PUBLICIDADE

As pítons, invasoras e famintas, estão se dirigindo para o norte da Flórida

Estudo do Serviço Geológico dos EUA chamou o problema das pítons enfrentado pelo Estado de ‘um dos mais intrincados casos de gestão de espécies invasoras em todo o mundo’

PUBLICIDADE

Por Patricia Mazzei

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE – Foram em vão todos os esforços para retardar a proliferação de pítons birmanesas em Everglades, na Flórida, nas últimas duas décadas, incluindo contratação de pessoal, voluntários treinados e uma caça anual que atraiu participantes de lugares tão distantes quanto a Letônia: as cobras gigantes estão seguindo para o norte, alcançando West Palm Beach e Fort Myers e ameaçando extensões cada vez maiores do ecossistema.

PUBLICIDADE

Essa foi uma das poucas conclusões definitivas em um estudo científico abrangente sobre as pítons publicado no mês passado pelo Serviço Geológico dos EUA, que destacou a dificuldade de conter as cobras gigantes desde que foram documentadas pela primeira vez como uma população estabelecida no Estado, em 2000.

Pouco se sabe sobre o tempo em que as pítons birmanesas vivem na natureza na Flórida, com que frequência elas se reproduzem e, especialmente, quanto a população de pítons do Estado cresceu, de acordo com o estudo, que chamou o problema das pítons de “um dos mais intrincados problemas de gestão de espécies invasoras em todo o mundo”.

Lince ataca ninho de píton próximo da reserva de Everglades; há poucas estatísticas confiáveis sobre esses animais Foto: U.S. Geological Survey/The New York Times

Também não se sabe exatamente como elas viajam. O estudo teorizou que a extensa rede de canais e diques do sul da Flórida “pode facilitar o movimento de longa distância das pítons”, embora sugerisse que deslizar e nadar para locais ao norte pode demorar um pouco.

“Uma píton transitou continuamente por 58,5 horas e viajou 2,43 quilômetros em um único dia”, disse o estudo a respeito de uma cobra seguida por meio de rastreamento por rádio.

Mais pesquisas devem ser realizadas para desenvolver e avaliar novas ferramentas para erradicar as pítons e melhorar as existentes, concluiu o estudo, acrescentando que controlar a propagação da espécie é fundamental para proteger Everglades. Estudos anteriores descobriram que as pítons birmanesas, que são predadoras não nativas originárias do Sul da Ásia, dizimaram espécies nativas, incluindo aves pernaltas, coelhos do pântano e veados de cauda branca.

As pítons encontradas na Flórida mediram mais de 4,5 m e pesaram mais de 90 kg, segundo o estudo; mesmo os filhotes podem ter mais de 0,5 m de comprimento.

Publicidade

A propagação voraz das pítons é ainda mais alarmante, considerando os bilhões de dólares que o Estado e o governo federal gastaram na restauração de Everglades, observou o estudo, chamando as espécies invasoras de “uma das maiores ameaças ao sucesso da restauração”.

A Flórida, com seu clima subtropical, numerosos portos de entrada e um prolífico comércio de animais vivos, tem pelo menos 139 espécies invasoras estabelecidas, o que significa que elas estão se reproduzindo na natureza, de acordo com a Comissão Estadual de Conservação de Peixes e Vida Selvagem. Mais de 500 espécies não nativas foram relatadas no Estado ao longo do tempo.

As pítons, como iguanas invasoras, são conhecidas por emergir ocasionalmente de vasos sanitários no sul da Flórida; o estudo observa que, embora as pítons birmanesas tenham sido vistas principalmente dentro e ao redor do Parque Nacional Everglades e em outros pântanos, muitas também foram encontradas em Naples e nos arredores ocidentais de Miami.

Uma vez por ano, a Comissão de Conservação de Peixes e Vida Selvagem realiza uma caça às pítons aberta ao público, desafiando as pessoas a encontrar e remover o máximo de cobras que puderem. Os participantes devem fazer um curso de treinamento on-line ou presencial sobre como matar pítons de forma humanizada usando os métodos mecânicos adequados, como uma arma de choque, ou manuais, como facas de caça, já que a caça não permite o uso de armas de fogo. O vencedor do ano passado levou para casa US$ 10.000 por caçar 28 pítons.

