THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Era o início da tarde de uma quinta-feira ensolarada de inverno, e a comunidade de Fox Hill parecia uma cidade fantasma muito bem cuidada, mas abandonada na década de 1950. Casas imponentes de vários andares se espalhavam por uma paisagem de colinas e lagos suavemente ondulados, um vilarejo bucólico de 24 hectares no Vale do Hudson, no estado de Nova York. Mas onde estava todo mundo?
Foi então que acabou o almoço no refeitório comunitário. Mulheres de vestidos longos e folgados, algumas com lenços de cores suaves na cabeça, pareciam ter acabado de sair de uma gravura do século 19. Os homens usavam jeans e casacos de inverno. Um bando de adolescentes corria entre grupos de idosos de aparência séria. Ninguém olhando para o celular, nenhum carro nas ruas.
As pessoas eram integrantes do Bruderhof, um movimento pacifista cristão fundado durante a década de 1920 na Alemanha. Depois de serem expulsos pelos nazistas, os Bruderhof (que significa “lugar de irmãos”, em alemão) migraram para o exterior, estabelecendo-se em 26 comunidades nos cinco continentes. Hoje mais ou menos metade dos cerca de 3 mil Bruderhof espalhados pelo mundo vivem em seis vilarejos reclusos no Vale do Hudson. Fox Hill fica em Walden, Nova York, a uma hora e meia a noroeste de Manhattan.
Para quem é de fora, os Bruderhof lembram os menonitas e os amish. Assim como esses grupos, os Bruderhof veem suas comunidades como refúgios do materialismo e das desigualdades do mundo moderno. Eles vivem de um jeito simples e compartilham a riqueza.
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Mas depois dos lockdowns da pandemia do coronavírus, os Bruderhof foram forçados a rever sua velha desconfiança em relação aos dispositivos digitais e à comunicação online. É um desafio que eles enfrentam nas famílias e durante as reuniões comunitárias: como é que um enclave inspirado nas comunidades cristãs do primeiro século se relaciona com o mundo moderno? E será que os Bruderhof jovens vão continuar seguindo os valores do grupo diante da crescente exposição ao mundo na internet? Ou será que vão rejeitar o que alguns consideram um modo de vida opressivo?
Shannon Hinkey, 28 anos, e seu marido, Pete Hinkey, 31, moram em Woodcrest, uma comunidade Bruderhof perto de Fox Hill. Assim como outros na comunidade, eles não têm aparelho de televisão. Usam laptop para o trabalho e smartphones para manter contato, mas toda noite deixam os aparelhos numa cestinha na bancada da cozinha, para se lembrarem de não os usar.
Eles também são pai e mãe de primeira viagem e querem dar atenção total um ao outro e ao filho de 1 ano, Ashton. Os Hinkey já decidiram que só darão um smartphone a Ashton depois que ele terminar o ensino médio. Como outras crianças Bruderhof, ele vai crescer sem videogames, sem redes sociais e sem internet.
“Somos pessoas egoístas e temos nossos egos”, disse Shannon Hinkey. “Mas aqui estamos comprometidos a lutar de coração contra tudo isso e também a viver por algo maior do que nós mesmos”.
Os Bruderhof se orgulham dos móveis escolares de madeira maciça que sua empresa, a Community Playthings, produz em Fox Hill. Pete Hinkey é designer de produtos em outra grande empresa Bruderhof, a Rifton Equipment, que fabrica equipamentos para pessoas com deficiência.
A maioria dos Bruderhof tem mais de um emprego. Alan Koppschall, que viveu todos os seus 24 anos em várias comunidades Bruderhof, é editor da Plough Publishing House, que produz livros e uma bela revista literária. Koppschall também é líder de um grupo de jovens, auxiliar de saúde domiciliar para idosos e ainda faz turnos na Community Playthings. (A revista The Plough Quarterly publicou dois poemas do autor desta matéria em 2020 e lhe pagou pela publicação).
Espera-se que todos os integrantes da comunidade – até mesmo idosos e deficientes – contribuam pelo menos algumas horas por dia em uma das fábricas. Ninguém recebe salário e muitas decisões sobre a gestão desses negócios radicalmente igualitários são tomadas por consenso entre os trabalhadores. No geral, funciona bem, mas às vezes surgem divergências.
Na fábrica da Community Playthings, um prédio do tamanho de um hangar de aviões, homens montavam cadeiras de madeira e as empacotavam em caixas. O clima no chão de fábrica parecia alegre e descontraído, mas Koppschall disse que nem sempre era assim.
