THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Quatro dias antes que chegassem a Nova York, logo depois do lançamento de seu terceiro álbum e pouco antes do Grammy e da próxima etapa de sua turnê mundial, os quatro membros do Måneskin, a banda italiana com nome dinamarquês que ganhou reconhecimento global depois de vencer o Eurovision em 2021, casaram-se em Roma. Entre si.
Todos usavam branco: o cantor Damiano David, de 24 anos, de smoking, colete e brincos de argola; a baixista Victoria De Angelis, de 22, de véu de renda, top drapeado, calças e luvas de ópera; o baterista Ethan Torchio, de 22, de saia rodada, gargantilha de renda, véu de tule e mais luvas; e o guitarrista Thomas Raggi, de 22, de cartola branca e casaca comprida. Cada qual segurava um buquê de rosas vermelhas. Machine Gun Kelly compareceu, além do cineasta Baz Luhrmann.
Alessandro Michele, ex-diretor criativo da Gucci, oficiou “em nome de Apollo, Elvis e Jimmy Page” - sem falar da promoção global para todos os envolvidos. (Não é poliamor; são apenas grandes amigos.) E assim a relação entre a moda e o rock foi consagrada mais uma vez.
Na verdade, isso não era pressa para casar (mesmo que Rush! seja o nome do novo álbum do Måneskin). As duas indústrias estão entrelaçadas há décadas, mas raramente uma banda jovem usou a moda para amplificar e estender sua mensagem com tanto aplauso e admiração quanto o Måneskin. Desde o momento em que estourou na cena global em Roterdã, nos Países Baixos, parecendo um cruzamento de Jimi Hendrix e Abba e cantando Zitti e Buono, a banda se tornou sinônimo de um tipo particularmente alegre de deidade do rock.
Isso se deve em parte à sua onipresença ao longo do ano: mais de seis bilhões e meio de streams no Spotify; tocaram no Coachella, no Saturday Night Live e na campanha #StandUpForUkraine; abriram um show dos Rolling Stones; colaboraram com Iggy Pop e com Tom Morello, do Rage Against the Machine; contribuíram com uma canção para a trilha sonora de Elvis e se apresentaram no MTV Video Music Awards, no qual a banda foi indicada a três prêmios, ganhou um e De Angelis experimentou um mau funcionamento do guarda-roupa durante sua performance que viralizou e se tornou uma espécie de “cause célèbre”.
Os integrantes da banda, que tocam juntos desde a adolescência e ainda falam como crianças brincando no porão de casa, passaram algum tempo discutindo roupas, música e o que virá a seguir. (A conversa foi condensada e editada em nome da clareza.)
Vocês se surpreendem com o fato de suas roupas terem se tornado um assunto tão discutido?
Victoria de Angelis: O que estamos fazendo é muito diferente da norma italiana ou de como a Itália é frequentemente representada. Por isso, acho que, de alguma forma, está causando um grande impacto, goste-se ou não.
Damiano David: Nossas roupas são como um outdoor que diz: “Estamos aqui. Olhem para nós.” É uma maneira de deixar nós mesmos e nossa mensagem mais legíveis e mais impactantes. Sempre tivemos a visão de que, para isso, precisaríamos prestar atenção em tudo - não só na música, mas em nossa aparência, na maneira como usamos as mídias sociais e como tocamos, o que tocamos, onde tocamos. Nossa atitude.
Então vocês se vestem assim desde o início?
VA: Acho que isso nos ajudou a desenvolver nossa personalidade como uma maneira de nos fortalecermos. Especialmente vivendo em Roma, no bairro onde crescemos. Tudo é muito conservador. No ensino médio, todo mundo nos olhava como se fôssemos aberrações porque brincávamos e nos vestíamos de um jeito estranho. Se você vai a Londres ou Berlim, ninguém liga para o que você está vestindo. Mas se, em Roma, um menino anda na rua usando maquiagem ou coisa parecida, parece que as pessoas estão vendo o diabo.
Thomas Raggi: Quando nos conhecemos, Ethan era realmente hippie, tranças, tie-dye, meias, sandálias.
