente. Desculpe, não posso comparecer ao evento inacessível. Desculpe, eu também sou uma pessoa à procura de amor.

Antes de ler as memórias de Rebekah, eu realmente não via pessoas com deficiência em relacionamentos, e agora as vejo em todos os lugares: namorando, noivas, divorciadas e casadas novamente com um bebê a tiracolo, como qualquer outra pessoa. Mas as pessoas com deficiência enfrentam desafios únicos neste campo.

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Quando comecei a buscar um namorado, não quis acreditar que minha deficiência seria um obstáculo. Era simplesmente um filtro automático que me assegurava que eu iria encontrar homens de mente aberta e socialmente conscientes.

Em fevereiro, dei match com Ben, que foi curioso, gentil e até mesmo animado com minha cadeira de rodas brilhante e sua entrada USB (“Você pode conectar alto-falantes nela?”). Nesse estágio, eu não só tinha uma foto de corpo inteiro com minha cadeira de rodas, mas também um vídeo em que eu atravessava um corredor cheio de luzes.

Passamos horas enviando mensagens de voz e nos provocando sobre nossos sotaques. Jogamos Wordle até que ele me apresentou a espiral da morte do Sedecordle. Antes do nosso primeiro encontro, perguntei se ele estava preocupado por eu ser cadeirante e precisar de ajuda.

“Só estou preocupado por não poder garantir que sempre estarei por perto”, disse ele.

Fiz uma pausa, sem saber o que dizer.

Então ele acrescentou: “Mas você aceitaria um ajudante?”

Eu me alegrei. Até então, eu nunca havia perguntado diretamente se minha deficiência me tornava indesejável ou inviável como parceira romântica. Comecei a pensar que tinha uma chance realista de amar. Mas eu deveria ter sido mais pessimista, porque logo após essa conversa, as mensagens pararam. Na segunda-feira, Ben apresentou suas desculpas.

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Passamos horas enviando mensagens de voz e nos provocando sobre nossos sotaques. Foto: Brian Rea/The New York Times

Mesmo que não tenha levado a um relacionamento, essa experiência me encorajou. Baixei o Bumble, coloquei algumas fotos, tive conversas insignificantes. Mas um ano depois de ingressar em aplicativos de namoro, não tinha nada para mostrar além de histórias engraçadas.

Então apareceu Josh, que rapidamente me tirou de uma escalada iminente. Nós flertamos no Hinge e fizemos uma videochamada. Ele me mandou uma mensagem depois e no dia seguinte. Eu elogiei seu bronzeado e achei o fato de ele tocar os sinos de sua igreja profundamente atraente. Então ele sumiu.

A primeira pergunta da minha mãe: “Ele sabia que você é deficiente?”

Considerando o quanto ele me disse que eu era fofa nas fotos, não acredito que ele não soubesse. Mas a pergunta da minha mãe sempre esteve em minha mente. Sou uma advogada que trabalha em Londres e aprendi sobre as causas de exceção. Funcionaria mais ou menos assim: Se não fosse pela minha deficiência, os homens me veriam como uma parceira romântica em potencial?

Sem nada para amortecer minha queda depois de Josh, fui confrontada com a questão que vinha deixando de lado.

Quase todo mundo que conheço está em um relacionamento sério, o que só aumenta a distinção de minha solteirice. Alguns amigos me acusam de ser exigente, mas só tenho três coisas inegociáveis: que ele e eu moremos na mesma cidade e tenhamos compatibilidade cultural e religiosa. Não tenho problemas com altura (minha cadeira de rodas tem altura ajustável) e não estou procurando um homem que compartilhe todos os meus interesses. Ainda assim, ser considerada exigente é muito melhor que ser considerada indesejável.

Logo depois conheci Julie, que tem a mesma doença que eu e tinha acabado de se mudar da França para Londres, onde rapidamente entrou no Hinge. Enquanto trocávamos histórias, ela disse: “Sempre pensei que caras mais educados seriam mais respeitosos e de mente aberta, mas na verdade não são”.

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Isso reflete minha experiência. Cambridge, minha cidade universitária, fervilhava de homens bem-educados. Uma boa parte do meu círculo social atual são colegas advogados de Londres. Gostei um pouco de alguns deles; de outros gostei muito. Ninguém gostou de mim - ou pelo menos, ninguém ousou admitir uma queda pela garota deficiente.

