O vestido era preto com botões brilhantes nos punhos e um laço enorme nas costas. Eu disse à minha amiga: “Quero que você me enterre com este vestido”, o que achei engraçado porque eu achava que estava morrendo. E então pensei que não era nada engraçado.
Mesmo que os médicos não conseguissem descobrir o que eu tinha, estava tão alarmada com os meus sintomas e as graves confabulações dos especialistas que estava ansiosa para descobrir se teria um futuro ou não. Naquela época, tinha 27 anos.
O certo é que eu estava encolhendo. De uma maneira rápida, incontrolável. Não tinha nada a ver com eu me alimentar ou não, mas tudo a ver com o fato de que parecia que algo estava me comendo. Minhas roupas pendiam sobre o meu corpo e eram folgadas na cintura e despencavam dos ombros, como se pertencessem a uma estranha, então comprei um vestido estranho. Da grife Kate Spade, US$ 348 na loja.
Eu o descobri por US$ 50 em uma loja on-line de um estilista enquanto esperava a minha vez no hospital; uma enfermeira estava verificando os resultados da biópsia da minha medula óssea. O meu laptop estava na minha frente, lançando uma luz azulada sobre as minhas pernas feridas. Comprar on-line era o tipo de coisa que uma pessoa faria enquanto aguardasse a empresa de TV a cabo, e não esperando um possível diagnóstico de leucemia.
Segurei o telefone entre o ombro e a orelha, puxei o computador para o meu colo, e comecei a navegar. As páginas estavam cheias de bolsas vintage usadas em desfiles, vestidos para o tapete vermelho, lenços e casacos de estilistas cujos nomes não reconhecia e sequer podia pronunciar. Enchi meu carrinho com um vestido cor cobalto, uma blusa de seda vermelha e uma saia bem justa.
No laudo, disseram os médicos, parecia um linfoma. Os sintomas eram clássicos: febre, suor noturno, perda de peso. Mas os exames de imagem voltavam limpos. Uma biópsia do meu linfonodo ampliado mostrou que era benigno. A leucemia pode ser sorrateira, afirmaram. Teriam de pesquisar e a pesquisa seria dolorosa. Duas semanas antes, um médico perfurara o meu quadril e perfuraram os meus ossos com uma seringa de cavalo. “Doloroso” era um termo insuficiente.
“Obrigada por esperar”, disse a enfermeira. “O médico disse que a sua medula apresenta algumas anormalidades, mas nenhum sinal de malignidade, por isso teremos de continuar pesquisando”.
Continuei sentada enquanto meu estômago se revirava. Um suor frio cobriu o meu rosto. Fechei os olhos, sacudi a cabeça e voltei para o meu carrinho de compras. Não iria parar.
Não – iria às compras. Iria fazer compras até não conseguir pensar em mais nada. Coloquei o número do meu cartão de crédito e comprei o Kate Spade.
Depois corri para o armário, escancarei as portas duplas e comecei a vasculhar entre as compras por impulso e presentes que não combinavam mais comigo, arrancando do cabide todas as peças mistas de poliéster com estampas de flores sem graça. Tinham cheiro de hospital, café fervido e antisséptico. Não queria mais nenhuma daquelas roupas. Nem olhar para elas. Queria seda. Queria veludo.
Em cinco minutos, saqueei todo o armário. Mal dava para ver o tapete debaixo das pilhas de roupa jogada ao acaso. Os meus pulmões pararam, revoltando-se contra meus movimentos repentinos e rápidos. Caí apoiando-me no armário, com as mãos comprimindo o peito, enquanto a fadiga tomava conta de mim. Não conseguia respirar. Não podia adoecer ainda mais. Só podia fazer isto.
Semanas mais tarde, o primeiro vestido chegou. Dei umas voltas em torno dele, olhando a bainha subindo e descendo. Ele tinha algo que me fez sentir menos uma paciente abatida e mais uma mulher que ia a coquetéis banhada em perfume e dinheiro da família. O tecido pesado parecia caro e importante, o contrário de tudo o que eu jamais possuíra.
Nos meses seguintes, tomei a decisão de criar um novo guarda-roupa a partir do zero. Isto exigiu todos o meu tempo livre, cada pensamento disponível. Vasculhei a internet em busca do que havia de mais glamuroso em itens de segunda mão, parando somente quando a minha energia arrefecia por causa da febre e da exaustão. Há dezenas de sites dedicados a roupas de grife com desconto: The Real Real, Saks Off 5th, Luxury Garage Sale, Tom Ford, Alexander McQueen, Isabel Marant – estilistas cujos nomes só ouvira falar nos velhos episódios de Project Runway.
Mandei fotos de um vestido com desenhos pretos e brancos para a minha melhor amiga, uma beleza sensível, uma mulher prática, do noroeste de Iowa, que nunca ouviu falar em Oscar de la Renta e nem se preocupa com isto.
“Você gosta deste?”, perguntei. “É 100 % seda”.
“Como você lava uma coisa dessas?”, respondeu.
“Acho que somente a seco”, eu disse, como se alguma vez na vida tivesse procurado uma lavanderia a seco.
Ambas sabíamos que não era uma coisa prática. As roupas eram caras, sua manutenção dispendiosa, a maioria delas chiques demais para a minha modesta vida atuando na comunicação de uma ONG. Mas pareciam vitais. Disse a mim mesma que, afinal, eu tinha todo o direito de me conceder alguma frivolidade, que merecia cuidar de mim mesma.
Para a próxima consulta com a médica, escolhi uma saia justa da Valentino, adequada para o meu novo corpo murcho.
“Não sei mais o que fazer”, disse a médica. Ela tinha mais ou menos a minha idade. Jovem, mas confiante em seus conhecimentos. Confiante nas imagens, nos laboratórios e nos resultados quase normais dos testes. “Vou voltar a vê-la daqui a seis semanas. Poderemos repetir os exames de sangue e ver uma data para novos exames de imagem. Esse plano lhe parece bom?”
Risquei o linóleo com a ponta do meu salto alto. “Não sei”.
“Muito bem”, ela disse. “Fale o que está pensando”.
“Acontece que eu vivo aqui”, falei apontando para o meu corpo. “Preciso viver aqui”.
Naquela noite, passando os dedos nos meus cabelos, um chumaço de fios louros ficou na palma da minha mão. “Isto tudo é por causa do estresse”, falei para o meu gato. Esfreguei uma mão na outra, deixei o cabelo cair no cestinho do lixo, e voltei à minha lista de compras.
Todas as vezes que chegava um pacote, eu o abria para sentir o peso e a textura do tecido na minha pele. Algumas peças cheiravam a mofo, outras eram perfumadas. Gostava de imaginar por onde teriam andado – espetáculos de gala para captação de fundos, reuniões do conselho de diretores, círculos de socialites. Cada uma delas tinha uma vida atrás de si. Agora, eu as segurava na luz suave do meu quarto como uma esperança tangível.
O tempo passava. Apareceram feridas, desapareceram, e então reapareceram nos meus membros. Encolhi ainda mais. Na maior parte dos dias, os vestidos cobriam a minha magreza e me distraíam da exaustão. Procurei outros médicos, dois cirurgiões, três oncologistas, um especialista em medicina integrada e um especialista em reiki.
Finalmente, em uma decisão que o meu eu anterior definiria tresloucada, inclui na lista a ajuda de uma especialista em cura pelo som. Era uma pessoa magrinha e muito animada, uma mulher de 70 anos no corpo de uma criança. Em seu consultório, no dia em que nos encontramos, ela pulou da cadeira e me pediu para ficar de pé e estender o braço direito.
“Vou pressioná-la para baixo”, ela disse, “e quero que você resista com uma pressão igual. Certo?”
Ela me empurrou para baixo e eu devolvi o empurrão. O meu braço se projetou na direção dela quando ela me soltou repentinamente.
Ela balançou a cabeça e fez uma careta, depois pegou um vidro de óleo de cânhamo. “Segure isto!” falou, enfiando o vidro na minha mão e pressionando de novo o meu braço para baixo.
Desta vez, eu estava em sincronia com ela, mais ágil, ajustada à sua pressão.
“Sim”, ela disse. “O seu corpo gosta deste produto. Pode comprá-lo no meu site”.
Era tudo um faz de conta, mas eu estava desesperada. Desesperada, disse a mim mesma, mas não louca – desespero e insanidade eram dois estados distintos embora limítrofes. Mas é a isto que o desespero nos leva – o doente, o crônico, o moribundo, o aflito. Somos obrigados a encontrar a esperança no que para nós era motivo de piada: Deus, a vida após a morte, milagres, óleo de cânhamo. A cura, por qualquer meio. A cura, contra todas as probabilidades.
A cura, às vezes na forma de um vestido de grife.
Depois de cada consulta, depois de toda tentativa fracassada de dar um nome à minha doença, eu me sentava na cama, escolhia novos vestidos e pensava em todos os lugares em que poderia usá-los. Usaria o Derek Lam em um primeiro encontro, e o Marc Jakobs em uma reunião da diretoria. Eu carregaria um bebê no colo com o casaco Burberry enquanto caminhava pela rua sentindo o cheiro do ar fresco do outono e acreditando no amor e em Deus e nas coisas que viriam.
As roupas me prometiam algo que os médicos, que continuam buscando um diagnóstico, ainda não podem me dar: um futuro sem complicações. E eu prometia a elas um futuro.
Esta seria a sua vida na outra vida. E elas a mereciam, não é verdade? / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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