THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No ano passado, dois dias antes do meu aniversário de 29 anos, escorreguei no gelo do restaurante onde trabalhava e torci o tornozelo. Disseram para eu ficar em casa e me recuperar, mas logo fiquei entediada e fiz o que faria qualquer pessoa com um tempo livre repentino: baixei de novo meus aplicativos de namoro. Em 24 horas, dei match com o Motorcycle Man.
Ele tinha se divorciado recentemente (depois de um casamento breve) e estava viajando de moto pelo país numa jornada de autodescoberta, fazendo seu trabalho remoto na área de tecnologia numa cidade diferente a cada mês.
O que significava que ele só ficaria em Memphis por mais algumas semanas.
E ele tinha tudo: incrivelmente bonito, irritantemente charmoso, com uma energia de cara legal (talvez fosse a jaqueta de couro, mas ainda assim...)
Naquela primeira noite, nos encontramos para um drink, que virou jantar, que virou mais drinks, que virou uma noite de bebedeira no Airbnb dele. Fiquei chocada quando ele ligou no dia seguinte.
“Foi muito divertido ontem à noite”, ele disse. “O que você acha de sair de novo hoje?”
“Ah, eu adoraria ver você de novo!”
“Óbvio”, ele disse.
Tá bom, calma aí, Han Solo. Seu excesso de confiança me atraiu e me exasperou. A experiência tinha me calejado. Pouco importava que ele fosse super encantador, cativante e lindo. Eu não seria a garota boba que se apaixonava por um cara de moto.
Eu andava com um azar crônico no amor, sabe? Autossabotadora clássica. Tinha o hábito de procurar avidamente motivos para rejeitar os homens que me cortejavam, ficava criticando todos eles até que desaparecessem. E, quando me sentia muito sozinha, repassava minha lista de ex-namorados favoritos para fingir que estava apaixonada.
Tenho orgulho de ser feita de ferro fundido para assuntos românticos. Você não vai conseguir me abrir, não, senhor. Então, fiquei irritada ao me sentir atraída por esse cara.
Levamos sua motocicleta para um jogo de futebol no centro da cidade, e ele deu um jeito de me fazer apertá-lo com mais força que nunca. Eu disse que já tinha caído de moto e estava com medo. Ele agarrava minhas coxas a cada sinal vermelho, como se dissesse: “Ainda estou aqui. Você ainda está aqui. Vai ficar tudo bem”.
Fomos tomar um brunch num barco, a brisa do Mississippi levantando meu vestido enquanto bebíamos mimosas de abacaxi no convés. Nem por um instante suas mãos deixaram de acariciar os cabelos soltos do meu pescoço. Nem por um instante deixamos de nos tocar em algum lugar.
Fomos a uma boate de strip onde as dançarinas ficaram me falando como eu era linda, como ele era sortudo por estar ali comigo. Duas danças e 600 dólares depois, pegamos um Uber para casa e caímos enrolados na cama sem tomar banho.
Preparamos o jantar juntos, entrando perigosamente na metade mais doméstica do nosso mês juntos. Ele descascava pistache enquanto eu refogava feijão branco no Chablis, e descobrimos nosso amor por cozinhar ao som do jazz francês.
Conversamos sobre nossos pais mortos e nossas infâncias difíceis. Juramos não nos apaixonar rachando um sorvete de caramelo salgado. Ele me deu com a colher o pedaço que disse ser o melhor de toda casquinha, dizendo que queria que ficasse para mim.
No seu último dia na cidade, fomos a Graceland prestar homenagem a Elvis. Era a última coisa que ele queria fazer na cidade e fiquei feliz por compartilhar isso com ele. Caminhamos, com o braço dele em volta dos meus ombros, pelas salas de exposição cheias de carros clássicos, macacões de couro branco cravejados de joias e jatinhos particulares forrados de veludo verde.
Fui ao banheiro enquanto ele esperava na fila para visitar a mansão, e uma turista idosa me deu um tapinha no ombro enquanto eu enxugava as mãos. “Você e aquele garoto lá fora?”, ela disse. “Fiquei observando vocês. Que casal mais lindo. É tão bom ver dois jovens tão apaixonados. A gente não vê mais essas coisas por aí”.
