Burna Boy - compositor, cantor e rapper nigeriano que nasceu sob o nome Damini Ebunoluwa Ogulu - um dia chegou a pensar que se contentaria em compor as músicas de balada elegantes e autoconfiantes que atraíam fãs às suas mixtapes no início dos anos 2010. Mas, à medida que sua popularidade foi se espalhando pelo mundo, os espíritos que guiam suas composições provaram que tinham outros planos. Pouco depois, ele já estava abraçando ideias mais vastas e pretensiosas.
“A música é uma coisa espiritual”, disse ele numa entrevista por chamada de vídeo de seu estúdio em Lagos. Vestindo uma camiseta branca do Uber e fumando um cigarro enrolado à mão, com as joias dos anéis brilhando nos dedos, Burna Boy falou sobre seu quinto álbum, Twice as Tall.
“Nunca peguei papel e caneta para escrever uma música na minha vida”, disse ele. “As coisas só vêm, como se alguém estivesse lá e me dizendo o que fazer. Tudo de acordo com os espíritos. Alguns de nós foram colocados nesta Terra para fazer o que fazemos”.
O sucesso trouxe a ele “uma responsabilidade muito grande que eu não pensei que teria”, acrescentou. Para seu novo álbum, ele está “basicamente dando continuidade à missão que comecei, que é construir uma ponte que vai fazer todos os negros do mundo se unirem e fazer você entender que, se você não tem uma base doméstica, não vai ser tão forte quanto poderia”.
Burna Boy, 29 anos, foi juntando seguidores internacionais desde que lançou seu álbum de estreia, em 2013, LIFE: Leaving an Impact for Eternity. Ele lotou a Wembley SSE Arena, em Londres, no ano passado, e as músicas de African Giant, seu álbum de 2019, geraram dezenas de milhões de streams e visualizações.
Entre seus fãs está Beyoncé, que interpretou uma música solo de Burna Boy, a irresistivelmente insinuante Ja Ara E em seu álbum cheio de colaborações, The Lion King: The Gift, que se tornou o álbum visual Black Is King no mês passado. Sam Smith tem a companhia de Burna Boy em seu novo single, My Oasis, como cantor e coautor. E, quando o prêmio Grammy de 2020 de World Music foi para Angelique Kidjo, três vezes vencedora, e não para Burna Boy e African Giant, ela ergueu o troféu e o dedicou a Burna Boy, elogiando-o e dizendo que era um jovem artista africano que estava “mudando a forma como as pessoas enxergam nosso continente”.
A fusão afro de Burna Boy é onívora e extremamente cativante. Suas batidas muitas vezes são programadas, mas suas paradas e inícios fogem das expectativas. Os instrumentos, sampleados ou tocados à mão, saltam contra os ritmos ou os evitam habilmente, enquanto sua voz - que pode ser tão staccato como a de um rapper ou tão suave como a de um crooner - desliza facilmente por cima de todo o resto.
Para Twice as Tall, Burna Boy recrutou um produtor executivo americano: Sean Combs, também conhecido como Diddy, que há muito tempo orienta rappers e cantores (principalmente Notorious B.I.G. e Mary J. Blige) para alcançarem um público mais amplo. “Todo mundo sabe que gosto de discos de sucesso. Se não são discos de sucesso, eu não gosto”, disse Combs via FaceTime de Los Angeles.
“Muitas vezes, quando um artista quer ser treinado ou empurrado para um nível mais alto, é aí que eu entro”, disse ele. “Ele, como todo artista, quer que sua música seja ouvida pelo mundo. E não se importa com as misturas. Você sabe, ele não está tentando ser famoso, não está falando, tipo, ‘Eu quero ser uma grande estrela do pop’ - ele já é uma estrela. Ele quer que ouçam sua música, sua mensagem, seu povo”.
