THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Em 1989, Joan Williams, professora da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia em San Francisco, publicou uma teoria para explicar por que as mulheres que trabalhavam estavam “optando por sair” do emprego.
Segundo ela, nos empregos formais se esperava que o funcionário estivesse disponível a qualquer hora - para viajar com frequência, trabalhar até tarde ou comparecer ao escritório mesmo que o filho estivesse doente em casa ou tivesse acabado de nascer. Em outras palavras, eram empregos idealizados para homens casados com donas de casa. “Os empregadores aprendem que devem esperar essa atitude dos funcionários. Mas as mães, que devem atender também às responsabilidades do cuidado, não conseguem cumprir esse perfil de carreira, ainda que tenham diversas creches à disposição”, escreveu Williams.
A pesquisadora argumentou que, para nivelar o mercado e obter o melhor da força de trabalho, as crenças sobre o que faz um bom trabalhador deveriam ser redefinidas.
Ao longo de 30 anos, ela observou a diminuição das razões pelas quais o trabalho precisava ser feito no escritório. Os arquivos deixaram os armários e o telefone se tornou móvel, mas o modelo do “trabalhador ideal” permaneceu o mesmo que ela delineara em 1989: embora muitas empresas oferecessem opções de trabalho flexível, colocá-las em prática era visto como sinal de pouca dedicação. “Era tão frustrante que deixei o campo trabalho-família”, disse ela.
E, então, veio a pandemia. Com a recomendação de confinamento, as empresas foram forçadas a instaurar o trabalho remoto, que tem perdurado. Williams voltou a ter esperança: “Agora, o funcionário ideal, em muitos cargos, é visto como alguém que só aparece para trabalhar pessoalmente por meio período.”
As mães em particular, mas não só elas, podem ter ganhado muito com essa mudança. Alguns economistas sugeriram que o trabalho remoto contribuiu para a taxa recorde de participação de mulheres em idade ativa no mercado de trabalho. O salto para as mães de crianças pequenas foi particularmente alto, e, entre as que têm diploma universitário, ainda maior.
No fim das contas, mesmo em um casamento no qual o marido e a esposa recebem mais ou menos o mesmo salário, a mulher ainda é mais responsabilizada pelas tarefas de casa e de cuidado. E, quando o trabalho e o cuidado entram em conflito, elas tendem a retroceder. O trabalho de Claudia Goldin - que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em outubro - demonstrou que ocupações como finanças e direito pagam um prêmio por horas longas e rígidas de trabalho, o que contribui para a diferença salarial entre os sexos.
Muitos desses empregos mais exigentes se tornaram um pouco mais flexíveis na atualidade. As viagens de negócio diminuíram e todos os tipos de funcionários provavelmente já terão saído do escritório às 18h, e não só os pais que têm de buscar os filhos - o que muitos outros também gostariam de fazer.
A maior parte do debate sobre o trabalho remoto pós-pandemia questiona se ele veio para ficar. Algumas versões desse modelo parecem persistir: cerca de 70 por cento dos funcionários que conseguem exercer suas funções remotamente ainda trabalham de casa todos ou alguns dias da semana. Segundo a Conference Board, a satisfação no emprego hoje é a mais alta nos 36 anos em que a organização levanta esses dados, e é maior ainda entre os que cumprem alguma tarefa a distância.
Empresários recentemente declararam com franqueza que o trabalho remoto é “preguiçoso”, não é adequado para líderes e é uma regalia para aqueles que não “trabalham tão duro”. Se ressurgirem velhas atitudes sobre o tema, como essa, talvez não importe se as opções de trabalho híbrido forem difundidas. Afinal, elas podem “estar só fortalecendo a escada rolante invisível para os homens brancos”.
O valor da flexibilidade
No cenário macroeconômico, manter as mães no mercado de trabalho é uma ideia inteligente. “Uma economia com grande oferta de mão de obra feminina é mais propensa a contratar, e isso é bom para todo tipo de negócio”, afirmou Betsey Stevenson, professora de políticas públicas e economia da Universidade do Michigan. Isso é especialmente verdadeiro para empregos altamente qualificados, porque as mulheres possuem a maioria dos diplomas universitários.
Os executivos que não observam o cenário macroeconômico ainda têm incentivos para manter as mães no mercado - razão pela qual algumas empresas oferecem benefícios ampliados de maternidade, mesmo que não exista nenhuma exigência nesse sentido. “Eles perceberam que isso era mais barato do que perder um funcionário e ter de contratar outro”, explicou Stevenson.
Em experimentos, mães, pais e pessoas sem responsabilidades de cuidado foram menos propensas a deixar o emprego e relataram um equilíbrio maior entre vida pessoal e profissional quando tinham mais controle sobre quando e onde trabalhavam. (Os estudos divergem quanto à produtividade do trabalho em casa ou no escritório, mas a maioria dos especialistas concorda que isso depende da tarefa.) “Mas a diferença é quem realmente precisa da flexibilidade para não ter de sair do emprego”, apontou Lauren Bauer, pesquisadora da Brookings Institution e autora de uma análise sobre a alta participação histórica de mães de crianças pequenas no mercado de trabalho.
Esse aumento do emprego entre as mulheres não parece ser um efeito colateral da tentativa das mães de fazer seu trabalho e ao mesmo tempo cuidar dos filhos pequenos, como os empresários podem temer. De acordo com uma análise da Brooking Institution feita por Bauer e Molli Kinder com base em dados de 2023 da Census Household Pulse Survey, só cerca de seis por cento das mães de crianças pequenas que trabalham remotamente pelo menos uma vez por semana relatam não ter acesso a creches.
Algumas mães, como Daphne Alsiyao, que trabalha em uma organização sem fins lucrativos de educação infantil, afirmam que o trabalho remoto lhes permite ajustar os horários para que possam também cuidar dos filhos.
Geralmente, Alsiyao trabalha em casa até as 15h30, horário em que vai buscar os três filhos. Fica com eles até a hora em que vão dormir e depois volta ao computador para finalizar o trabalho. O que ela faria se não pudesse organizar o trabalho dessa maneira? “Não faço ideia”, admite.
Depois de se mudar recentemente, ela colocou o filho mais novo em listas de espera de mais de cinco creches, mas nunca conseguiu uma vaga. (Em março, ela falou sobre sua dificuldade para encontrar uma creche na Assembleia Geral da Carolina do Norte.)
Uma concepção antiga
Deixar o trabalho na hora certa para pegar as crianças ou poupar o tempo de deslocamento trabalhando alguns dias em casa era possível em muitos cargos antes da pandemia, mas era acompanhado do que a literatura acadêmica chama de “estigma da flexibilidade”. Muitas mulheres com quem conversei para esta matéria chamaram isso de “culpa”. Quem se aproveitou da flexibilidade no local de trabalho foi visto como um funcionário menos sério, o que prejudicou sua carreira.
“Depois da pandemia, as pessoas perceberam o que sempre soubemos: que posso fazer o trabalho, só que talvez não da maneira tradicional”, disse Kellie Samson, mãe de dois que trabalha na comunicação de uma universidade privada, mas que só comparece ao departamento um dia por semana.
Antes da covid, as mulheres eram mais propensas a escolher um emprego flexível, mesmo quando isso representava um custo para sua carreira. O número de pessoas negras que afirma preferir trabalhar em casa também é maior do que o de seus colegas brancos. Se passar mais tempo no escritório significa ser rotulado como mais esforçado ou conseguir melhores tarefas, a maioria dos especialistas se pergunta quem vai comparecer.
“Em princípio, você pode usar a flexibilidade para tornar as coisas mais equiparadas em matéria de gênero”, afirmou Matthias Doepke, professor da Escola de Economia e Ciência Política de Londres. Em um artigo de 2020, ele e três coautores demonstraram que os homens que podiam trabalhar remotamente, e eram casados com mulheres que não podiam, cuidavam dos filhos 50 por cento a mais do que os homens que não podiam trabalhar em casa. “Também é possível que as mulheres se beneficiem mais da flexibilidade”, acrescentou.
Nesse caso, trabalhar integralmente em casa, ou mais dias remotamente do que em um ambiente híbrido, pode se tornar uma versão atualizada da “trilha materna”. “Em relação às mulheres, os locais de trabalho híbridos vão fazer com que seja mais fácil que continuem trabalhando, mas o progresso delas na carreira vai ser mais difícil”, observou Williams.
Isso as deixa em condição melhor ou pior? “Pode gerar um reduto feminino que trabalha em casa mais que a maioria dos homens. Mas a questão é se isso é pior do que ter as mesmas mulheres só por meio período. O fato de os que trabalham remotamente poderem ser vistos como menos sérios não significa que, no geral, não seja uma melhoria”, disse Goldin.
Há limites para o que o trabalho remoto pode fazer sozinho. A maior parte das funções não pode ser exercida remotamente. Só cerca de 25 por cento dos funcionários do setor privado têm acesso a alguma licença familiar remunerada, e por volta de metade dos americanos vive em um “deserto de creches” em que a oferta não satisfaz a demanda, segundo o Centro para o Progresso Americano.
O que a pandemia fez, acidentalmente, foi tornar isso mais aceitável em alguns setores, para que o trabalho se movesse com mais fluidez em torno da vida. Ainda é muito cedo para saber o valor disso.
“Não acredito que, no fim das contas, vamos dizer: ‘Isso não é maravilhoso? Estávamos mortos e depois renascemos em um mundo onde o trabalho é mais parecido com o que sempre quisemos.’ Não passamos por isso, mas por algo que está nos aproximando”, concluiu Goldin.
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