CIDADE DO MÉXICO - Enquanto o processo a Harvey Weinstein por crimes sexuais domina a cena, outro caso está se desenrolando em um tribunal de Nova York com implicações arrasadoras. Os promotores federais do Brooklyn acusam de tráfico de drogas Genaro García Luna, um dos principais arquitetos da guerra às drogas do ex-presidente Felipe Calderón. Depois de uma recente audiência, o advogado de García Luna reiterou que Luna se declara inocente, afirmando que “ele nega taxativamente ter aceitado subornos” (de traficantes) e irá a julgamento.
O processo está sendo julgado pelo mesmo tribunal que condenou Joaquín Guzman (El Chapo) no ano passado. Mas de certo modo, este caso é ainda mais importante. As aventuras dos senhores da droga alimentam intermináveis séries de TV e romances, mas as suas condenações não reduziram o banho de sangue que está ocorrendo no México.
No ano passado, foi registrado um recorde 34,5 mil assassinatos, embora Guzman, o rei da cocaína, tivesse sido condenado à prisão perpétua em Nova York. Militantes e acadêmicos pedem que se busquem os facilitadores políticos que frequentemente mudam para os Estados Unidos com os seus milhões de dólares. E, a crédito dos promotores americanos, é preciso dizer que é o que agora eles tentam fazer.
As acusações contra García Luna, que mora em uma mansão em Miami desde 2012, seguem-se à condenação do irmão do presidente de Honduras, acusado em outubro de tráfico de cocaína, e vários processos contra autoridades venezuelanas. Estas iniciativas provavelmente serão mais eficazes para reduzir o poder dos cartéis do que classificá-los como terroristas, como o presidente Donald Trump pensa em fazer.
Conheci García Luna em 2005, na época em que ele chefiava a Agência Federal de Investigações do México. Quando foi nomeado secretário da segurança pública, em 2006, ele supervisionou a repressão de traficantes em todo o país, que envolveu a polícia federal em uma série de amplas operações com a ajuda de soldados e de fuzileiros navais.
Sob a sua direção, os mafiosos indiciados forneceram confissões em vídeos em que contavam como massacraram e mutilaram suas vítimas, exibidos no noticiário da noite. Isto servia para mostrar que os bandidos estavam sendo capturados, mas as descrições dos assassinatos em massa aterrorizavam ainda mais as pessoas. Ao mesmo tempo, os homicídios e os desaparecimentos aumentaram significativamente, assim como as denúncias de abusos dos policiais.
A acusação de que havia uma autoridade de alto escalão por trás desta campanha trabalhando com os traficantes torna este capítulo da história mexicana ainda mais sombrio. Foi uma guerra que começou com motivos sujos pela qual o país sofre ainda hoje. O processo a García Luna ajuda o presidente Andrés Manuel López Obrador, um político de esquerda que afirma estar transformando o México e acabar com a pobreza e a violência.
Enfatiza que as guerras contra o cartel datam de governos anteriores, e silencia as críticas de presidentes anteriores, como Calderón, segundo o qual são ineficazes para a economia e não afetam a criminalidade. O que se espera é que possam impedir que altos funcionários aceitem subornos novamente.
Mas López Obrador não está capitalizando isto e levando efetivamente a nação para a paz. O seu governo prometeu acabar com a guerra sem eficácia contra as drogas, e com a corrupção, mais emblemática nas autoridades policiais que trabalham com os narcos. Entretanto, estas boas intenções ainda não se materializaram em uma estratégia de segurança coerente e ele não apoia os esforços da sociedade civil do México para sair do abismo da violência.
No mês passado, participei de uma passeata ao lado de familiares dos assassinados, que foi da cidade de Cuernavaca até o palácio presidencial para pedir “verdade, justiça e paz”. Entre eles havia membros da família LeBaron que sofreu um brutal massacre em novembro; o poeta Javier Sicilia, cujo filho foi morto em 2011; e a viúva do prolífico jornalista de Sinaloa, Javier Valdez, assassinado com armas de fogo em 2017.
López Obrador poderia atender aos seus pedidos e tentar unir a sociedade mexicana contra o banho de sangue. Ao contrário, ele não quis recebê-los. Pior ainda, no dia 26 de janeiro, no Zócalo - a praça principal da Cidade do México - alguns partidários do presidente entraram em confronto como os manifestantes, acusando-os de agirem contra Lopez Obrador.
Os partidários disseram que estavam reunidos para a assinatura de uma petição que exige a acusação formal de presidentes anteriores, pedido encorajado pela acusação de García Luna. Mas aparentemente o seu objetivo principal era a mobilização contra os manifestantes.
Ver pessoas que haviam perdido familiares serem espancadas deste modo foi muito triste. Os mexicanos não podem continuar vivendo em um estado de sítio. E se os enormes números dos homicídios não acabarem, poderá surgir um político que prometa uma repressão militar ainda mais dura do que a realizada por García Luna.
Acabar com o poderio dos cartéis do crime no México pode parecer impossível. Entretanto, muitas das soluções estão à vista de todos, de ambos os lados da fronteira. Os Estados Unidos podem montar esta nova campanha de perseguição contra autoridades corruptas e das suas redes de dinheiro, conter o fluxo de armas dos gângsteres e trabalhar para acabar com o consumo de drogas que alimenta os cartéis. O governo López Obrador pode canalizar os recursos para os bairros pobres, em que os cartéis aliciam as pessoas, como prometeu, e defender as vítimas da violência para que tenham justiça.
Ioan Grillo é o autor de “El Narco: Inside Mexico’s Criminal Insurgency” e “Gangster Warlords: Drug Dollars, Killing Fields and the New Politics of Latin America”. / TEXTO DE ANNA CAPOVILLA
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