Num dos cruzamentos mais conhecidos em Mumbai, as calças retas das figuras que aparecem nos sinais de trânsito deram lugar a vestidos triangulares.
A cidade, a maior da Índia, instalou recentemente 240 sinais de trânsito que substituíram figuras masculinas por silhuetas femininas ao longo de algumas ruas no bairro de Dadar. Mumbai é a primeira cidade do país a instalar esses sinais de trânsito e as autoridades afirmam que esta iniciativa mostra o seu compromisso de dar mais poder às mulheres.
O governo “quer assegurar a igualdade de gênero com uma ideia simples - os sinais agora têm mulheres, também”, escreveu Aaditya Thackeray, ministro do Ambiente e Turismo do Estado de Maharashtra, do qual Mumbai é a capital.
Mas para os críticos esta é uma medida superficial que fará muito pouco para solucionar problemas arraigados de desigualdade de gênero na Índia. Apesar de mulheres terem ocupado posições de poder no país - Indira Gandhi foi a primeira mulher da Índia a ocupar o posto de primeira ministra - exemplos de violência extrema contra as mulheres em público deixaram muitas com medo de sair de casa à noite desacompanhadas. E o abuso doméstico e o assédio sexual são os crimes mais comuns contra as mulheres e meninas, segundo dados do governo.
Na Índia, as mulheres também enfrentam obstáculos em termos de educação e emprego. Para cada 100 garotos, somente 73 meninas estão matriculadas nas escolas secundárias. E as mulheres recebem salário menor do que os homens, além de suportar todo o peso do trabalho doméstico não remunerado.
“É um gesto, mas de mau gosto”, disse Pooja Sastry, urbanista de 32 anos, de Bangalore. “Essas figuras coladas não nos fazem sentir mais tranquilas nas ruas”.
“Isto não significa nada para a mulher indiana média ou uma operária da construção atravessando a rua para ir ao seu trabalho cotidiano. A taxa de crimes contra as mulheres não vai baixar. A violência doméstica não vai diminuir”.
Um estupro brutal cometido por uma gangue em Nova Délhi em 2012 chocou o país e desencadeou protestos e discussões sobre a segurança das mulheres nas cidades. E acarretou uma punição mais rigorosa para crimes contra as mulheres, incluindo a pena de morte em casos de estupro.
Mas o abuso sexual, o assédio e a violência doméstica persistem. O país - considerado o lugar mais perigoso para as mulheres no caso da violência sexual e assédio, segundo pesquisa da Thomson Reuters Foundation em 2018 feita por 550 especialistas globais - reportou 33.556 estupros e 89.097 ataques sexuais contra mulheres naquele ano, segundo as estatísticas do governo.
Quando, em janeiro, Thackeray tentou introduzir mais cafés noturnos, academias 24 horas e salas de cinema em Mumbai, para dar mais vida à cidade, seus rivais políticos do partido Bharatiya Janata se opuseram afirmando que as mulheres ficariam mais vulneráveis a estupros.
“Se a cultura do álcool se popularizar isto levará a um aumento dos crimes contra mulheres”, afirmou líder de um partido na época.
A implementação dos novos ícones nos sinais de trânsito seguiu decisões no mesmo sentido de outros países. Alemanha e Austrália adicionaram vestidos nas figuras que aparecem na sinalização. Viena trocou as figuras por casais do mesmo sexo antes do Festival Eurovision da Canção em 2015 e as manteve. Em Genebra, em fevereiro, as autoridades não só substituíram metade dos sinais para pedestres, mas acrescentaram silhuetas diversas, de uma mulher grávida, uma mulher mais velha, outra africana e duas mulheres de mãos dadas.
Na Austrália, quando Melbourne adicionou figuras femininas nos sinais de trânsito em 2017, alguns moradores contestaram, qualificando como uma medida regressiva e heteronormativa ao assumir que a figura usando calças era masculina ao passo que aquela num vestido era mulher.
Outras cidades indianas adotaram medidas para aumentar a segurança das mulheres nos transportes. Nova Délhi, capital do país, implementou o transporte público gratuito para as mulheres no ano passado, um programa que, segundo as autoridades, aumentou o número de passageiras e deu mais segurança a elas. “A segurança é gerada com mais mulheres nesses espaços”, disse Sneha Visakha, pesquisador legal.
Vijayshree Peddnekar, urbanista e cofundador do Urban Project, disse no Twitter que ele havia dado a ideia para Kiran Dighavkar, comissário adjunto, que confirmou que a ideia partiu da organização de planejamento urbano empregada por seu gabinete. Ao Free Press Journal ele declarou que a finalidade das figuras com vestidos é conscientizar as pessoas sobre sua ideia preconcebida de que o padrão tem de ser masculino.
“De maneira sutil, o homem é a representação de tudo que nos cerca”, disse ele.
Em resposta às críticas de que a medida não vai melhorar a segurança das mulheres, Dighavjar afirmou, em uma entrevista, que ela não invalida as intenções por trás desses novos sinais de sinalização.
“É um pequeno gesto na direção da igualdade de gênero e do empoderamento das mulheres. É um sinal de como esta cidade pensa. Ele retrata o caráter da cidade”, afirmou.
Para Shilpa Phadke, socióloga e coautora do livro Why Loiter? Women and Risk on Mumbai Streets (Por que Vaguear? Mulheres e Risco nas ruas de Mumbai, em tradução livre), esses símbolos, quando adotados amplamente, têm um papel valioso para reforçar o direito das mulheres de transitarem por espaços públicos, especialmente tarde da noite.
“Se você tem inúmeras luzes como esta pela cidade, isto envia uma mensagem subliminar de que as mulheres pertencem a este local”.
Segundo Sastry, ruas bem iluminadas e postes de luz são mais importantes do que esses novos ícones nos sinais de trânsito.
Visakha, pesquisadora legal, concorda que o simbolismo sem uma mudança mais ampla não tem sentido. Ela disse que riu muito ao ver as fotos dos sinais de trânsito porque elas mostram a falta de compreensão para com as reais necessidades das mulheres nas cidades. “Finalmente temos uma figura num sinal de trânsito, e então as mulheres agora são iguais aos homens”, afirmou. “É muita condescendência”. “Se as cidades continuam a ser hostis, devo então me congratular com o fato de alguém mostrar que eu também pertenço à cidade?” / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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