THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Michael, 17 anos, chegou à elegante sala de espera branca do consultório de sua cirurgiã plástica em Miami para um momento que ele esperava há muito tempo: remover as bandagens para ver seu novo peito plano.
Depois de anos se espremendo em camisetas de compressão para esconder os seios, o adolescente ficou aliviado naquela manhã de dezembro de 2021. Vestindo uma camisa desabotoada, ele posou para fotos com sua mãe e a cirurgiã, a Dra. Sidhbh Gallagher, feliz em compartilhar seu peito nu com o grande número de seguidores da médica nas mídias sociais.
“Parecia o certo a fazer - como se eu nunca tivesse tido seios”, disse Michael. “Foi um momento do tipo ‘Sim, finalmente’.”
Michael faz parte de um grupo muito pequeno, mas crescente, de adolescentes transgêneros que fizeram a cirurgia de remoção de mama, para alinhar melhor seus corpos com sua experiência de gênero. A maioria desses adolescentes também tomou testosterona e mudou seu nome, pronomes ou estilo de se vestir.
Poucos grupos de jovens receberam tanta atenção. Autoridades republicanas eleitas nos Estados Unidos estão tentando banir todos os chamados tratamentos de afirmação de gênero para menores, transformando uma decisão médica intensamente pessoal em um turbilhão político com consequências significativas para adolescentes transgêneros e suas famílias.
As cirurgias relacionadas ao gênero, em particular, foram colocadas no centro das atenções. O Arizona e o Alabama aprovaram leis este ano tornando ilegal que médicos realizem cirurgias relacionadas a gênero em pacientes transgêneros com menos de 18 anos. Comentaristas conservadores com muitos seguidores nas mídias sociais recentemente atacaram hospitais infantis que oferecem cirurgias de gênero, levando a assédios online e ameaças de bomba.
Muitas pesquisas mostraram que, quando adultos, os homens transgêneros geralmente se beneficiam da cirurgia de remoção de mama: alivia o sofrimento relacionado ao corpo, aumenta a satisfação sexual e melhora a qualidade de vida geral. Alguns estudos menores com adolescentes transgêneros sugerem benefícios semelhantes no curto prazo.
Mas alguns profissionais de saúde apontaram a crescente demanda e a turbulência do desenvolvimento adolescente como razões para os médicos agirem com cautela antes de oferecer procedimentos irreversíveis. Embora os especialistas médicos acreditem que a probabilidade seja pequena, alguns pacientes chegam a se arrepender de suas cirurgias.
Não há estatísticas oficiais sobre quantos menores realizam cirurgias de remoção de mama a cada ano nos Estados Unidos. O The New York Times pesquisou as principais clínicas pediátricas de gênero em todo o país: onze clínicas disseram ter realizado um total de 203 procedimentos em menores em 2021, e muitas relataram longas listas de espera. Outras nove clínicas se recusaram a responder e seis disseram que encaminharam pacientes para cirurgiões em consultórios particulares.
Gallagher, cuja adoção incomum de plataformas como o TikTok a tornou uma das cirurgiãs de afirmação de gênero mais visíveis do país, disse que realizou 13 cirurgias de remoção de mama em menores no ano passado, em contraste com algumas há alguns anos. Um hospital, o Kaiser Permanente Oakland, realizou 70 cirurgias de remoção de mama em 2019 em adolescentes de 13 a 18 anos, contra cinco em 2013, de acordo com pesquisadores que lideraram um estudo recente.
Um campo em evolução
Na última década, o número de pessoas que se identificam como transgênero cresceu significativamente, especialmente entre os jovens americanos. Cerca de 700.000 pessoas com menos de 25 anos identificaram-se como transgênero em 2020, de acordo com o Williams Institute, um centro de pesquisa da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, quase o dobro da estimativa em 2017.
Clínicas de gênero na Europa Ocidental, Canadá e Estados Unidos relataram que a maioria de seus pacientes adolescentes estava buscando a transição de mulher para homem.
Como os seios são altamente visíveis, eles podem dificultar a transição e causar intenso sofrimento para essas adolescentes, alimentando a demanda por cirurgias de remoção de mama. Pequenos estudos mostraram que muitos adolescentes transgêneros relatam desconforto significativo relacionado aos seios, incluindo dificuldade para tomar banho, dormir e namorar. À medida que a população desses adolescentes cresceu, a cirurgia de remoção de mama foi oferecida em idades mais jovens.
Outra mudança notável: mais adolescentes não-binários estão procurando cirurgias de remoção de mama, disse a Dra. Angela Goepferd, diretora médica do Programa de Saúde de Gênero do hospital infantil de Minnesota, que é não-binária. (O programa não realiza operações, mas encaminha os pacientes para cirurgiões independentes.) Esses adolescentes podem querer seios mais planos, mas não outras características masculinas provocadas pela testosterona, como uma voz mais grossa ou pelos faciais.
Após muitos meses de deliberações sobre suas novas diretrizes, a World Professional Association for Transgender Health inicialmente decidiu endossar as cirurgias de remoção de mama para adolescentes com 15 anos ou mais, parte de um conjunto de mudanças que tornariam os tratamentos de gênero disponíveis para crianças em idades mais jovens. Mas a organização voltou atrás neste mês, depois que alguns grandes grupos médicos dos quais se esperava o apoio às novas diretrizes se irritaram com a nova idade mínima, de acordo com a Dra. Marci Bowers, cirurgiã ginecológica e reconstrutiva e presidente da WPATH, que é transgênero.
