THE NEW YORK TIMES LIFE/STYLE - Dois dias antes de eu sair de Dakota do Sul, Rex e eu conversamos embaixo do porta-malas aberto do meu carro. Ao longe, uma tempestade de raios se moveu em nossa direção sobre a extensão aberta das Grandes Planícies, transformando o céu em um roxo sombrio.
Ele estava falando apaixonadamente sobre baterias de lítio.
Quanto mais ele falava, menos parecíamos ter algo em comum. Eu me considerava alguém que poderia se interessar por quase tudo, especialmente quando me sentia atraída pela pessoa que falava. Mas agora eu me perguntava: eu me importava com baterias?
Ele e eu éramos voluntários na Reserva Pine Ridge, construindo e consertando infraestrutura. Ele foi a primeira pessoa a me cumprimentar quando cheguei ao final da longa estrada de terra. Quando ele desceu da cabine de uma carregadeira e vi seu rosto, meu corpo se aqueceu.
Na versão lírica do que aconteceu com a aproximação da tempestade, teríamos parado de falar e levado a sério o prazer de nossos corpos. Mas querer ter um bebê tornou o namoro no final de meus 30 anos menos como um poema e mais como um problema de matemática. Havia muita coisa que precisava se alinhar, e o que eu estava procurando agora era diferente do que meu eu mais jovem havia imaginado.
Eu não me importava em namorar alguém por um certo período de tempo antes de termos um bebê, ou estar apaixonada, ou casar. Queria gostar do pai biológico do meu filho, talvez admirá-lo. Era isso. Cheguei a esse conjunto de critérios porque as alternativas pareciam sentimentais e irreais, especialmente a lista de desejos em relação ao marido que muitas de nós defendemos durante aqueles anos em que estamos prontas e capazes de ter filhos.
Com a ajuda da minha prática de meditação, observei que quanto mais me preocupava em engravidar, menos perspicaz eu era sobre o amor, um efeito que temia que se intensificasse à medida que eu envelhecesse. Como eu poderia confiar em meu julgamento sob pressão? Muitos homens não começariam a cheirar como pais?
Decidi que a maneira mais segura de me proteger contra a ilusão romântica seria separar as duas histórias desde o início: eu poderia tentar encontrar um companheiro ou me tornar mãe, mas não ao mesmo tempo. Como as restrições biológicas tornavam fácil descobrir o que era mais urgente, resolvi ter um filho fora do contexto do amor.
Minha viagem solo para Dakota do Sul foi concebida como uma experiência pela qual meu eu futuro, aquele sobrecarregado com um dependente, um dia me agradeceria. Quando voltei para casa, planejei engravidar usando o esperma de um doador anônimo.
Na minha última noite com Rex, nos beijando em sua barraca, percebi que havia muito sobre ele que eu não sabia - quem estava em sua vida, onde ele trabalhava, seu sobrenome.
Antes de eu me arrastar para fora de sua barraca, ele pediu meu número de telefone. Ele estava indo para casa em Michigan, e eu para a Califórnia. Eu lhe disse que achava que devíamos deixar as coisas exatamente como estavam, o que me pareceu perfeito.
“O que, você está louca?” ele disse, e me deu seu número.
De volta para casa, dei uma olhada em questionários de doadores no banco de esperma local, tentando entender quem gostava de videogames e quem preferia bilhar, mas tudo se misturou de uma forma meio sem graça para mim.
As conversas telefônicas com Rex, no entanto, eram estranhas e memoráveis. Ele havia herdado expressões engraçadas de seu pai, era carinhoso com suas galinhas poedeiras de quintal, e costumava se referir a si mesmo como uma “mamãe galinha”. Ele era o único adulto de 30 e poucos anos que eu conhecia que havia viajado de avião exatamente uma vez, uma viagem doméstica de ida e volta para um antigo emprego.
Não falamos muito sobre as partes das nossas vidas que existiam para além do presente. Ele mencionou que a sua relação com uma mulher no Michigan estava desmoronando. Tudo o que ele sabia do meu caminho para a maternidade era que eu queria um filho.
Quando minha busca por um doador estagnou por falta de um sentimento caloroso em relação a qualquer um deles, amigos se ofereceram para rastrear perfis comigo na véspera do meu aniversário de 40 anos. Dois doadores receberam a aprovação de meus amigos, então me coloquei na lista de espera para o esperma deles, embora ainda me sentisse ambivalente.
Quando finalmente contei a Rex sobre meu plano paralisado de me tornar mãe, ele disse: “Posso ajudá-la com isso”.
Eu estava em silêncio. Então eu disse: “Não diga algo assim sem pensar sobre isso”.
