THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Lina Hidalgo, jovem democrata com um futuro promissor, eleita para ocupar o cargo de maior autoridade no condado de Harris, o mais populoso do Texas, surpreendeu muita gente no verão setentrional passado quando anunciou que se internara em uma clínica residencial de saúde mental porque sofria de uma depressão grave.
Ela vinha sofrendo em silêncio havia anos, mesmo quando liderou de maneira assertiva a resposta de Houston à pandemia do coronavírus e ajudou os moradores de todo o condado a lidar com enchentes e um inverno rigorosíssimo.
Então, seu estado mental piorou durante uma luta brutal pela reeleição em 2022. Seus assessores sabiam que algo estava errado - ela faltou a eventos de campanha e não passava tempo suficiente com os membros da equipe -, mas poucos sabiam até que ponto a situação tinha se tornado crítica. “Eu me lembro de sentir um ímpeto suicida e de dizer a David, meu namorado, e ao meu terapeuta na época: ‘Temos de fazer alguma coisa’”, revelou Hidalgo.
Desde que voltou de quase dois meses de tratamento na clínica, Hidalgo tem falado aberta e frequentemente sobre sua saúde mental, tornando suas lutas uma parte cada vez mais central de sua identidade política.
Em uma longa entrevista ao The New York Times ela falou francamente sobre sua depressão, a decisão de buscar tratamento e o trauma por ter sofrido abuso sexual na infância, tema que raramente mencionava. “Quanto mais falarmos sobre isso, mais vamos ajudar outras pessoas.”
Hidalgo, de 32 anos, adicionou seu nome a uma lista cada vez maior de políticos - a maioria democratas - que decidiram falar publicamente sobre sua saúde mental. Ela disse que se beneficiou pessoalmente dessa exposição, inspirada pelo senador John Fetterman, da Pensilvânia, que anunciou receber tratamento hospitalar para depressão vários meses antes de Hidalgo buscar esse tipo de cuidado.
Mas a abordagem ainda é politicamente arriscada. Consultores políticos ainda se lembram do senador Thomas Eagleton, do Missouri, cujo histórico de tratamento de saúde mental arruinou sua perspectiva como candidato a vice-presidente em 1972. E o número de políticos dispostos a discutir seu tratamento de saúde mental ainda é pequeno, embora tenha aumentado.
“Eles acham que, uma vez adquirida essa marca, as pessoas sempre vão olhar você com desconfiança”, comentou Patrick Kennedy, ex-congressista que buscou ajuda para tratar problemas de dependência e saúde mental depois de bater seu carro em uma barreira no Capitólio dos EUA. Desde então, tornou-se um defensor veemente do tratamento de saúde mental. “Ainda é um tema polêmico no nosso mundo de trabalho moderno”, completou.
Hidalgo nasceu na Colômbia e viveu no Peru e no México quando criança; sua família se mudou para a região de Houston quando ela estava no ensino médio. Ela se lembra de que era aluna da Universidade Stanford quando contou pela primeira vez à mãe que tinha sido abusada sexualmente por um treinador de tênis no México, quando tinha 11 anos. Hidalgo disse que às vezes procurava pessoas que a conheciam desde criança para ajudá-la a entender o que tinha acontecido. Mas, geralmente, mantinha o assunto em segredo. “Era como a situação estereotipada em que sentimos tanta vergonha que nem conseguimos falar sobre o que houve.”
Hidalgo revelou que não procurou tratamento até depois de sua reeleição, que ganhou por cerca de 18 mil votos. Segundo várias pessoas que trabalharam com ela, durante a campanha alguns membros de sua equipe discutiram se ela deveria dar um tempo, mas se preocupavam com o impacto que isso teria em suas perspectivas de reeleição.
“Para Lina, ser uma jovem latina em uma cidade democrata pertencente a um estado republicano significava que ela já estava em uma situação complicada antes mesmo de revelar seu diagnóstico. Admitir que você tem problemas de saúde mental não é a receita para uma campanha bem-sucedida”, afirmou Rodney Ellis, ex-comissário democrata no condado de Harris e aliado de Hidalgo.