PUBLICIDADE

Dustin Crum, que caça pítons há uma década, levou para casa US$ 1.500 por capturar a maior cobra da competição, com 3 metros. Ele venceu na mesma categoria em 2021 depois de pegar uma com 4,5 m.

“Começamos fazendo isso como um hobby e simplesmente não podíamos acreditar que poderíamos pegar cobras gigantes como aquela na natureza”, disse Crum, de 42 anos, que agora caça pítons em tempo integral. O Estado paga aos caçadores US$ 50 pela unidade de medida de um pé (cerca de 0,3 m) para os primeiros 4 pés de cobra e US$ 25 para cada pé subsequente, ele disse, bem como um valor por hora. Fora da competição pública patrocinada pelo Estado, Crum usa armas para matar as cobras. “Eu faço uma pequena oração: ‘Ei, não é culpa sua’”, ele disse.

Às vezes, os cientistas pedem para trazer as pítons vivas para que possam ser rastreadas. Caçadores como Crum colocam-nas em caixas de depósito adequadas durante as caçadas noturnas e enviam um e-mail aos pesquisadores para que venham buscá-las pela manhã.

Publicidade

As pítons se tornaram animais de estimação exóticos populares nos Estados Unidos na década de 1970. Algumas acabaram ficando tão grandes que seus donos as soltaram na natureza. Em 2000, os cientistas documentaram várias gerações de pítons vivendo em uma área geográfica relativamente grande em Everglades e na ponta sul da Flórida.

Em alta
Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

A percepção de que as pítons estavam se reproduzindo extraordinariamente e quase acabando com as espécies nativas ajudou a criar regulamentações que restringem a importação e a propriedade de pítons. Mas já era tarde demais para impedir sua propagação.

Detectar pítons, que gostam de se esconder em pântanos e prosperar em habitats remotos, é tão desafiador que os especialistas não sabem quantas existem na Flórida, embora estimem que existam pelo menos dezenas de milhares. Mais de 18.000 foram removidas desde 2000, incluindo 2.500 em 2022, de acordo com a Comissão de Conservação de Peixes e Vida Selvagem.

Embora as pítons tenham sido vistas no Parque Nacional Everglades, muitas também foram encontradas próximas de Miami Foto: Scott McIntyre/The New York Times

Melissa Miller, do Instituto de Ciências Alimentares e Agrícolas da Universidade da Flórida, está ajudando a liderar um projeto de remoção de pítons em larga escala que também espera ter uma noção melhor da abundância das cobras, colocando rastreadores em mais delas e medindo a reprodução de mais fêmeas. (Ela também faz parte de uma equipe de especialistas da universidade, conhecida como “Croc Docs”, que pesquisa a vida selvagem no sul da Flórida e no Caribe.) Outra parte do projeto usará drones para rastrear várias pítons ao mesmo tempo. Algum dia, uma ferramenta de biocontrole genético pode surgir para ajudar a suprimir a população, ela disse.

“Não temos uma estimativa confiável de quantas estão por aí”, disse Miller. “Elas são uma espécie de alerta para não libertar animais de estimação, para garantir que você denuncie imediatamente espécies invasoras.” A Flórida possui uma linha direta para isso: 888-IVE-GOT1.

As pítons são tão grandes que não são facilmente mantidas em locais para estudá-las. O estudo do USGS (Serviço Geológico dos EUA) sugeriu a construção de um centro de pesquisa para realizar testes em cativeiro e em pequena escala.

No final de 2021, uma equipe da Conservancy of Southwest Florida encontrou provavelmente a maior píton birmanesa já registrada no Estado: uma fêmea de 97 Kg com 122 ovos dentro dela.

Publicidade

“Isso ajuda a visualizar o que ela comeu, em quilos de vida selvagem nativa, para chegar a isso”, disse Ian Bartoszek, gerente de projetos de ciências ambientais do grupo.

Bartoszek disse que as pítons se adaptaram ao longo do tempo à Flórida, com as mais próximas da costa se comportando de maneira ligeiramente diferente das do interior. Mas as espécies nativas também se adaptaram, e os filhotes de píton agora têm alguns predadores: cobras, crocodilos e pelo menos um lince que foi visto pela câmera atacando uma ninhada de ovos de píton.

“O Everglades”, disse Bartoszek, “está reagindo”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.