Com suspensões e demissões na pandemia, domésticas enfrentam grave crise nos EUA

Nos EUA, cerca de 72% das profissionais perderam seus clientes na primeira semana de abril, segundo levantamento da National Domestic Workers Alliance

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Por David Segal

O dia mais assustador da vida de Maria Del Carmen começou com um telefonema que de início a animou. Nativa do México, ela trabalha há 24 anos como faxineira na Filadélfia e tinha uma dezena de clientes regulares, antes da pandemia de coronavírus. Em abril, eram três apenas. Os bancos de alimentos se tornaram fundamentais para ela e seus três filhos conseguirem comer. Para ter um dinheiro extra, começou a vender máscaras faciais feitas em sua máquina de costura.

Então, em meados de agosto, quando um casal cliente – professores da universidade da Pensilvânia com filhos – pediu para ela limpar a casa deles de novo, ela ficou muito feliz. Ninguém estava na casa quando ela chegou, o que lhe pareceu ser uma precaução sensata, de respeito as regras do distanciamento social. O que achou estranho foram três recipientes do desinfetante Lysol na mesa da sala.

Maria Del Carmenem sua casa na Filadélfia. Foto: Hannah Yoon/The New York Times

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Ela conhecia a rotina da casa, e eles nunca faziam uso de desinfetante. Maria começou o trabalho, lavando e passando a roupa. Depois de algumas horas, saiu da casa para jogar o lixo. Um vizinho a viu e perguntou, “Maria o que está fazendo aqui?”. Os professores e os filhos, disse o vizinho, tinham contraído o coronavírus.

“Fiquei aterrorizada”, ela lembra. “Comecei a chorar. Voltei para casa, tirei toda a minha roupa, tomei um banho e fui para a cama, esperando nos dias e noites seguintes pelo coronavírus”. Ela não adoeceu, mas ainda está furiosa. Aos 58 anos, e obesa, Maria se considera uma pessoa de alto risco. Por isso, jamais tirou sua máscara ao fazer a limpeza da casa naquele dia. Uma precaução que acredita ter salvo sua vida.

“Há muitas pessoas que não querem desinfetar suas casas, por isso chamam uma faxineira”, disse ela. A pandemia tem gerado consequências devastadoras para uma grande variedade de profissionais, mas as pessoas que fazem trabalho doméstico são as mais afetadas.

Cerca de 72% perderam seus clientes na primeira semana de abril, de acordo com levantamento feito pela National Domestic Workers Alliance (NDWA). As domésticas mais afortunadas continuaram a ser pagas pelos patrões. As que não tiveram essa sorte telefonaram ou enviaram mensagens para seus empregadores e não tiveram resposta. As demissões foram em massa.

“O nível de emprego estava estabilizado em 40% com base nas pesquisas dos nossos membros”, disse Aijen Poo, diretor executivo da NDWA. “Como muitas dessas pessoas são ilegais, elas não recebem nenhum tipo de ajuda do governo. Trata-se de uma crise humanitária de fato, uma situação similar à que ocorre numa Depressão para este tipo de mão de obra”.

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O infortúnio das domésticas é um exemplo das maneiras totalmente desiguais de como a pandemia vem causando sofrimento. O salário desses trabalhadores minguou, em muitos casos, porque os patrões partiram para suas casas de férias ou trabalham em casa e não querem visitantes.

Poucos empregados domésticos têm alguma poupança, muito menos ações ou títulos, o que significa que têm de lutar para conseguir alguns poucos dólares, ao passo que os seus clientes mais ricos vêm prosperando favorecidos pelo recente otimismo do mercado. Em dezenas de entrevistas, domésticas de várias cidades do país descreveram seu medo e desespero nos últimos seis meses.

Algumas disseram que seu sofrimento é aliviado por atos de generosidade, especialmente os adiantamentos para fazer trabalhos futuros. Mas muitas disseram que seu trabalho foi suspenso, ou então foram demitidas diretamente.

Banhos num cãozinho peludo chamado Bobby

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Uma delas é Vicenta, mexicana de 42 anos que vive em Los Angeles. Por dez anos ela recebeu US$ 2 mil mensais para limpar duas casas enormes em condomínios fechados em Malibu, Califórnia, incluindo várias semanas exaustivas em 2008, quando incêndios na região cobriram as casas de cinzas. Três vezes por semana ela ia às casas para limpar os pisos repletos de cinza, as janelas e, no caso de uma família, dar banho num cãozinho peludo chamado Bobby. Ela não recebeu nenhum dinheiro extra pelo tempo a mais que precisou para limpar as casas durante os incêndios.

“Eu me conformaria com um copo d'água, mas nem isto era oferecido”, afirmou. “Estava terrivelmente quente, tinha dor na boca e na garganta. Devia procurar um médico, mas não temos plano de saúde”. Mas no início de maio, as duas famílias enviaram uma mensagem para seu filho de 16 anos explicando que ela estava dispensada do serviço. Foi falado vagamente que, no futuro, talvez a chamassem de novo, mas as mensagens que enviou pedindo mais esclarecimentos não tiveram resposta.

“Isso me entristece muito”, disse Vicenta. “Meus filhos nasceram aqui, portanto eles têm direito a vales-alimentação, mas meu marido perdeu o emprego de ajudante de cozinha no ano passado e estamos com três meses de aluguel sem pagar. Não sei o que vai acontecer”. Os trabalhadores domésticos há muito tempo têm uma base de apoio extraordinariamente precária no mercado de trabalho dos Estados Unidos. Muitas pessoas ainda se referem a eles como “ajudantes”, o que soa como algo que nem chega a ser considerado uma ocupação.

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O Economic Policy Institute fez um estudo concluindo que os 2.2 milhões de trabalhadores domésticos nos EUA – grupo que inclui faxineiros, babás, cuidadores – ganham em média US$ 12,1 por hora e têm uma probabilidade três vezes maior de viver na pobreza do que outros empregados que ganham por hora. Poucos têm benefícios que são comuns a trabalhadores, como licença médica, seguro saúde, contratos formais ou proteção contra demissão sem justa causa.

A pandemia deixou à mostra não só a vulnerabilidade dessa mão de obra aos choques econômicos, mas sua falta total de poder para influir em alguma coisa. Diversas faxineiras disseram ter clientes que não permitem que alguém que teve a covid-19 limpe sua casa. Outras sabem de pessoas que só contratam alguém que já contraiu a covid, baseadas na teoria de que após sua recuperação elas não são um risco à saúde.

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E normalmente recebem instruções rigorosas sobre como usar o transporte, e são interrogadas sobre o quanto interagiram com outras pessoas. Mas não têm a mínima ideia se os patrões estão adotando as mesmas precauções - e nem, em muitos casos, se assumem as simples regras de retidão que fazem parte do emprego formal.

“Seria bom ter pelo menos dois dias de aviso prévio quando alguém cancela sua visita, ou para que você possa se programar ou ser indenizado por esse tempo”, disse Magdalena Zylinska, faxineira em Chicago que colaborou para o lobby que fez pressão para a aprovação de uma lei sobre os direitos das empregadas domésticas em Illinois, em 2017. “Acho que muitas pessoas não entendem que se eu não trabalho, não recebo, e ainda assim tenho de comprar comida, pagar contas, luz, etc.”.

Zylinska emigrou da Polônia há mais de 20 anos e ainda espera pelo dia em que terá uma semana paga de férias. O máximo que conseguiu foi em 1997, quando um casal lhe pagou US$ 900 em dinheiro, de uma só vez – pelo trabalho que acabara de terminar, e pelo trabalho futuro, além de uma bonificação de férias. “O casal me pagou, desejando-me um Feliz Natal”, disse. “Lembro-me que contei o dinheiro quatro vezes”. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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