Eu não soube o que dizer. O que podia dizer? Que ele iria embora no dia seguinte? Que não tinha como estarmos apaixonados porque havia algo tão frágil quanto uma promessa ou alguns milhares de quilômetros no meio do caminho?
“Obrigada”, eu disse. Mas não conseguia parar de pensar nas palavras dela enquanto ele segurava minha mão entre as suas, desenhando círculos nas minhas palmas com o polegar.
Mais tarde, descemos pelas escadas estreitas e espelhadas até a sala de televisão de Elvis. Tudo brilhava com os espelhos e de repente me vi impressionada com nossos reflexos devolvendo nosso olhar por vinte ângulos diferentes. Refletida nas paredes panorâmicas, foi a primeira vez que realmente olhei para nós naquele mês. Foi a primeira vez que vi o que as outras pessoas viam quando olhavam para nós, o que aquela senhora tinha visto.
Com o seu fone de ouvido barato, ele olhava ao redor e massageava suavemente meus ombros enquanto John Stamos nos contava sobre o custo do prédio, o bar gigantesco e os programas de TV favoritos de Elvis. Vi como ele era muito mais alto do que eu, como ele estava tão perto de mim, daquele jeito que diz: não quero estar em nenhum lugar que não seja junto de você. Vi o sorriso no meu rosto, a alegria que emanava de mim.
A gente parecia feliz. Como se fôssemos qualquer outro casal aproveitando uma tarde de sábado numa vida inteira de tardes de sábado.
Aí percebi o que iria perder em menos de 24 horas. Disse a mim mesma que tudo isso era apenas temporário: ele estava de passagem. Amanhã ele se mudaria para uma nova cidade e uma nova pessoa. Nunca teríamos um aniversário, um cachorro, uma briga. Fiquei refletida por todos os lados daquela sala de espelhos, lamentando a vida que não iríamos compartilhar.
E, então, botei tudo de lado. Se eu só tinha mais algumas horas para viver apaixonada, queria vivê-las plenamente. Queria existir num estado de felicidade com alguém, sem pensar quando ou como iria acabar. Não queria perder o pouco tempo que tínhamos afundada na tristeza que sentia na garganta ou fingindo que ele era um erro gigantesco do qual eu deveria ter fugido. Eu não queria mais ser tão orgulhosa.
Passamos para a sala seguinte do passeio, suas mãos ainda apertando meus ombros. Naquela noite, passei os dedos pelos cabelos dele. Deixei que ele me abraçasse mais forte enquanto adormecíamos juntos pela última vez.
Apesar das coisas que minhas amigas e minha mãe continuavam dizendo, eu sabia que ele não voltaria. Afinal, tínhamos feito a promessa de não nos apaixonarmos. Essa promessa pode ter sido uma enorme mentira da minha parte, mas a questão não era esta. Tive a oportunidade de me envolver totalmente com uma pessoa gentil que tinha um coração mais aberto do que queria admitir e me senti grata por isso. Voltei a escrever depois de um longo período de dormência e me senti grata por isso também.
Fiquei grata por ter me deitado sob o sol a pino de um caso de amor temporário, sem que isso me destruísse no final. Demorou, mas finalmente aprendi que as virtudes de ter um coração suave e arejado são imensuráveis quando se vive numa época e num país como este, tão cheio de morte e enfrentamentos.
Eu queria que o Motorcycle Man seguisse seguro na sua jornada. Torcia para que ele encontrasse o que procurava na vida. Esperava ser capaz de manter essa beleza que tinha encontrado dentro de mim. E tinha esperança de que houvesse outra vida em que pudéssemos gostar de discutir sobre cores de tinta para a cozinha. Aquele outro eu iria querer um azul brilhante e aquele outro ele iria querer um verde escuro, mas conseguiríamos nos encontrar em algum lugar no meio do caminho.
Eu tinha esperança de todas essas coisas e até me permiti imaginar um pouco mais. Mas, se a experiência amorosa me ensinou alguma coisa, é isto: quando um homem de moto diz que vai sair viajando rumo ao pôr do sol e se esquecer de você, você pode acreditar nele.
E eu acreditei nele. Só que ele não se esqueceu de mim. E não me esqueci dele. Até que um dia neste verão ele voltou para Memphis sem intenção de partir. E, desde então, tudo aquilo contra o que eu tinha calejado meu coração por tanto tempo – o amor que eu não queria deixar entrar – virou minha vida. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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