Em Nova Déli, uma vendedora de frutas cujas vendas caíram pela metade dilui o leite que ela dá às crianças. Na Turquia, uma empresa de passeios turísticos de balão a ar quente mantém seus 49 funcionários em licença coletiva e reduziu o seu salário pela metade. Em Manila, um barista de uma companhia internacional de cruzeiros marítimos se viu abandonado em casa. Em Johannesburgo, uma mãe que ganha o sustento da família fazendo trancinhas no cabelo volta praa casa de mãos vazias.
E em Buenos Aires, um motorista de táxi percorre as ruas desertas em busca de passageiros. Ele tem medo de contrair o coronavírus, e mais medo ainda de ter de devolver o táxi para reintegração de posse. “Esta situação é mais do que eu posso suportar”, afirmou. À medida que a pandemia freia a economia global de maneira impressionante, os países mais vulneráveis do mundo estão sofrendo prejuízos cada vez maiores.
Os investimentos internacionais estão fugindo dos mercados emergentes a um ritmo que não era visto desde a crise financeira de 2008, desvalorizando as moedas e obrigando as pessoas a pagar mais por bens importados, como alimentos e combustíveis. “Para os mercados emergentes, esta será tão feia, ou mesmo pior, do que a crise financeira global”, segundo Per Hammarlund, um estrategista do Grupo SEB, um banco de investimentos globais de Estocolmo. “É uma situação sombria”.
E é também uma ameaça para os destinos globais. Os mercados emergentes representam 60% da economia mundial em termos de poder aquisitivo, de acordo com o Fundo Monetário Internacional. Uma desaceleração nos países em desenvolvimento é uma desaceleração de âmbito planetário.
Da Ásia Meridional à África e à América Latina, a pandemia está colocando os países em desenvolvimento diante de uma emergência de saúde pública agravada pela crise econômica, em que cada uma exacerba a outra. As mesmas forças também atuam nas nações ricas. Mas nos países pobres – onde bilhões de pessoas vivem perto da calamidade mesmo em momentos melhores – os perigos se amplificam.
E ela se propaga porque muitos governos estão sobrecarregados de dívidas, o que limita a sua capacidade de ajudar os mais necessitados. Desde 2007, o total do endividamento público e privado nos países emergentes multiplicou, passando de cerca de 70% da produção econômica anual para 165%, segundo a Oxford Economics. A pandemia desencadeou uma inversão drástica dos investimentos internacional que estão sendo desviados dos mercados emergentes para a segurança dos títulos do governo dos Estados Unidos.
Ainda no ano passado, os mercados emergentes, China, Índia, África do Sul e Brasil, recebiam um fluxo líquido de investimentos de US$ 79 bilhões, segundo o Institute of Internacional Finance. Nos dois últimos meses, saíram destes países investimentos líquidos um total de US$ 70 bilhões líquidos. Alguns países puderam até pedir uma moratória – principalmente Argentina, Turquia e África do Sul.
“A velocidade é impressionante”, disse Sergi Lanau, vice-economista chefe do instituto. “Agora, todos os países vulneráveis agora se defrontam com uma situação realmente desafiadora”. A maioria dos economistas está convencida de que uma recessão mundial já está em andamento.
A interrupção da indústria em todo o mundo reduziu drasticamente a demanda de commodities, atingindo os produtores de cobre como Chile, Peru, República Democrática do Congo e Zâmbia, juntamente com os produtores de zinco como Brasil e Índia. Os exportadores de petróleo são suscetíveis à crise na medida em que os preços continuam baixos, pressionando Colômbia, Argélia, Moçambique, Iraque e Nigéria.
O México já estava em recessão e muitos dos empregos do país estão concentrados na produção de bens para os Estados Unidos, hoje, em um verdadeiro fechamento. Em muitas nações ricas, os governos distribuíram trilhões de dólares em gastos e crédito a fim de limitar os danos à economia. Mas nos países pobres, as pessoas que se sustentam catando ferro velho nos lixões estão sujeitos a morrer de fome se ficarem em casa.
“Alguns destes países irão passar por experiências concretas, desagradáveis com uma estratégia do tipo “vamos ter de deixar que a coisa vá”, porque não vejo de que maneira eles poderão controlá-la”, disse Gabriel Sterne da Oxford Economics. “Em uma favela de Soweto, como você poderá isolar-se? As consequências sociais de óbitos entre os mais fracos e os idosos serão simplesmente monstruosas”.
A Índia, país com 1,3 bilhão de habitantes, parece profundamente exposto. Shagun, mãe de cinco filhos em Nova Déli, estava sentada na calçada cortando em fatias a fruta que vende a condutores de riquixás. Ela racionou a comida dos filhos. “Deus não queira que tenhamos de sair do caminho, seremos obrigados a sobreviver com uma única refeição por dia”, afirmou.
A Argentina estava em perigo antes da pandemia. A sua moeda, o peso, perdeu mais de dois terços do seu valor em 2018 e 2019, quando a inflação superou os 50%. A economia encolheu 2% no ano passado. A dívida pública está perto de 90% da produção anual da economia, um evidente sinal de angústia.
Para Alejandro Anibal Alonso, motorista de táxi e pai de dois filhos, os perigos não param de aumentar. Um credor mandou um e-mail ameaçador para ele. “Os pagamentos não param por causa do coronavírus”, dizia. Alonso engoliu os seus temores e pegou um turista que chegava ao aeroporto vindo da Holanda. “Não posso dizer não a uma viagem neste momento”, ele disse.
Na Turquia, as companhias estão mergulhadas em dívidas, em grande parte em moeda estrangeira. As dívidas são o resultado da busca do crescimento a todo custo exigido pelo presidente Recep Tayyip Erdogan. Gürsel Yenilmez, fechou o seu café em Istambul. Ele cancelou as compras de azeitonas e azeite de oliva dos produtores rurais da Turquia. “Não podemos comprar mais nada deles e nem mesmo pagá-los neste momento”, afirmou.
O Quênia depende consideravelmente das importações da China. E este comércio diminuiu mais de 35% nos últimos meses. “Só ficamos sentados o dia todo na loja esperando preocupados a chegada de clientes”, disse Faisal Ali Moamed, que vende roupas femininas. Em Manila, Reynaldo Tating, está fechado em casa.
Como milhões de filipinos que trabalham no exterior, ele passa oito meses ao ano navegando pelo mundo em navios de cruzeiro, preparando coquetéis para os turistas. Agora, ele teme que a sua empregadora, uma importante operadora de cruzeiros, vá à falência. “Não sei se poderemos voltar aos nossos empregos,” afirmou. “Ou se ainda temos empregos”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA