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Para conhecer melhor a gripe aviária, pesquisadores passam o dia em uma praia muito suja

O vírus H5N1 representa ‘uma grande ameaça desconhecida’ tanto para pássaros quanto para humanos. Entender e impedir isso começa com a coleta de excrementos

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Por Alex Marshall

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Foi um dia glorioso para o trabalho de campo nas margens da Baía de Delaware. O sol do final da tarde lançava um brilho quente sobre a praia levemente inclinada. A maré baixa revelava um punhado de conchas. A relva da duna farfalhava com a brisa. As vinhas da praia estavam em flor. E os excrementos dos pássaros eram frescos e abundantes.

Patrick Seiler, pesquisador do St. Jude Children's Research Hospital em Memphis, coletou excrementos de pássaros para testar a gripe aviária em Maurice River, Nova Jersey. Foto: Hannah Beier/The New York Times

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“Aqui está uma”, disse Pamela McKenzie, pesquisadora do St. Jude Children’s Research Hospital em Memphis, Tennessee, apontando o dedo enluvado para uma pequena mancha branca e depois para outra. “Aqui tem uma e outra, e mais uma.”

Nas duas horas seguintes, McKenzie e seus colegas rastejaram ao longo da costa, recolhendo excrementos de aves. Seu objetivo: ficar um passo à frente da gripe aviária, um grupo de vírus adaptados a aves que os especialistas há muito temem que possa evoluir para se espalhar facilmente entre os humanos e potencialmente desencadear a próxima pandemia.

Toda primavera, esta parte do sul de Nova Jersey se torna um ponto importante da gripe aviária. Aves limícolas voando para o norte pousam nas praias locais para descansar e reabastecer, excretando vírus ao longo do caminho. E todos os anos, nas últimas quatro décadas, cientistas do St. Jude voam para a cidade para coletá-los.

O trabalho requer paciência - esperar que os movimentos dos pássaros e os movimentos das marés se alinhem - olhos aguçados e joelhos resistentes, robustos o suficiente para suportar horas arrastando-se e agachando-se ao longo das costas às vezes acidentadas. “Elas não são boas praias de areia”, disse Lisa Kercher, membro da equipe do St. Jude. “São praias espessas, lamacentas e nojentas, cheias de cocô de pássaros.”

Mas essas praias cobertas por excrementos estão ajudando os cientistas a aprender mais sobre como a gripe aviária evolui, como ela se comporta na natureza e o que pode ocorrer para que esses vírus aviários se tornem uma ameaça global à saúde pública. Essas questões científicas, que guiaram a equipe do St. Jude por décadas, tornaram-se ainda mais urgentes à medida que os Estados Unidos enfrentam o maior surto de gripe aviária da história, causado por uma nova versão altamente patogênica de um vírus conhecido como H5N1.

Coletando amostras de fezes de pássaros da praia para testar a gripe aviária. Foto: Hannah Beier/The New York Times

Em junho, a costa sul de Nova Jersey se enche de famílias em férias, com seus guarda-sóis coloridos brotando na areia.

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Mas em maio, as praias são dos pássaros. Centenas de milhares de aves limícolas migratórias e gaivotas fazem paradas aqui a caminho de seus locais de reprodução de verão, algumas chegando, sujas e esgotadas, após dias de longas jornadas da América do Sul. “Elas precisam desesperadamente repor o peso”, disse Lawrence Niles, um biólogo da vida selvagem que lidera projetos locais de conservação de aves limícolas por meio de sua empresa, a Wildlife Restoration Projects.

Felizmente, os pássaros chegam no momento em que hordas de caranguejos-ferradura se arrastam para a costa, pondo ovos aos milhares. As aves podem passar duas semanas devorando os ovos verdes gelatinosos, “quase dobrando seu peso corporal”, disse Niles. Durante esse tempo, elas cobrem as praias, se misturam com os pássaros locais e, como crianças em uma sala de aula superlotada, passam gripe umas às outras.

Aves aquáticas selvagens - incluindo patos, gaivotas e aves limícolas - são os reservatórios naturais dos vírus influenza A, que vêm em uma variedade de subtipos. Geralmente, as aves selvagens carregam versões relativamente benignas desses vírus, que representam pouca ameaça imediata para as aves ou pessoas. Mas os vírus da gripe podem mudar rapidamente, acumulando novas mutações e trocando material genético. Essas mudanças podem transformar, e às vezes transformam, um vírus sem importância em um vírus letal, como a versão do H5N1 que está circulando atualmente.

Na maior parte do tempo, a gripe circula em aves limícolas e gaivotas em níveis baixos, muitas vezes aparecendo em menos de 1% das amostras. Mas na Baía de Delaware em maio e início de junho, ela explode, passando facilmente de pássaro para pássaro. Ao longo dos anos, a equipe do St. Jude a encontrou em 12% de suas amostras, em média, embora esse número tenha subido para 33%. Eles encontraram quase todos os subtipos de influenza A, além de novas misturas, que podem surgir quando um animal é infectado por mais de uma versão do vírus ao mesmo tempo.

Pedras giratórias vermelhas ao longo da praia do rio Maurice. Foto: Hannah Beier/The New York Times

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Para ficar de olho no que está circulando, os cientistas do St. Jude trabalham em estreita colaboração com Niles e seus colegas, que usam a parada da primavera como uma oportunidade para avaliar a saúde das aves limícolas, que enfrentam uma variedade de ameaças, desde a mudança climática até a colheita excessiva de caranguejos-ferradura. Niles e sua equipe normalmente vão primeiro às praias para contar, capturar, examinar e marcar os pássaros. Eles então retransmitem o paradeiro dos pássaros para a equipe de limpeza que caça a gripe. “Vamos sair e recolher o cocô”, disse Kercher.

A nova cepa H5N1 apareceu pela primeira vez na América do Norte no final de 2021 e se espalhou rapidamente por todo o continente. Isso levou à morte de quase 60 milhões de aves de criação, matou dezenas de aves selvagens e até abateu alguns mamíferos azarados, de raposas vermelhas a focas cinzentas.

A equipe do St. Jude não encontrou vestígios de H5N1 na Baía de Delaware na última primavera. Mas, na época, o vírus ainda não havia chegado aos locais de invernada das aves limícolas na América do Sul. Nesta primavera, ele já tinha chegado, o que significa que os pássaros poderiam trazê-lo de volta com eles. “Estamos absolutamente preocupados que ele apareça”, disse Kercher.

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Assim, os cientistas dobraram sua vigilância, com o objetivo de coletar 1.000 amostras fecais em vez das 600 amostras padrão. Eles começaram a descer pela praia, olhando para baixo enquanto procuravam as manchas brancas certas. Nem todo excremento serviria; tinha que ser excremento fresco, de preferência de vira-pedras e seixoeiras, outra espécie da mesma família. Os cientistas tornaram-se bons em diferenciar os dois tipos de excrementos. “Os das vira-pedras são principalmente sólidos”, disse McKenzie. “Os das seixoeiras são mais esparramados.”

Eles guardaram as amostras em um pequeno refrigerador de plástico, do tipo que um veranista poderia trazer para essas mesmas praias. Mais tarde, as amostras seriam enviadas de volta ao laboratório em Memphis para testes e análises.

Se o vírus aparecer nas amostras da Baía de Delaware deste ano, será mais um sinal de que o H5N1 está se tornando cada vez mais arraigado na América do Norte. Também pode significar problemas para algumas das aves limícolas, especialmente as seixoeiras, cujos números caíram vertiginosamente nas últimas décadas. Para essas aves, o H5N1 é “uma grande ameaça desconhecida”, disse Niles. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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