THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Eu não queria a samambaia chifre de veado, mas a ideia de ter uma deixou meu marido, Tom, muito feliz. No caminho para a casa de nossa amiga para pegá-la, ele se mexia no banco do passageiro como uma criança indo para o circo enquanto eu - com o coração batendo forte e as mãos suando - segurava o volante.
Tom não fazia ideia. Eu não contei a ele o que a samambaia chifre de veado desencadeava em mim porque eu mesma não sabia. A coisa toda parecia boba. É apenas uma planta com grandes folhas que se parecem com chifres de veado. Normalmente presente em ambientes fechados, essa samambaia só se dá bem ao ar livre nos climas mais quentes da Austrália, Sudeste Asiático, África (onde é nativa) ou Flórida, onde moramos.
Aqui, ela prospera no calor e na umidade, crescendo muito mais do que suas parentes no campo das plantas domésticas. Muitos dos carvalhos em nosso bairro são enfeitados com bromélias e epífitas como samambaias chifres de veado, orquídeas e musgo espanhol.
Nos 20 anos desde que Tom e eu nos mudamos para cá, ele transformou nosso quintal em um paraíso de plantas nativas, substituindo a grama por palmeiras coontie, callicarpas, chá-dos-apalaches, psychotrias, arbustos de fogo e plantas Simpson’s stopper. Criado em Nova York, Tom tinha pouco interesse em se mudar para a Flórida, mas um bom emprego me atraiu e, por fim, ele também conseguiu um.
Assim como a samambaia chifre de veado, Tom floresceu aqui, e a jardinagem se tornou seu trabalho espiritual, criando um lar para pássaros, abelhas e borboletas - e nossa pequena família.
A este zoológico, ele agora queria adicionar uma samambaia chifre de veado. Ele foi o primeiro a responder à mensagem do grupo de nossa amiga Laura dizendo que um pedaço de um metro de largura havia se desprendido de seu espécime muito maior e estava livre para quem viesse buscá-lo.
Em uma loja, um pedaço desses pode custar mais de cem dólares. A planta que está no quintal de Laura, com décadas de idade e quase um metro e meio de largura, pode valer mais de mil.
“Traga duas pessoas”, disse Laura. “É pesada.”
Então partimos em uma manhã de domingo, Tom ansioso por colocar uma planta de destaque em nosso país das maravilhas - e eu misteriosamente temendo sua presença.
Irritada, tentei arranjar briga. Já tinha tomado banho e me vestido para fazer compras.
Pegar a samambaia significava se sujar, tomar banho de novo e trocar de roupa duas vezes. “Está tão quente,” eu disse. “Você deveria ter me avisado.”
Tom não ligou para minha crítica, uma coisa que aprendemos para sustentar nosso casamento de 25 anos. Outra é fazer sacrifícios: os grandes, como se mudar por causa do emprego do cônjuge, e os pequenos, como fazer uma tarefa suja para deixar o parceiro feliz. Mas minha ansiedade permanecia.
Enquanto eu dirigia, Tom descreveu uma história que havia lido naquela manhã sobre Willie Nelson. Quando ele mencionou o nome do cantor, algo estalou.
“Sinto muito”, eu disse, interrompendo-o, “mas preciso lhe dizer uma coisa.” E um jorro de palavras inesperadas surgiu, a conversa sobre música country amarrando a samambaia chifre de veado às memórias de minha adolescência em Birmingham.
Assim como meu marido, minha mãe adorava plantas. Ela cresceu pobre, engravidou de mim e, depois que meu pai foi embora, fez o possível para nos sustentar com o salário de uma secretária. Quando eu era adolescente, morávamos em um apartamento infestado de baratas e pegajoso em uma parte difícil da cidade. Mas poderíamos muito bem ter vivido em um jardim.
Minha mãe enchia o apartamento com filodendro e planta-aranha, figueira e samambaia. Eles cresciam em vasos de terracota ao redor dos móveis, pendurados no teto em macramês elaborados, torcidos em treliças e na grade de proteção da varanda. A planta premiada de minha mãe, exposta como um retrato acima da mesa da sala de jantar, era uma samambaia chifre de veado.
“Sala de jantar” é um termo chique para a alcova ao lado de nossa cozinha, assim como “mesa” é chique para a mesa de piquenique achada no lixo onde, durante a semana, fazíamos nossas refeições e, nos fins de semana, minha mãe e suas amigas se reuniam para fumar, beber e cantar canções country.
A samambaia chifre de veado presidiu muitos bons momentos. Toda sexta-feira, minha mãe e sua gangue de recepcionistas e metalúrgicos se livravam das indignidades da semana batendo garrafas de cerveja ao som de Take This Job and Shove It de Johnny Paycheck. No final da noite geralmente estavam chorando com doses de uísque.
Mas esses bons momentos muitas vezes saíam de controle. Minha adolescência foi uma ladainha de embriaguez, loucura e, às vezes, abusos assustadores.