Quando Julie disse isso, eu ri. Acontece que os homens de Cambridge e os homens das faculdades de administração francesas são os mesmos - amáveis ao extremo, felizes por serem nossos amigos (às vezes sugerindo mais), mas nunca cruzando a linha.

A parte de mim que posta com orgulho sobre a deficiência no Instagram diz que minha deficiência não me torna menos desejável - ou adorável. Mas como nunca conheci alguém que se apaixonou por mim, é fácil interpretar o pessimismo como realismo.

Minhas experiências me deixaram com uma sensação incômoda de que a maioria dos homens está apenas vagamente ciente de que sou mulher - o suficiente para ser leve e aconchegante, mas não o suficiente para ser desejada. Claro, nunca me disseram isso diretamente; seria indelicado.

Minhas suspeitas já foram fortes a ponto de perguntar se um amigo tinha sentimentos por mim, e eu estava completamente enganada. No começo, fiquei feliz, porque tudo o que eu queria era clareza e percebi que éramos próximos o suficiente para ele saber que não gostava de mim. Mas ultimamente tenho refletido sobre sua clareza inquestionável.

Não sou tão presunçosa a ponto de acreditar que todos os homens serão seduzidos por minha personalidade vitoriosa, mas temo que aqueles que são seduzidos já tenham descartado a atração como algo impossível: como uma pessoa com deficiência pode ser objeto de desejo?

Existem duas preocupações principais que as pessoas parecem ter sobre namorar uma pessoa com deficiência. Primeiro, se podemos fazer sexo e, segundo, se nossos parceiros devem se tornar nossos cuidadores.

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Para mim, a resposta para a primeira pergunta é fácil (“Sim, mas não com você”). A segunda, porém, é mais complicada. É seguro dizer que, embora as pessoas com deficiência desejem muitas coisas do amor (um melhor amigo, um parceiro, um amante, um fotógrafo do Instagram), nenhum desses papéis é o de enfermeiro.

Essas questões surgem do medo enraizado no capacitismo. As histórias sobre deficiência não são populares ou vistas como sexy, muito menos as histórias de amor com deficientes, e é fácil temer o desconhecido. Escondi minha realidade deficiente de amigos, oscilando entre querer confiar neles com todo o meu eu e meu medo de ser vista como um fardo. Mas quando estou aberta, mesmo aos trancos e barrancos, encontro amor. O resultado tem sido uma mistura de compreensão: um amigo ajuda com minha garrafa de água pesada, enquanto outro sugere locais acessíveis em vez de deixar isso para mim.

Às vezes, sentindo o peso de seus cuidados, me pergunto como um relacionamento romântico pode se sair nesse contexto. Mas minha preocupação é o capacitismo internalizado. As pessoas cuidam umas das outras todos os dias: colocam água na mesa, acalmam um amigo desajeitado, garantem que um colega vegano tenha comida. Por que isso é normalizado enquanto os cuidados comigo são uma dependência temida?

As pessoas com deficiência são muitas vezes vistas como apenas capazes de receber cuidados e, como tal, incapazes de serem parceiros iguais. Mas o amor e o cuidado se manifestam de muitas maneiras. Ajudei entes queridos na solução de problemas, lutando por causas valiosas, proporcionando conforto no final de um longo dia, conhecendo as vulnerabilidades de alguém e cuidando delas com amor.

Estou pronta para usar toda a minha experiência com as complexidades desse cuidado e colocá-lo em um relacionamento romântico. Mas, por muito tempo, suportei o capacitismo e suposições da sociedade de maneiras que impediram meus esforços. Estou cansada que este problema seja só meu. Estou cansada de procurar o raro homem que me abraçará de forma tão plena e desejosa como se minha deficiência fosse uma alergia a amendoim.

O amor não é uma jornada solitária, e o ônus nem sempre deve recair sobre mim para que eu tenha que ser aberta, disposta e aconchegante para uma sociedade que falha em reconhecer meus desejos e interesses. Embora não seja minha responsabilidade educar, continuarei esperando encontrar alguém que não tenha medo de aprender como podemos ser extraordinários em nossa vida comum juntos. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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