Nos seus caiaques, os homens passaram pelos ramos verdes, inspecionando a planta carnívora. Até o fim do dia, o grupo encheu oito frascos com Aldrovanda vesiculosa, vegetal também conhecido como roda d'água. A planta não deveria estar nesse pequeno lago de Orange County, Nova York, e representa um enigma ecológico.
Em todo o mundo, a roda d'água está se extinguindo. Mas, entre o verão e o fim do inverno, essa planta sem raízes é encontrada em grandes números nesse lago pantanoso. “Não sei se é o marco zero da salvação de uma espécie", disse o biólogo Michael Tessler, do Museu Americano de História Natural, que pilotava um dos caiaques, “ou o marco zero de um imenso problema".
A roda d'água se alimenta de ostracoda, crustáceos sem casca, larvas de insetos, girinos e pequenos peixes. Quando uma presa toca em uma das armadilhas da planta, esta se fecha. Até recentemente, a planta era encontrada flutuando em lagos e reservatórios da Austrália, Ásia, África e Europa. Nos 150 anos mais recentes, quase 90% do seu habitat desapareceu, e seu status de sobrevivência aparece como extinto ou sem verificação em pelo menos 32 dos 43 países onde a espécie é encontrada naturalmente.
Em 2013, o ecologista Adam Cross, da Universidade Curtin, na Austrália, viajou até a Virgínia para estudar uma população recém-estabelecida de mais de 25 milhões de rodas d'água, que na época representavam mais do que toda a população restante no mundo somada. Na Virgínia, a roda d’água é listada entre as espécies mais invasivas, uma potencial ameaça para peixes e plantas locais. Em Nova Jersey a espécie está na lista de espécies invasivas perigosas, e é considerada invasiva também em Nova York.
Alguns botânicos enxergam as rodas d'água da região como sinal de esperança para a sua sobrevivência global. Outros especialistas tentam entender como uma espécie ameaçada pode ser também uma ameaça. A roda d'água não está sozinha na vida dupla de vítima ecológica e ameaça ambiental. No Sudeste Asiático, a píton birmanesa foi quase eliminada, mas, na Flórida, para onde foram importadas como animais de estimação, as autoridades lutam para impedir que as cobras dizimem as populações locais de animais.
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Nos Grandes Lagos dos Estados Unidos, os preservacionistas combatem a invasiva lampreia-marinha, pescada até o fim no sudoeste da Europa, seu hábitat original. E uma grande mamangava que está desaparecendo da Grã-Bretanha começou a vencer os rivais nativos na polinização na Argentina. Será possível reconciliar a ideia aparentemente paradoxal de uma espécie que está ao mesmo tempo na lista das ameaçadas de extinção e na de espécies invasivas? “É como um paradoxo perfeito", disse Cross.
A roda d'água fez sua estreia americana em meados dos anos 1970, após trocas entre cultivadores japoneses e americanos. Cultivadores da Virgínia introduziram plantas japonesas aos lagos. Já no fim dos anos 1990, as rodas d'água transplantadas para a Virgínia tinham se consolidado em populações bem estabelecidas. Mais ou menos nessa época, Richard Sivertsen, cultivador de plantas carnívoras, decidiu trazê-la a Nova Jersey e Nova York. O filho dele, Kevin, disse, “Ele temia muito uma extinção da planta, que desapareceria da face da terra".
Os biólogos não sabem como a roda d'água se difunde. Tampouco sabem do que exatamente ela se alimenta nas águas locais, algo que ajudaria a quantificar a ameaça representada por ela, se é que existe alguma. Em um estudo de 2013 na Virgínia, os pesquisadores identificaram que as rodas d'água conseguem caber à razão de 1.260 fios por metro quadrado.
Mas a equipe concluiu que elas não estavam concorrendo com plantas aquáticas nativas. Entretanto, Cross destacou que uma população de milhões de fios poderia ameaçar invertebrados e outros animais. Em 2015, outro estudo na Virgínia alertou que, em um único ano, a espécie saiu do sítio de 27 acres e passou para os 155 acres de pântano abertos para atividades recreativas de pesca e navegação, atividades que podem levar a espécie a se espalhar ainda mais.
Em 10 países europeus, os cientistas tiveram sucesso ao reintroduzir a Aldrovanda em locais de onde a planta tinha desaparecido, disse o ecologista Lubomír Adamec, do Instituto de Botânica da Academia Checa de Ciências. Os cientistas também transplantaram a roda d'água para quatro países onde ela não aparecia naturalmente: Suíça, Alemanha, República Checa e Países Baixos.
Adamec disse que ele e outros pesquisadores europeus acreditam que o resgate de espécies ameaçadas vai depender cada vez mais de transplantes desse tipo. Isso ainda parece uma aposta para as autoridades que administram a vida silvestre nos EUA, para quem a prevenção antecipada é mais barata do que administrar uma invasão.
Depois que a roda d'água se estabelece, as opções de gestão são limitadas. Ainda que a coleta manual seja possível, basta um ou dois indivíduos para dar início a uma nova população. A alternativa é um herbicida que mata todas as plantas da área. Os especialistas sugeriram que a planta seja acompanhada, mas deixada em paz. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL