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Na pandemia, vigaristas se aproveitam de desempregados para lavar dinheiro

'Mulas do dinheiro' são procuradas por criminosos para ajudar gangues internacionais a transferir os ganhos obtidos de forma ilegal

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Por Nathaniel Popper

Depois que o centro de fitness onde Denise Newton trabalhava fechou em abril, por causa do coronavírus ela postou o seu currículo on-line. Logo, ela recebeu um telefonema de uma companhia da qual nunca tinha ouvido falar.

A mulher que telefonava, Heies, convidava Denise a se candidatar a um emprego de “inspetora do centro de distribuição local”. Em maio, começou a receber caixas de relógios e laptops da Apple. A sua tarefa consistia em abrir as caixas, verificar o conteúdo e depois despachá-las para endereços no exterior.

Denise Newton foi contatada por uma empresa após perder o emprego, mas ela percebeu que tinha algo errado. Foto: Wes Frazer/The New York Times

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Mas havia algo errado. As caixas eram estranhamente achatadas, embora incluíssem produtos de marca. O nome nas etiquetas não era o dela. Quando começou a fazer perguntas, o seu novo empregador parou de responder. Em junho, ela denunciou a Heies ao Better Business Bureau, organização que ajuda na busca por companhias confiáveis.

Descobriu, então, que havia se tornado no jargão da policial, uma "mula do dinheiro", uma cúmplice que, consciente ou não, ajuda gangues de vigaristas internacionais a transferir os ganhos obtidos ilegalmente. No caso dela, os vigaristas compravam os produtos nos Estados Unidos com dinheiro roubado e depois os despachavam - usando intermediários que desconheciam de que se tratava, como ela, para disfarçar o seu envolvimento - para localidades no exterior onde os produtos poderiam ser revendidos, à vista.

“Eles me pegaram no momento perfeito”, disse Denise, 24, que morava com os pais em Birmingham, Alabama. “Eu era justamente uma daquelas pessoas desesperadas à procura de emprego”.

Desde o início da pandemia em março, o número de tramas criminosas que dependem de uma "mula do dinheiro" aumentou, quando muitas pessoas que perderam o emprego se tornaram presa fácil da exploração. O volume de armações cresceu rapidamente, em parte por criminosos que procuram tirar dinheiro do governo dos Estados Unidos - especificamente, os programas de benefícios, criados para ajudar as pessoas e os negócios prejudicados pela crise econômica induzida pela pandemia, afirmam as autoridades.

No total, esquemas de recursos humanos on-line, em que criminosos fingem ser empregadores em potencial, aumentaram 295% em relação a um ano atrás, enquanto o aumento dos que são usados para lavagem de dinheiro foi de nada menos que 609%, segundo a empresa de segurança ZeroFox.

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Muitas pessoas que perpetram estas fraudes estão sediadas no exterior, segundo as autoridades, por isso precisam despachar o dinheiro para o seu país. Nos últimos anos, bancos e autoridades tornaram mais difícil lavar dinheiro por meio dos canais financeiros tradicionais. De maneira que agora estes criminosos se dedicam cada vez mais à caça de um número maior de potenciais "mulas do dinheiro", enquanto o mesmo número de pessoas desempregadas procura uma ocupação.

“Isto está crescendo por causa do ambiente atual”, disse Robert Villanueva, um ex-agente do Serviço Secreto que atualmente trabalha com a inteligência para crimes cibernéticos com a empresa de segurança Q6 Cyber. “É algo que ficou difícil de evitar”.

As "mulas do dinheiro" não são um fenômeno novo, ocorre que cresceu muito, assim como as fraudes on-line nas duas últimas décadas. Alguns pessoas ingressam no negócio sabendo tratar-se de coisa ilegal. Os anúncios que procuram "mula do dinheiro" na chamada darknet, um ponto anônimo da internet, popular entre os criminosos, muitas vezes admitem o aspecto ilegal do trabalho.

“Olá, preciso de um excelente carregador profissional de contas bancárias para negócios a longo prazo”, dizia um anúncio em maio, mostrado pela empresa de pesquisa da darknet, Flashpoint.

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Entretanto, sete pessoas que se tornaram "mulas do dinheiro" durante a pandemia disseram ao jornal The New York Times que não desconfiaram do que os seus chamados empregadores pretendiam quando começaram a trabalhar. Muitas haviam perdido recentemente o emprego e precisavam pagar as contas. Para evitar a exposição ao coronavírus, também procuravam empregos para trabalhar em casa, exatamente o que muitos pilantras querem de uma "mula do dinheiro".

Alma Sardas, 21, foi posta em licença do emprego em um hotel em Fort Worth, no Texas, e, então, ela viu uma lista de empregos no site ZipRecruiter anunciando uma oportunidade de trabalhar em casa como “assistente virtual” para um empresário em Hong Kong.

Alma fez várias entrevistas e falou com um homem, Hermann Ziegler, que se apresentou como o seu chefe. Quando foi contratada, recebeu um cheque de US$ 4.590 para depositar em sua conta bancária. Disseram-lhe que poderia usar uma parte do dinheiro para os seus gastos, e enviar o restante de sua conta para os novos vendedores do seu empregador.

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Alma desconfiou do motivo pelo qual o dinheiro teria de passar por sua conta bancária, e chamou a polícia local. Então ficou sabendo de que, por pouco, não foi apanhada em uma clássica trama de lavagem de dinheiro.

“Você é sincera e estas pessoas acabam se aproveitando disso”, afirmou, acrescentando que havia rasgado o cheque e denunciou o incidente ao Zip Recruiter. Este disse que retirou imediatamente o post sobre o emprego.

As tramas que usam "mulas do dinheiro" são variadas. Algumas pessoas que se tornam mulas são vítimas de fraudes de romances on-line que fazem transferências bancárias e eletrônicas para indivíduos que, segundo acreditam, se preocupam com elas. Outras, como Alma, são solicitadas a usar suas contas bancárias pessoais para fazer transações financeiras em nome de seus novos empregadores. Denise foi envolvida no conhecido esquema de reenvio, em que os fraudadores compram bens com o dinheiro roubado e depois usam as mulas para mandar o produtos para o exterior. Onde podem ser revendidos.

Além dos relógios e laptops da Apple, Denise disse que também recebeu itens estranhos, como um pacote de esponjas e um balde de lixo.

Quando ela denunciou a Heies ao Better Business Bureau, os números e os emails que a companhia usara haviam desaparecido. Seu site também havia sido retirado. Os criminosos contra os quais foram apresentadas outras queixas on-line não foram presos.

“Estou apavorada porque posso ter sangue em minhas mãos por estar no meio de uma fraude e também no meio de uma pandemia”, disse Denise. “Eles se aproveitaram totalmente da minha situação vulnerável”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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