“Eu sou um bom e velho menino,” Waylon Jennings falou lentamente no rádio quando o namorado da minha mãe me puxou pela mesa de piquenique para cuspir palavrões na minha cara. Meses depois, o mesmo homem apontou uma arma para a cabeça de minha mãe, apertando o gatilho em câmaras que não sabíamos que estavam vazias.
“Você está sempre em minha mente”, um menino vizinho sussurrou em meu ouvido antes de me curvar sobre a mesa e enfiar a língua em minha boca. Não consegui ouvir a música de Willie Nelson, ou qualquer música country desde então.
Para Tom, abrir mão daquela música durante os primeiros anos de nosso relacionamento foi um sacrifício relativamente fácil. Costumávamos fazer longas viagens, para o oeste ou para a costa leste, fantasiando onde um dia poderíamos construir um lar. Tom adorava a poesia das letras country clássicas, os sons ásperos do rádio AM tarde da noite e o sotaque sulista.
Acho que meu sotaque foi o que inicialmente o atraiu, mas eu não era uma garota country. Sempre que Willie ou Waylon tocavam no rádio, minha mão automaticamente apertava o botão para desligar.
“Não”, eu diria. “Não vou voltar lá.”
Saí do sul para fugir da violência e do medo cuja trilha sonora era a música country. Depois de me tornar a primeira da minha família a terminar a faculdade, mudei-me para Nova York para fazer pós-graduação. Parentes me provocavam dizendo que eu estava atrás de um casamento, o que não poderia estar mais longe da verdade. O casamento era a última coisa que eu queria.
Então conheci Tom, a pessoa mais gentil e sensata que já encontrei. Ele ama a cidade, mas se sente mais em casa no mundo natural. Ele conhece os nomes botânicos latinos das plantas, pode explicar a Taxonomia de Lineu, cultiva vegetais crioulos a partir de sementes. Animais de estimação e bebês gravitam em torno dele.
Tom me consolou durante anos de lágrimas enquanto eu lidava com minhas experiências traumáticas na adolescência. Mas ele nunca soube do meu problema com samambaias chifres de veado - e nem eu. Foi só quando estávamos dirigindo para a casa de Laura, quando o comentário improvisado de Tom sobre Willie Nelson causou um arrepio na minha espinha, que de repente fiz a conexão. A samambaia chifre de veado vigiava tudo.
Antes, ao ver uma samambaia chifre de veado, eu estremecia involuntariamente e me afastava. Por duas décadas evitei passar por uma samambaia dessas de nosso vizinho ao sair de casa sem saber por quê. Agora, Tom e eu estávamos a caminho da casa de uma amiga para pegar uma. Para colocar em nosso quintal. Onde eu teria que olhar para ela todos os dias.
Depois de me ouvir, Tom disse: “Você quer voltar?”
“Não”, eu disse. “É só uma planta.”
Uma planta encantadora. Sob seus chifres suculentos, encontram-se camadas de folhas em forma de coração em cores que variam do mel à cor de canela. Sob elas, mantendo o chifre de veado e seus “filhotes” de plantinhas, há uma espessa bola de terra turfosa.
“Você consegue sentir esse cheiro?” Tom perguntou enquanto levávamos a samambaia da casa de Laura na parte de trás do nosso Subaru. Ele inalou profundamente. “Ah, cheiro de coisa limpa. Terra e raízes.”
Acabamos pendurando-a em um carvalho do outro lado da rua do vizinho que tinha a samambaia que evitei todos esses anos. Tom e nosso filho de 21 anos tiveram que montar um sistema de roldanas de corda para levantá-la enquanto eu observava de nossa sala de estar com ar-condicionado.
Tom fica me perguntando se tenho certeza de que quero ficar com ela.
Eu tenho. Não sei por que, mas a planta não me leva mais de volta à Birmingham que tentei deixar para trás.
Talvez a samambaia chifre de veado tenha me ensinado uma lição sobre aprender a prosperar em um novo local. Suas folhas, retorcidas e contraídas por causa das semanas no chão na casa de Laura, começaram a se espalhar. Talvez eu tenha encontrado segurança ao observar Tom nutrindo pelas ranhuras da casca de um carvalho as raízes de uma muda que caiu durante a mudança. Ou talvez meus sentimentos tenham mudado por causa do que tentei evitar por mais da metade da minha vida.
Nosso vizinho nos disse que as samambaias chifres de veado gostam de potássio, então começamos a jogar cascas de banana no topo de nossa planta. Todas as manhãs, posso passar sem estremecer por todas as samambaias chifres de veado diferentes em nosso quarteirão.
As plantas trazem ordem para nossa fileira de jardins selvagens da Flórida. Os galhos dos carvalhos que os abrigam se estendem e se tocam, criando uma copa que conforta, refresca - e, sim, cura. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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