Modern Love: Uma aposta à qual ela não resistiu

Por US $ 100, eu poderia parar de flertar com os homens quando minha mãe estivesse por perto? E ela poderia parar de falar sobre meu encontro com a morte?

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Por Mark Jason Williams

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - “Por que você não está comendo?” minha mãe me disse falando alto com seu sotaque de Yonkers no restaurante chinês até agora silencioso. Uma cabeleireira ítalo-americana de 77 anos que acreditava que quase todos os problemas poderiam ser resolvidos com uma pilha de espaguete e almôndegas, ela via minha falta de apetite como um sinal de alerta.

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“Estou bem”, eu disse. “Meu frango com gergelim tem um sabor estranho de pimenta.”

Ela chamou nosso garçom. “Meu filho não pode comer nada apimentado”, ela disse, “por causa de sua leucemia”.

Embora eu tivesse sobrevivido ao câncer quando menino, agora corria o risco de morrer de vergonha. Aos 40, já tinha me acostumado com a superproteção de minha mãe. Desde cedo, entendi que, como seu filho mais novo entre quatro, e o único a suportar uma condição com risco de vida, ela e eu sempre estaríamos ligados pelo amor e pelo medo.

Aceitei a forma como ela passava protetor solar em mim na praia, mesmo na minha adolescência. E eu não briguei quando ela insistiu em acompanhar minhas viagens da escola ou me levar para a aula no meu primeiro dia de faculdade.

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Mãe e filho entram em um acordo sobre o que não querem falar.  Foto: Brian Rea/The New York Times

No entanto, sempre odiei o modo como ela contava constantemente aos outros sobre minha doença, especialmente agora, dando a impressão de que eu ainda estava doente.

“Mãe, estou em remissão há 30 anos”, eu disse. “Por que não podemos simplesmente seguir em frente?”

“Sinto muito”, ela disse. “Eu não sabia que estava te deixando tão desconfortável.”

“Já disse uma centena de vezes que não quero mais falar sobre isso,” eu disse.

“Você deveria se orgulhar de ser um sobrevivente. Por que você age como se fosse algo para se envergonhar?”

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Talvez ela tivesse razão, mas eu nunca me senti à vontade para discutir o que passei. De muitas maneiras, lutar contra a doença era mais fácil do que lidar com seus efeitos colaterais de longo prazo: os pesadelos sobre agulhas afiadas sendo enfiadas na minha coluna; a dor de ser provocado na escola depois que meu cabelo caiu; a preocupação de que uma visita ao médico traga notícias de que não estou mais em remissão.

Embora as travessuras de minha mãe me fizessem corar, eu tinha inveja da maneira com que ela parecia lidar com minha doença melhor do que eu.

A primeira vez que fui internado no hospital aos 5 anos, minha mãe se enfiou entre médicos e enfermeiras e teria colocado um jaleco e tirado meu sangue se eles permitissem. Nos dias seguintes, ela rondou os alunos de medicina, ensinando-os sobre quais veias usar. “Não as que estão em sua mão direita; elas se mexem”, ela dizia.

Ela contrabandeou pizza e sanduíches de mortadela quando me recusei a comer a comida do hospital. À noite, ela se contorcia como um pretzel humano para dormir em uma cadeira de plástico meio quebrada ao lado da minha cama.

Enquanto eu me incomodava com lençóis duros ou o cheiro avassalador de álcool, ela me encorajava a pensar no hospital como uma espécie de acampamento de verão. Eu não acreditei - máquinas apitando e transfusões de sangue estavam muito longe de arco e flecha e natação - mas ela sempre fazia o possível para manter o clima leve.

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Quando passei meu 7º aniversário na ala do câncer, ela encheu meu quarto de balões e cupcakes. Depois que reclamei por não poder ir à Disney World como meus amigos, ela pegou um globo empoeirado da enfermaria e o girou ao lado da minha cama, prometendo um dia me levar a qualquer lugar que eu quisesse ir. Enquanto as enfermeiras me levavam para os tratamentos, ela continuava com o tema da viagem e fingia que estávamos embarcando em um avião.

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“Cuidado com minha bagagem”, ela dizia. “Ele é insubstituível.”

Em retrospecto, eu poderia dizer que não foi fácil para ela, especialmente com meu pai trabalhando longos dias em trabalhos de construção para pagar minhas contas médicas. Ela desistiu de suas atividades favoritas, como a liga de boliche de quinta-feira à noite, e teve pouco tempo para si mesma enquanto fazia malabarismos entre minhas necessidades, os primeiros encontros das minhas irmãs mais velhas e as formaturas do ensino médio.

No entanto, ela sorria. Por cinco anos, enfrentamos minha doença juntos como um esquadrão do câncer de duas pessoas.

No entanto, agora eu me sentia distante dela. Parecia que esta refeição, e nosso relacionamento, estava afundando rápido e eu não tinha ideia de como consertar isso. Nosso garçom voltou com sopa chinesa de ovo, aliviando a tensão.