Ainda assim, o impacto político de tal revelação depende do tipo de eleitor que um candidato quer atrair, segundo Jeronimo Cortina, professor de ciência política da Universidade de Houston: “Pode ser um risco, mas talvez só entre um segmento mais velho do eleitorado, que não está acostumado a ver a saúde mental como parte da saúde como um todo.”
Hidalgo ganhou destaque praticamente da noite para o dia em 2018 quando, como candidata progressista de primeira viagem e imigrante de 27 anos, chocou o establishment conservador do condado de Harris ao derrotar um republicano popular para o cargo de juíza do condado, papel que no Texas é o mais alto do condado.
De repente, tinha a responsabilidade de presidir o tribunal de comissários do condado, composto por cinco membros, e servir como gerente de emergência do terceiro condado mais populoso do país, com 4,7 milhões de moradores. Rapidamente, tornou-se um rosto tão conhecido em Houston que às vezes tinha de usar uma peruca roxa e óculos para visitar anonimamente os museus de arte da cidade.
Em seu primeiro mandato, lidou com eventos catastróficos, incluindo enchentes, um grande incêndio químico e a pandemia de coronavírus, e entrou em conflito com líderes estaduais republicanos, incluindo o governador Greg Abbott, para defender o uso da máscara e outras restrições de saúde pública que tentou impor. Republicanos de Houston investiram dinheiro para apoiar a campanha de seu oponente em 2022.
Ela consultou um psiquiatra pela primeira vez alguns meses antes das eleições de 2022. Recebeu um diagnóstico de ansiedade e uma prescrição de medicamentos, e achou que poderia ir adiante. “Mas eu continuava a chorar o tempo todo.” Tentava nunca ficar sozinha e não dirigia sem companhia, com medo do que poderia acontecer.
Venceu a corrida para a reeleição, mas continuava deprimida. Passou férias na Tailândia e foi o tema de um perfil na revista Vogue, mas nada parecia ajudar. Contou que, depois que começou a chorar durante uma consulta médica, seu médico a encaminhou para um psiquiatra novo, “que imediatamente percebeu que eu estava em perigo” e recomendou a clínica Lindner Center of Hope, em Ohio. Ela afirmou que a busca de ajuda lhe salvou a vida.
Reconheceu que nem todo mundo pode pagar as sete semanas de tratamento residencial que recebeu, a um custo que informou ter chegado perto dos US$ 88 mil. Disse que seu namorado, David James, advogado de direitos civis e danos pessoais, pagou a maior parte da conta. Em janeiro, o casal ficou noivo.
Quando ela decidiu buscar tratamento, no ano passado, contou primeiro a seus assessores e confidentes políticos, incluindo Ellis, que comandou as reuniões do condado em sua ausência e fez uma votação para aprovar o orçamento anual da divisão administrativa. Depois, compartilhou a informação com todo mundo. “É importante para mim, pessoal e profissionalmente, enfrentar esse problema de imediato”, declarou em um comunicado público no verão setentrional passado.
Os democratas locais elogiaram sua decisão. Ao mesmo tempo, quando sua ausência se prolongou, alguns republicanos, inclusive seu ex-oponente, pediram que ela “voltasse ou renunciasse” e outros começaram a tentar destituí-la do cargo.
De volta ao trabalho depois do tratamento, ela enfrentou novos obstáculos políticos e sinais de que seu controle sobre o tribunal dos comissários tinha enfraquecido, embora os democratas ocupassem quatro dos cinco assentos do painel. Recentemente, ela se opôs com veemência a um aumento de salário para um funcionário do condado, mas foi derrotada por quatro votos a um.
O recém-eleito prefeito de Houston, John Whitmire, colega democrata que recebeu forte apoio dos republicanos na disputa pela prefeitura, ainda não se reuniu com Hidalgo. Ambos concederam separadamente uma coletiva de imprensa sobre medidas de emergência durante um período recente de inverno rigoroso.
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