“Algumas das nossas fábricas introduziram tornos controlados por computador e a produtividade disparou”, disse ele. Novos pedidos começaram a chegar mais rápido do que eles conseguiam atender. Na maioria das empresas, teria sido uma ótima notícia. Mas, em Fox Hill, gerou ansiedade. Os trabalhadores se queixaram de que a demanda crescente estava causando estresse e destruindo a sociabilidade no chão de fábrica.
“Sentimos que o negócio estava controlando a gente, e não a gente controlando o negócio”, disse John Rhodes, gerente da fábrica na época. Rhodes, 72 anos, hoje é consultor de negócios comunitários e professor na Mount Academy, em Esopus, uma escola particular administrada pelos Bruderhof, em Nova York.
“A automação estava exercendo uma má influência sobre os nossos jovens, que deveriam trabalhar mais com as mãos”, disse ele. “Mas eles estavam presos ao computador, programando os tornos”.
Os trabalhadores decidiram se livrar dos tornos elétricos e retornar à velha linha de montagem manual, bem mais trabalhosa. Os lucros despencaram. Foi um sacrifício que a comunidade fez questão de fazer.
“Colocamos os relacionamentos acima do lucro e da eficiência”, disse Rhodes.
Mas o mundo digital se revelou mais difícil de controlar, e as atitudes vêm mudado nos últimos anos. Os lockdowns da pandemia os obrigaram instalar Wi-Fi nas casas e a expandir a utilização de smartphones. Os laptops, que antes eram proibidos para os jovens, foram liberados para que eles assistissem às aulas online.
Franklin Arnold, 17 anos, recebeu seu primeiro laptop no último ano do ensino médio. Ele disse que é uma verdadeira tentação quando tem algum evento esportivo que ele quer assistir (os computadores ficam bloqueados para sites não acadêmicos). Ele é membro de uma comunidade cristã, mas também é adolescente. “É fácil desbloquear os computadores”, disse ele. “A trava não é muito sofisticada”.
Assim como seus colegas, Franklin não tem smartphone. Mas fica irritado com a maneira como os adolescentes com quem pratica esportes fora da comunidade os utilizam. “Se você está numa situação meio desconfortável, a primeira coisa que você faz é enfiar a mão no bolso e olhar para o telefone, para evitar o contato”, disse ele. “Em vez de fazer amigos, você simplesmente entra no Instagram e se afunda lá”.
Depois de terminarem o ensino médio, muitos jovens Bruderhof partem por um longo período para fazer faculdade ou trabalhar no mundo lá fora, uma prática comparável ao rumspringa (literalmente “correr”) dos amish, durante o qual os adolescentes se lançam a uma exploração mais livre antes de decidirem se devem ou não se comprometer com a igreja.
A exposição total ao mundo exterior às vezes é um choque. Uma mulher que saiu de uma comunidade Bruderhof do Vale do Hudson aos 15 anos disse que, no começo, foi desorientador se ver cercada por computadores e aparelhos de DVD que ela não sabia operar. (Ela pediu que seu nome não fosse divulgado, porque ainda tem parentes na comunidade).
Mas, depois de dominar a tecnologia digital, ela conseguiu explorar ideias e estilos de vida que não lhe eram acessíveis na infância. Entusiasmada, ela decidiu não retornar.
“As comunidades Bruderhof não são um bom lugar para o pensamento independente”, disse a mulher. “Os valores individuais de cada um são tolerados até certo ponto, mas, se forem muito diferentes do dogma central, você vai entrar em apuros. É uma sociedade muito coletiva, praticamente o oposto da cultura americana”.
Ainda assim, mais de dois terços dos jovens que saem para experimentar a vida lá fora acabam voltando, disse Rhodes. As comunidades Bruderhof estão crescendo em ritmo lento, mas constante, acrescentou ele, em parte porque as famílias tendem a ter muitos filhos.
Aos 19 anos, Shannon Hinkey foi para Houston fazer trabalho voluntário com imigrantes do México e da América Central. “Eu só queria ver como era a vida lá fora”, disse. Ela sabia que iria trabalhar duro, mas ficou surpresa com a quantidade de mentiras e fofocas na organização sem fins lucrativos onde trabalhava como voluntária.
O que a deixou ainda mais desconfortável foi o enorme fosso entre os ricos e os pobres no mundo exterior – algo a que ela não estava habituada em casa.
“Eu sabia que era possível viver uma outra vida”, disse ela.
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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