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“Para você se sentir melhor”, ele disse.

Ele era fofo e eu gostei do gesto, então dei a ele um sorriso sedutor e me certifiquei de não fazer barulho tomando a sopa. Minha mãe se virou. Ela negou sentir-se desconfortável, mas eu sabia que a havia deixado tão desconfortável quanto ela havia me deixado.

Católica conservadora, minha mãe era a favor da abordagem “Não pergunte, não conte” para minha sexualidade. Nos 20 anos desde que eu saí do armário, ela só falou sobre minha sexualidade algumas vezes, geralmente para me informar que minha professora do jardim de infância de décadas atrás era lésbica ou para me pedir para explicar algo que ela não entendeu em Will & Grace.

Eu gostaria que fôssemos mais abertos, mas quando ela se referia aos caras que namorei como “amigos especiais”, eu sabia que ela não estava pronta.

“Que tal fazermos um trato?” Eu disse. “Você para de falar sobre minha leucemia, e eu não vou flertar na sua frente. Na verdade, nem vou falar sobre minha vida amorosa.”

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“Apenas tome sua sopa”, ela disse.

“Aposto 100 dólares que você vai não vai conseguir”, eu disse.

Sendo uma mulher que gostava de viagens de ônibus para Atlantic City para jogar em caça-níqueis, ela não resistiu à aposta. Nosso primeiro teste veio duas semanas depois, na festa de 75 anos do meu tio.

“Eu tenho câncer de próstata,” ele anunciou, olhando para mim. “Mark, conte-me sobre sua experiência. Eu vou ficar bem, certo?”

Eu esperava que minha mãe respondesse por mim, mas em vez disso ela disse: “Mark não gosta de falar sobre isso”.

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A reação dela me surpreendeu, mas eu estava convencido de que ainda ganharia a aposta. Voltamos para aquele restaurante chinês, e quando minha comida estava novamente muito apimentada, eu esperava que ela cedesse. Ela sentou-se calmamente, me vencendo mais uma vez.

Três meses depois, no entanto, uma viagem de rotina ao Costco levou a uma confissão inesperada. Primeiro: um esclarecimento. Eu gostaria de poder dizer que sou um homem de meia-idade que gosta de ajudar sua mãe idosa com suas compras de domingo por bondade de seu coração, mas na realidade sou um homem de meia-idade que não pode dizer não quando sua mãe se oferece para comprar rolos de papel higiênico, toalhas de papel e remédios para alergia a granel.

Na seção de congelados, enquanto ela despejava um quilo de waffles em nosso carrinho, vimos dois homens próximos, mais ou menos da minha idade, dando um beijo. Fiquei aliviado que ela não ficou boquiaberta ou disse algo ofensivo, mas eu não conseguia parar de olhar. E eu não conseguia parar de pensar no homem que eu gostaria de beijar nestes corredores frios. O homem que eu estava escondendo da minha mãe.

“Mãe, há alguém que eu quero que você conheça,” eu disse nervosamente. “O nome dele é Michael, ele mora no Harlem, é professor de saúde pública e tem um poodle muito fofo. Eu gosto muito dele e sei que você também vai gostar”.

“Você me deve 100 dólares”, ela disse. Fiquei desapontado por ela não ter reagido mais calorosamente. Mas depois de pegar meu dinheiro, ela disse: “Eu nunca vi você sorrir assim. Já era hora de conhecer um de seus amigos especiais”.

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“Namorado, mãe,” eu disse. “Talvez um dia eu o chame de meu marido.”

“Não vamos nos precipitar”, ela disse.

Enquanto caminhávamos em direção à fila do caixa, ela esbarrou em uma mulher que conhecia do ensino médio, que não perdeu tempo se gabando do salário de seis dígitos do filho e dos dois netos perfeitos.

“Este é meu filho, Mark,” minha mãe disse. “Ele sobreviveu ao câncer.”

Naquele momento, percebi que ela nunca tinha tentado me humilhar. Ela tinha orgulho de mim. Agora eu precisava apoiá-la, assim como ela tinha me apoiado. “Sim, foi realmente horrível”, eu disse, jogando junto. “Agulhas grandes e muito sangue.”

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Era estranho zombar das minhas experiências, e ainda mais estranho ver minha mãe ficar animada enquanto eu fazia isso. No entanto, para nós dois, o garotinho frágil confinado a uma cama de hospital finalmente se libertou.

Eu a abracei forte, sentindo as cicatrizes da minha doença começarem a desaparecer enquanto eu me preparava para deixar isso pra trás e me abrir. Eu queria abraçar nosso futuro juntos e ser tão próximo quanto o esquadrão do câncer de duas pessoas que já fomos.

“Tome,” ela disse, devolvendo meu dinheiro com uma lágrima nos olhos. “Estamos quites.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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