Em vez disso, as diretrizes mantiveram as recomendações anteriores, publicadas há uma década, permitindo cirurgias para menores somente analisadas caso a caso.
Pesando os riscos
Em 2018, médicos da clínica pediátrica de gênero do Hospital Infantil de Los Angeles publicaram um estudo com 136 pacientes transgêneros com idades entre 13 e 25 anos, metade dos quais havia sido submetida a cirurgias de remoção de mama. Adolescentes que não realizaram o procedimento relataram significativamente mais angústia por causa de seus seios.
Apenas uma paciente expressou sentimentos ocasionais de arrependimento, ao imaginar querer amamentar um futuro filho.
“Há pouquíssimas coisas no mundo que têm uma taxa de arrependimento de zero por cento. E na cirurgia torácica, clinicamente, eu vi isso”, disse a Dra. Johanna Olson-Kennedy, principal autora do estudo e diretora médica da clínica em Los Angeles, que começou a oferecer cirurgias em 2019.
Mas o estudo teve ressalvas: a maioria dos pacientes foi entrevistada menos de dois anos após suas cirurgias, e quase 30% não puderam ser contatados ou se recusaram a participar.
Poucos pesquisadores analisaram os chamados destransicionadores, pessoas que interromperam ou reverteram os tratamentos de gênero. Em julho, um estudo com 28 desses adultos descreveu uma ampla gama de experiências, com alguns sentindo intenso arrependimento e outros com uma identidade de gênero mais fluida.
Como tão poucos estudos analisaram a destransição, muitos médicos estão pedindo a pacientes jovens e seus pais que forneçam consentimento sem reconhecerem essas incógnitas, disse Kinnon MacKinnon, da Universidade de York em Toronto, o pesquisador que liderou o estudo, que é transgênero.
“Conheço pessoalmente muitos, muitos, muitos homens trans que se beneficiaram e estão felizes com sua transição médica e sua cirurgia de remoção de mama. Eu me colocaria nessa categoria”, disse MacKinnon. “Mas, como pesquisador, sinto que há perguntas que merecem respostas e têm implicações para o atendimento clínico”.
Jamie, uma estudante universitária de 24 anos em Maryland, foi criada como uma menina e começou a se identificar como menino transgênero na oitava série. Depois de ser agredida sexualmente e desistir da escola no primeiro ano do ensino médio, ela disse que começou a tomar testosterona. Três meses depois, logo depois de completar 18 anos, ela passou por uma cirurgia de remoção de mama em um consultório particular em Massachusetts.
Nos anos seguintes, Jamie disse, ela prosperou.
Mas quando ela tinha 21 anos, seu pai, que estava morrendo de Alzheimer, não a reconheceu mais. Ela pensou em seus quadris largos, que se destacavam ao lado de seus pelos faciais e voz grossa. Depois de um encontro em que ela fez sexo com um homem heterossexual, ela disse, ela percebeu que havia cometido um erro. Ela disse que sofreu por meses e pensou em suicídio.
Nesta primavera, depois de um ano lutando com seu plano de saúde para cobrir o procedimento, ela fez uma cirurgia para reconstruir os seios. Ela nunca disse ao cirurgião anterior que havia mudado de ideia, em parte porque também se culpava. Às vezes, ela disse: “Ainda não gosto de ser mulher”.
Muitos cirurgiões dizem que raramente ouvem falar de pacientes com arrependimento. Mas não está claro quantos, como Jamie, nunca os informam.
Um efeito assustador
Políticos republicanos em estados de todo o país estão pressionando para proibir todos os tratamentos de afirmação de gênero para adolescentes, concentrando grande parte de sua retórica em cirurgias.
Embora a maioria das novas ações estaduais contra os tratamentos ligados a gênero para menores esteja vinculada a litígios, elas tiveram um efeito assustador.
No início deste ano, um hospital infantil de Dallas fechou a única clínica pediátrica de gênero no Texas, citando pressão política do gabinete do governador. Este mês, uma mulher foi presa sob a acusação de fazer uma falsa ameaça de bomba ao Hospital Infantil de Boston depois que ele se tornou um alvo online por seu programa pediátrico de gênero. Gallagher também recebeu ameaças online e disse que poderia contratar seguranças para seu escritório.
Outras clínicas abandonaram os procedimentos agendados. William, 14, que se identifica como um menino desde criança, deveria ser atendido por um cirurgião plástico em Plano, Texas, para uma cirurgia de remoção de mama em maio. Mas o cirurgião cancelou a consulta em março porque a seguradora de negligência médica do centro médico parou de cobrir as principais cirurgias para menores.
Em agosto, William e sua família voaram para a Califórnia, pagando US$ 10.000 a mais para realizar o procedimento fora do estado.
Duas semanas depois, William começou a nona série como apenas mais um garoto na escola. Ele está ansioso para nadar sem camisa e ir para a aula sem usar uma faixa comprimindo os seios.
“É como se precisasse enterrar algo”, disse William. “Meu peito estava apenas cobrindo o que sempre esteve lá.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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