Ethan Torchio: Arco-íris. Eu gostava muito de arco-íris.
VA: Tive fases diferentes. Passei por uma fase punk e dark gótica, daí fiquei muito hippie e depois muito camp, muito excêntrica. Muitas cores e outras coisas.
TR: Descobri essa coisa de estilo muito tarde. No começo, eu era um adolescente normal com casaco de moletom e jeans. Mas, nos últimos dois anos, segui em direção completamente oposta: ternos dos anos 1970 e coisas assim.
DD: Antes de tocar na banda, eu jogava basquete. Gostava de esporte.
VA: No começo, encorajei os caras para que fossem mais loucos. Eu me lembro da primeira vez que estava todo mundo junto na minha casa tocando, e eles disseram: “Talvez fosse legal usar delineador, mas pode ser um negócio muito louco.” E fiquei tipo: “Não! Vamos usar! Quem se importa?” No início, eles só precisaram de um empurrãozinho. Mas, depois, todo mundo começou a se divertir muito com isso, e a gente se desenvolveu em conjunto. Era como se estivéssemos construindo essa imagem na cabeça de quem queríamos ser e o que queríamos fazer.
Como isso mudou ao longo do tempo?
DD: Quando a gente tocava na rua, era preciso ficar visível, fazer barulho, atrair as pessoas. Portanto, acho que foi mais ou menos aí que começou.
TR: A gente costumava ir a lojas vintage, comprar coisas e juntar o maior número possível de peças. Tipo pavões se exibindo para a multidão. Eu me lembro de achar uma jaqueta de couro legal que tenho até hoje.
ET: Lojas vintage e também o mercado de rua de domingo, aonde você chega lá pelas cinco da manhã.
VA: Quando entramos no X Factor italiano em 2017, foi uma grande mudança. Tivemos acesso a todas essas fantasias e roupas malucas. Foi então que começamos a ser mais ousados, com látex, mais reveladores, mesmo que tivéssemos muito mau gosto na época. Ser conservador sempre nos irritou bastante. Portanto, a mensagem era: “O.k., somos assim e não nos importamos com sua crítica.” Depois, quando começamos a trabalhar com a Gucci, alcançamos outro nível e tivemos a chance de criar vários looks específicos. Conseguimos realmente libertar nossa criatividade.
O que vocês buscam em seus figurinos?
DD: Gosto de formas simples. Acho que, principalmente porque tenho de cantar, meu peito e minha barriga precisam se movimentar, senão fico sem oxigênio. O modo como me visto reflete o tipo de pessoa que sou, porque existem mais coisas de que não gosto do que coisas de que gosto. E é por isso que meu guarda-roupa tem só quatro cores. É exatamente assim que vivo minha vida. Gosto de quatro a dez pessoas e de quatro cores: preto, branco, marrom e verde militar. Nada mais.
ET: Eu gosto mesmo é de ficar pelado.
TR: A maneira como me visto está muito ligada a como me sinto. Se você toca uma balada usando todas essas coisas estranhas, não vai ser muito confortável. Para compor, tenho de me vestir de modo específico, porque quero vibrações diferentes.
VA: Desenhamos nossas roupas em conjunto com a Gucci. Por isso, de fato pudemos propor um monte de ideias, com todas as nossas referências e as bandas que amamos. Queríamos falar de todas essas linhas do que é considerado feminino ou masculino e misturá-las, normas de gênero e estereótipos sobre o corpo, especialmente o corpo da mulher sendo muito mais sexualizado. Tocamos no VMA, e foi um grande escândalo quando meu peito apareceu, mesmo que a bunda de Damiano estivesse literalmente exposta e todos os meninos estivessem sem camisa. A melhor parte é quando as pessoas nos dizem: “Você me deu coragem para eu me vestir do jeito que eu queria. Antes, eu tinha muita vergonha.”
DD: Tem a ver com liberdade. O que a Gucci fez foi meio que quebrar as regras: ‘Essa coleção é destinada às mulheres, por isso só as mulheres podem usá-la, e é assim que você tem de construir uma roupa’ - e blá-blá-blá. Sentimos que isso realmente está relacionado com o que estamos tentando fazer com nossa música.
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