A maior parte do álbum foi gravada durante a pandemia de coronavírus, e Burna Boy e Combs colaboraram com a diferença e oito horas de fuso por meio de muitas ligações pelo Zoom e transferências de arquivos. Combs trouxe contribuições musicais, como a bateria de Anderson Paak para Alarm Clock e a produção de Timbaland em Wetin Dey Sup, uma música pontuada por tiros e sirenes que alertam: “Eles só respeitam o dinheiro e a violência”.
Combs também deixa sua presença audível com incursões de voice-over em algumas músicas, suplantando o próprio Burna Boy por alguns instantes. Mas ele disse que a música estava cerca de 80% completa, incluindo todas as letras, antes de ser chamado para dar “ouvidos novos” e sua atenção aos detalhes. O álbum, acrescentou ele, é “uma obra africana moderna, mas pura e sem remorso”.
Na maior parte do tempo, Burna Boy não diluiu sua herança africana para alcançar o público global. Em vez disso, ele colocou uma marca inconfundivelmente africana na música inspirada em toda a África e toda a diáspora africana. Ele tem uma voz calma, rouca e decidida que exemplifica a virtude cultural da África Ocidental: equilíbrio e controle que transcendem qualquer comoção. Seu senso melódico se enraíza nas escalas pentatônicas africanas, mas não se restringe a elas. E ele conta com um grupo de produtores que oferecem algumas das faixas rítmicas mais inovadoras do pop do século 21 - geralmente trabalhando ao lado de Burna Boy em seu estúdio, disse ele. Ele canta, na maior parte do tempo, numa mistura de inglês e ioruba, confiante de que seu significado será transmitido mesmo que os ouvintes não reconheçam todas as palavras.
“O que aprendi é a importância do que ele está fazendo por sua nação, representando as pessoas que realmente não são ouvidas no mundo”, disse Combs. “Por meio deste álbum, acho que é importante que a África seja ouvida. E, então, é uma coisa muito maior do que um álbum. Ele não está só numa viagem de artista musical. Ele é um revolucionário. Sua convicção é séria”.
Hip-hop, reggae, R&B e rock fizeram parte da mistura musical em que Burna Boy cresceu em Port Harcourt, a cidade no sul da Nigéria onde nasceu, e depois em Londres, onde passou alguns anos em Brixton antes de voltar para a Nigéria. Suas letras sempre mencionam que ele teve uma vida dura. Em Level Up, música taciturna que depois chega ao triunfo, ele celebra suas próprias realizações, mas também observa: “Alguns dos meus camaradas nunca veem o sol / Alguns deles ainda vendem drogas”.
Em African Giant, Burna Boy abordou incisivamente a história colonial da Nigéria e sua corrupção, junto com canções mais hedonistas. Em Twice as Tall, ele procurou fazer música como, nas suas próprias palavras, “um cidadão do mundo”.
Nas 15 canções de Twice as Tall, Burna Boy faz um balanço de suas realizações e vulnerabilidades e encoraja a ambição e a perseverança contra as baixas probabilidades; e também faz música de balada. E ataca o racismo, a exploração e os muitos preconceitos que envolvem a África.
“Não somos o que eles ensinam nas escolas daqui”, disse ele. “Eles não ensinam a história certa, a história de força e poder que tínhamos originalmente e que deveriam estar ensinando agora. Não ensinam a verdade sobre como acabamos na situação em que estamos. Não ensinam a verdade sobre o que está acontecendo agora e como superar essa situação. E acredito que conhecimento é poder”.
Ele quer que todos os países e culturas da África se unam num só continente. “Quero que meus filhos tenham um passaporte africano, não um passaporte nigeriano”, disse ele. “Não me identifico com nenhuma tribo. Não me identifico com nenhum país. Não me identifico com nada, na verdade. Eu me identifico com o mundo no universo - acredito que sou um cidadão do mundo e tenho uma responsabilidade para com o mundo. Mas, ao mesmo tempo, no mundo, é o meu povo que está ficando na pior. Quero só fazer o que tenho que fazer, quando tenho que fazer”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.