THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Um refúgio romântico em uma ilha nas Maldivas. Um safári no Quênia. Uma visita às pirâmides no Egito. Esses lugares, além de muito populares em listas de viagens, têm outra coisa em comum: são destinos com uma legislação anti-LGBTQ rigorosa. Nas Maldivas, o sexo gay pode ser punido com chicotadas e até oito anos de prisão. No Quênia, pode acarretar uma pena de até 14 anos. E, no Egito, uma pessoa pode ser presa apenas por agitar uma bandeira do arco-íris.
Paradoxalmente, essas viagens também são oferecidas por empresas de viagens fundadas por membros da comunidade LGBTQ que atendem esse público. Em entrevistas, os fundadores de quatro delas, que levam um total de três mil turistas - sobretudo americanos - ao exterior a cada ano, afirmaram fornecer uma maneira segura de atender a uma demanda crescente por viagens a países que criminalizam indivíduos LGBTQ.
“Sou gay e quero visitar esses lugares. E, se quero visitar esses lugares, existem outros gays que também querem, de modo que estamos aqui exatamente para fazer isso de uma maneira divertida, emocionante e segura”, disse Darren Burn, fundador da Out of Office, empresa de viagens de luxo inclusiva.
Um mundo nem sempre amigável
Segundo algumas métricas, certos americanos LGBTQ têm mais facilidade na hora de planejar sua viagem. Os casais do mesmo sexo tendem a ter mais renda disponível porque é menos provável que tenham filhos e, em geral, ambos estão empregados, de acordo com dados do censo. Os homens gays casados têm o maior poder aquisitivo, com uma renda familiar média cerca de US$ 25 mil mais alta do que a dos héteros e das lésbicas. Mesmo assim, sair do armário e viajar pode ser complicado em um mundo onde muitos lugares são hostis - e às vezes totalmente perigosos.
“Não existe lugar no mundo onde você possa estar cem por cento seguro se for LGBTQ, pelo menos se isso for explícito. O que podemos dizer com certeza é que, onde há uma base legal que criminaliza estrita e explicitamente certas expressões, a probabilidade de ter problemas é muito maior”, afirmou Lucas Ramón Mendos, advogado e coordenador de pesquisa do Ilga World, grupo de direitos humanos LGBTQ.
De acordo com mapas do Ilga que monitoram as leis mundiais de orientação sexual, ainda há mais de 60 países que criminalizam as relações consensuais entre pessoas do mesmo sexo. As punições vão desde a prisão até a pena de morte. Uganda, por exemplo, acaba de promulgar uma lei que prevê a prisão perpétua para qualquer pessoa condenada por fazer sexo gay e, em alguns casos, até a morte.
Riscar esses países da lista de possíveis destinos encolhe drasticamente o globo: partes da Ásia, mais da metade dos países africanos e praticamente todo o Oriente Médio - com exceção de Israel e da Jordânia - estão fora dos limites. (E isso sem levar em conta países como a China e a Rússia, que atacam pessoas LGBTQ indiretamente, censurando discursos, por exemplo.)
No entanto, as empresas de viagens LGBTQ frequentemente levam turistas a esses lugares. “Nunca tive problema. Não ouvi falar de ninguém com problemas”, disse Bryan Herb, cofundador da Zoom Vacations, que opera pequenos passeios em países como o Quênia, as Maldivas e o Marrocos, onde o sexo gay pode acarretar pena de prisão.
Mais seguro para uns que para outros
Embora as missões diplomáticas dos EUA ajudem os americanos que têm problemas no exterior, Angela Kerwin, funcionária sênior do Escritório de Assuntos Consulares, explicou que não coletam dados de uma forma que lhes permita rastrear casos envolvendo especificamente viajantes LGBTQ.
“As leis que criminalizam o status ou a conduta LGBTQ no mundo inteiro são frequentemente usadas para atingir e punir pessoas do país em questão. Isso não quer dizer que os americanos LGBTQ e seus familiares não corram risco ao viajar, mas não somos os principais alvos dessas leis”, explicou Jessica Stern, enviada especial dos EUA para promover os direitos humanos de indivíduos desse segmento. (Segundo Kerwin, para os americanos que também têm passaporte do país que estão visitando, essa orientação pode não ser tão simples, porque podem ser tratados como cidadãos pelas autoridades locais.)
Nenhum dos quatro fundadores das empresas de viagens mencionou algum cliente que tivesse enfrentado problemas legais, embora tenham relatado problemas menores com moradores locais. Sua clientela tende a ser mais velha e masculina, com raros viajantes transgêneros.
As preocupações com segurança podem ser especialmente assustadoras para os transgêneros que vão para o exterior. Para estes, os obstáculos já começam na atualização dos documentos de viagem, e eles são mais propensos a viver na pobreza do que outras pessoas LGBTQ. “Recentemente, tive um voo cancelado e resolveram me redirecionar para um país muito hostil às pessoas LGBTQ, onde eu ficaria durante nove horas. Se eu tivesse uma emergência de saúde ali, não sei o que aconteceria comigo”, afirmou Jay Brown, executivo sênior da Human Rights Campaign, que é transgênero. Ele pediu que o país não fosse citado por medo de que isso pudesse prejudicar as relações de trabalho com os defensores na região. Brown acabou pegando três trens e três voos em 26 horas para evitar a escala. “Corri de portão em portão em todos os aeroportos e de trem em trem. Minha mala, claro, não estava no meu destino.”
A maioria dos países que criminalizam as relações entre pessoas do mesmo sexo não têm códigos ou leis relacionados à transição de gênero. “Eu não diria que, como essas leis visam apenas atos homossexuais, as pessoas trans estão seguras. Na verdade, é exatamente o contrário”, comentou Mendos.
‘Pink money’ em uma zona cinzenta
Muitos países podem depender tanto do fluxo de dólares do turismo que estão dispostos a dar um tratamento especial aos viajantes - sejam heterossexuais, sejam gays.
A indústria do turismo é um dos principais contribuintes para o produto interno bruto do Quênia e é responsável por mais de meio milhão de empregos no Marrocos. A hospitalidade também impulsiona a economia nas Maldivas, onde três homens locais receberam recentemente sentença de prisão por ter relações homossexuais, enquanto dezenas de outros são investigados.
“Em todos os países do mundo, a lei não corresponde necessariamente à realidade. Sabe-se que é ilegal consumir álcool nas Maldivas, mas você vai a todos os resorts e pode beber”, disse Burn, cuja empresa oferece pacotes para casamentos simbólicos entre pessoas do mesmo sexo e lua de mel nas Maldivas, que começam em cerca de US$ 5 mil por pessoa.
É nessa zona cinzenta que as empresas de viagens LGBTQ operam. No entanto, quando contatam fornecedores e contratam trabalhadores locais, não pode haver ambiguidade.
Robert Driscoll, que dirige a pequena operadora de turismo Venture Out desde 1998, explicou que, para evitar surpresas desagradáveis, é importante ser “claro com os fornecedores sobre qual é a natureza do grupo e garantir que não tenham problema com isso”. Ele contou que, anos atrás, quando começou a levar americanos gays para o exterior, não era incomum que suas perguntas a fornecedores ficassem sem resposta. Agora, recebe diariamente e-mails de alguns lugares inesperados que querem fazer negócios. “Adoraríamos a oportunidade de trabalhar com sua organização para criar itinerários personalizados para seus viajantes LGBTQ+ na Tanzânia”, lê-se em um e-mail recente que recebeu de um pequeno operador de safáris.
Sob uma lei da era colonial, a Tanzânia pune o sexo gay consensual com até prisão perpétua e, em abril, o governo fechou milhares de sites e contas de mídia social ligados a grupos e pessoas homossexuais. O Quênia, país vizinho que também é um destino popular de safáris, experimentou recentemente um aumento na violência anti-LGBTQ.
Os safáris estão entre as viagens mais caras que as operadoras LGBTQ oferecem, com preços que chegam a cinco dígitos. Driscoll, que levou muitos grupos para observar a vida selvagem na África, disse que recentemente um casal do mesmo sexo cancelou sua viagem à Tanzânia depois de ler um aviso de viagem no site do Departamento de Estado alertando os viajantes sobre “ataques a pessoas LGBTI”.
O Conselho de Turismo da Tanzânia e as agências de turismo dos outros países discutidos neste artigo não responderam aos pedidos de comentário.
Avaliação de risco e ética
Kerwin, do Escritório de Assuntos Consulares, observou que os viajantes em potencial devem ir além dos avisos de viagem do Departamento de Estado e ler o relatório anual de direitos humanos da agência, que inclui informações detalhadas sobre a situação dos direitos LGBTQ em cada país. “Não dá para cobrir todas as eventualidades. Mas, se estiver informado, você pode decidir se realmente quer ou não viajar àquele destino.”
“Fornecemos informação legal e de segurança aos clientes antes que paguem o depósito. É nossa obrigação moral e legal deixar que decidam”, afirmou Robert Sharp, cofundador da Out Adventures, pequena operadora de turismo sediada no Canadá que atende uma clientela majoritariamente americana.
Todas as agências de viagens pesquisadas para esta matéria recomendam fortemente que os clientes contratem um seguro de viagem, e algumas até o exigem. A Out of Office e a Out Adventures também oferecem uma linha direta 24 horas para responder às perguntas e emergências dos clientes.
No entanto, essas agências não são firmas legais, e dizem que o melhor que podem fazer é dar aos viajantes informações suficientes para que tomem uma decisão informada. A Out Adventures declara claramente as leis e limitações de cada destino em seu site. Ao viajar à Tanzânia, por exemplo, os clientes são aconselhados a ser discretos, já que mesmo demonstrações públicas de afeto heterossexuais são malvistas.
A página da excursão da Out Adventures ao Egito, incluindo um cruzeiro no Rio Nilo e um mergulho com snorkel no Mar Vermelho a partir de US$ 5.495 por pessoa, explica que “aplicativos de namoro gay devem ser evitados” e aconselha os clientes a não participar da “cena gay subterrânea” das grandes cidades.
As autoridades egípcias foram denunciadas por perseguir e prender membros da comunidade LGBTQ nas redes sociais e por torturar os detidos. “Não só queremos proteger o grupo, mas também não queremos colocar gente da comunidade queer local em uma situação arriscada porque foi vista com homossexuais óbvios”, comentou Sharp.
Gurchaten Sandhu, diretor de programas do Ilga World, alertou para os perigos do “turismo de defesa”, no qual os viajantes se envolvem em ativismo em seu destino, podendo colocar em risco não só eles mesmos, mas também aqueles que deixam para trás depois da viagem.
Mendos, do Ilga World, e outros advertiram que pedir aos viajantes que boicotem um país também pode ter resultados adversos inesperados.
Stern explicou que, embora o desejo muitas vezes seja de ajudar, pressionar por esse tipo de ação sem garantir o apoio de grupos de direitos LGBTQ no país pode levar a uma reação contra os LGBTQ locais e “fazer mais mal do que bem”.
Por outro lado, simplesmente optar pelo turismo - mesmo que você não possa ser tão assumido quanto gostaria - pode ter um impacto positivo na vida dos LGBTQ, pelo menos indiretamente. “A indústria de viagens em cada país é muitas vezes um dos setores em que as pessoas LGBTQ procuram e encontram emprego, porque há uma tolerância maior”, ressaltou Stern.
Promovendo a mudança silenciosamente
Há muitas empresas que planejam viagens a países como o Quênia, o Egito ou as Maldivas, mas as operadoras LGBTQ dizem que o que as diferencia das opções tradicionais não é apenas o fato de fazer com que seus clientes se sintam bem-vindos e seguros, mas também porque direcionam seus recursos para negócios amigáveis e escolhidos a dedo. “Estamos colocando dinheiro no bolso de pessoas e organizações com pensamento mais progressista que, em longo prazo, podem contribuir para o progresso do nosso ponto de vista”, disse Sharp, acrescentando que, além disso, a Out Adventures discretamente tem feito doações a organizações LGBTQ locais em países onde ser gay é ilegal, e atualmente está doando US$ 50 por viajante à Rainbow Railroad, ONG que ajuda pessoas LGBTQ a escapar da violência patrocinada pelo Estado. A Out of Office tem um programa semelhante, informou Burn, embora não tenha entrado em detalhes, citando preocupações com a segurança daqueles que recebem as doações.
De acordo com Driscoll, da Venture Out, em última análise a decisão sobre evitar viajar ou não a certos destinos com base em princípios é profundamente pessoal, ficando a cargo dos viajantes.
“É fácil se sentir indignado. Acho que é uma reação boa. Mas as pessoas devem estar cientes de que a mudança não se efetua da noite para o dia”, concluiu Mendos, do Ilga World.
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