Estes motoristas de Uber estão estressados, e o tiro com arco é o seu remédio

O passatempo nacional desses imigrantes do Butão tem sido um conforto em meio a pandemia

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Por Raúl Vilchis

Tshelthrim Dorji, de 36 anos, do Butão, estava acostumado a acordar todos os dias às 5 da manhã para começar o seu turno de 12 horas como motorista do Uber, em Nova York. Ele parou de sair durante o prolongado fechamento por causa da pandemia, e quando voltou lentamente a trabalhar com a reabertura da cidade achou o seu trabalho de táxi cada vez mais estressante.

Por isso, para desanuviar, no sábado, ele ainda acorda ao amanhecer, mas dirige em outra direção: um sereno lugar coberto de bosques no final de uma estrada de terra em Shamong, Nova Jersey, a cerca de duas horas de sua casa em Queens. Lá, ele e um grupo de cerca de 20 imigrantes butaneses – em sua maioria também motoristas do Uber e do Lyft – se reúnem para um longo dia de prática do arco, o passatempo nacional do seu pequeno país.

Os imigrantes butaneses se dividem em grupos de 12 e dizem mantras a Buda antes de começar uma partida em Shamong, Nova Jersey. Foto: Raul Vilchis/The New York Times

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Antes que o coronavírus castigasse seu bairro em Nova York, eles se reuniam somente uma vez por mês para uma disputa tradicional, porque o campo ficava muito distante e os seus dias de trabalho eram muito longos. Mas em julho, quando a prefeitura começou a permitir mais atividades ao ar livre, o grupo decidiu retomar seus jogos cerimoniais todos os fins de semana.

O tiro com arco é uma maneira de exercitar-se, socializar à distância e oferecer orações para o rápido retorno da cidade às suas atividades. A maioria dos participantes preferiu viver de suas poupanças nos últimos meses, em lugar de continuar dirigindo e correr o risco de contagiar os outros membros da pequena comunidade butanesa.

Em 2015, havia cerca de 24 mil butaneses morando nos Estados Unidos, segundo o Pew Research Center, a maioria em Ohio, e uma população significativa em Rochester, Nova York. Antes de cada jogo, os que participam pronunciam mantras e como oferenda despejam no chão uma garrafa de cerveja.

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Na extremidade do longo campo, eles ergueram um alvo de madeira pintado com as cores do arco-íris, e em volta dele fitas vermelhas, amarelas, brancas, verdes e azuis. Outro alvo é instalado a cerca de 50 metros de distância, na outra extremidade do campo. Seis jogadores de cada equipe se escondem atrás de uma cortina perto dos alvos.

Então, cada arqueiro ergue o seu arco profissional e atira duas vezes. Eles caminham até o outro alvo para recolher as setas respectivas e depois voltam a atirar na outra direção para completar uma rodada. No final do seu dia de 12 horas de jogo, eles caminharam cerca de 17 quilômetros. A distância entre os alvos dificulta uma visão clara de onde a seta cai, por isso eles procuram ouvir o som da madeira rachando que assinala um acerto.

Cada tiro exige postura e equilíbrio para puxar a corda para trás, o equivalente a empurrar 30 quilogramas de peso, mantendo o centro imóvel. “Você precisa concentrar-se totalmente na sua respiração, como se não tivesse mais nada para fazer”, explicou Dorji. “Depois você se prepara para errar”. Conseguir acertar a seta no alvo à distância representa um ponto ganho. Atingir o alvo, vale dois pontos. O alvo no centro, três.

Pema Rinzin examina sua flecha durante uma partida tiro com arco entre imigrantes butaneses. Foto: Raul Vilchis/The New York Times

Não há juiz. O jogo é feito pelo sistema da honra, em que cada jogador verifica o próprio ponto e acrescenta uma fita colorida à cintura quando acerta. Todas as vezes em que uma seta atinge sua marca, os companheiros de time do arqueiro cantam uma canção e dançam em honra da realização. “Somos todos budistas, por isso não é um jogo competitivo”, disse Thukten Jamtsho, de 43 anos, um dos competidores que é motorista do Uber.

“A gente se reúne para ver os amigos, encontrar novos companheiros e para preservar a união da comunidade”. Antes da pandemia, ganhar a vida como motorista em Nova York estava ficando cada vez mais difícil, segundo a maioria dos arqueiros. Até o ano passado, era um bom negócio.

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Quando o aumento dos automóveis rodando significava mais concorrência pelos clientes. Então veio o coronavírus; Nova York se tornou um dos lugares mais perigosos dos EUA, e os negócios pararam quase da noite para o dia. “Aos poucos, estamos voltando, mas será difícil”, afirmou Sonam Ugyen, também motorista do Uber e um dos mais jovens do grupo. “Estamos pensando em mudar de profissão ou procurar novas oportunidades”.

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Todos os finais de semana de julho, um voluntário preparou o café da manhã e o almoço para o grupo em uma cozinha ao ar livre no campo. Uma refeição típica ao meio-dia é composta de arroz com o prato nacional, ema datshi, um cozido de pimentões verdes e molho de queijo, ou um peixe ao curry. Agora que a maioria dos motoristas recomeçou a trabalhar, eles pretendem voltar aos seus encontros uma vez por mês.

Eles disseram que a serenidade conseguida com a prática mais frequente do arco, nas últimas semanas, servirá como preparo para o seu retorno ao trânsito pesado e à ansiedade dos passageiros mascarados no panorama da cidade agora mudado. “Vimos aqui para escorraçar os maus espíritos”, disse Dorji enquanto bebericava o sedu supa, chá amanteigado. “Os jogos são uma oferenda para podermos estar a salvo durante a semana, sem acidentes”.

Para Ugyen, o tiro com arco e lidar com o trânsito de Nova York chegam a ser desafios semelhantes. “Ambos são jogos em que precisamos manter a atenção”, afirmou. “Mas a diferença é que, neste campo, é apenas o corpo que sofre. Na cidade, dirigindo o dia todo, é a mente”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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