“Eu pensei”
Ele não estava interessado em ser pai ou exercer a coparentalidade, então os cenários que discutimos supunham que, quando eu desse à luz, ele e eu não estaríamos mais envolvidos romanticamente.
Logo ele me visitou na Califórnia e teve sua primeira experiência nu com estranhos em fontes termais, seu primeiro contato com sequoias milenares (ele chorou). Ele fazia boas massagens nas costas, não desajeitadas; suas mãos estavam cheias de vida. Ainda estávamos trabalhando na questão do doador. Nós também estávamos nos apaixonando.
Fui ficar com ele em Michigan, onde ele me ensinou a usar uma serra elétrica e cuidar de galinhas. Eventualmente, ele me seguiu de volta à Califórnia, dirigindo todo o caminho rebocando um trailer caseiro cheio de ferramentas.
Durante esse tempo, estávamos tentando viver duas histórias distintas: uma em que todos os meses tentávamos engravidar e outra em que ainda estávamos nos conhecendo. Mas quanto mais nos divertíamos, mais confusa nossa situação se tornava. Se eu ficasse grávida, ele deixaria o relacionamento? Se eu não ficasse grávida, eu mudaria para outro doador?
Cerca de um ano depois que ele se ofereceu para ser meu doador, começamos a ter essas conversas difíceis. E no meio delas, eu engravidei.
Tal era sua generosidade que ele estava genuinamente emocionado por mim. Interiormente, porém, ele começou a se retirar. Ele ainda não queria ser pai ou exercer a coparentalidade; as duas possibilidades trouxeram à tona velhas feridas de sua infância. A cada dia de sua indecisão, eu ficava tentada a tentar convencê-lo a ficar. Na maioria dos dias, eu tinha sanidade suficiente para reconhecer que fazer isso prejudicaria a nós dois.
No dia em que ele deixou a Califórnia, ele tirou uma foto minha parecendo assustada. Então ele entrou em seu carro e dirigiu para o leste. Era Dia dos Pais.
Depois que ele foi embora, eu entrei em ação, entrevistando parteiras, procurando on-line por equipamentos usados para bebês e tentando explicar para quem estava no meu útero por que eu estava chorando muito: “Desculpe, bebê. Estou bem, apenas triste.”
Então, semanas depois, sem aviso, chegou uma mensagem: “Cometi um erro terrível”.
A essa altura, percebi que ele não era o único.
Quando o amor e um bebê coincidiram para mim, eu ainda acreditava que poderia separar os dois e permanecer fundamentalmente inalterada. Só quando Rex e eu estávamos sofrendo pude ver que a realidade limpa que eu imaginei nunca existiu entre nós. Ela havia evaporado no momento em que ele me cumprimentou no final da estrada de terra, e meu corpo respondeu com calor.
O budismo se baseia na verdade de que o sofrimento é causado pelo desejo, que à primeira vista pode fazer com que tanto o sofrimento quanto o desejo pareçam inequivocamente ruins. Mas a beleza do sofrimento é que ele oferece a oportunidade de ter uma relação curiosa e terna com o desejo, de ouvi-lo em vez de tentar erradicá-lo. Muitas vezes o que ouço sob o ruído da superfície do meu desejo não é problemático, apenas humano: a vulnerabilidade de ter uma vida emaranhada com os outros.
Na ausência de Rex, lembrei-me de que cuidar de um amante ou de uma criança é um trabalho sujo, no sentido mais saudável. Não nos apaixonamos ou temos um bebê para ter nossos pontos de vista e preferências afirmados. Fazemos isso, pelo menos um pouco, para suavizar nosso aperto singular e solitário na realidade e convidar o inesperado, o indesejável e o inexplicável.
Isso - chame de bagunça, ou riqueza, ou mãos cheias de vida - é o que é bonito e natural em ser um animal com apetites além da nossa compreensão. Ser fiel no sentido mais profundo a um amante ou um bebê é dizer sim ao estranho e memorável antes de saber que o quer ou antes de acolhê-lo.
Rex chegou a isso à sua maneira. Ele me disse que desde que saiu da Califórnia, ouvia podcasts sobre paternidade e olhava para a foto que tirou de mim no dia em que partiu. Ele também estava chorando. E ele queria voltar.
“Para o bebê?” Eu disse. “Ou para mim?”
“Para os dois”, ele disse.
E ele voltou. Ele vendeu suas ferramentas mais pesadas, pintou paredes e colocou sua casa em Michigan à venda. E dois meses depois, ele estava de volta à Califórnia a tempo de pegar em suas mãos nosso filho nascendo. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.