CIDADE DO MÉXICO - O governo do México têm provas suficientes para acusar funcionários ligados a um dos maiores escândalos de corrupção da história da América Latina. Mas o processo não será aberto porque teme-se que isso prejudique o partido da situação antes das eleições presidenciais, de acordo com três pessoas diretamente informadas a respeito do caso.
O escândalo envolve a gigantesca empreiteira brasileira Odebrecht, que admitiu ter pago quase US$ 800 milhões em subornos por toda a América Latina para garantir contratos de licitação dos governos de uma dúzia de países. As repercussões das investigações chegaram a praticamente todos os países da América nos quais a empresa era ativa, com presidentes depostos, funcionários presos e o panorama político virado de pernas para o ar do Peru ao Panamá.
No México, as acusações de corrupção jazem num limbo jurídico que é comum nas investigações com consequências políticas no país. A corrupção ainda é um dos maiores obstáculos para o estado de direito no México.
Os escândalos de corrupção têm afetado o presidente Enrique Peña Nieto praticamente desde o momento de sua posse.
A lentidão no avanço das investigações contra a Odebrecht é um assunto polêmico no México desde o final de 2016, quando, num acordo bilionário, a empresa admitiu a autoridades americanas, suíças e brasileiras ter pago US$ 10,5 milhões em subornos para autoridades mexicanas.
A Odebrecht admitiu ter pago milhões em subornos para funcionários da empresa mexicana de petróleo, Petróleos Mexicanos, conhecida como Pemex. O ex-procurador-geral do México, Raúl Cervantes, chegou a viajar ao Brasil para analisar as provas reunidas pelas autoridades do país. O escritório do procurador-geral não respondeu aos muitos pedidos de entrevista para esta reportagem.
Mas nenhuma acusação formal foi feita contra autoridades mexicanas. O país anunciou uma sanção administrativa contra a Odebrecht, proibindo a empresa de atuar no país por vários anos.
Cervantes, que deixou o cargo em outubro do ano passado, disse que a investigação foi concluída. Seu sucessor, o procurador-geral Alberto Elías Beltrán, disse que o processo segue em aberto, mas não está autorizado a divulgar detalhes.
Três pessoas informadas a respeito do caso disseram que o processo foi na verdade arquivado. Já sofrendo com os escândalos de corrupção e a alta na violência em todo o país, o Partido Revolucionário Institucional, da situação, não pode correr o risco de ter outro escândalo revelado antes das eleições presidenciais de julho, disseram elas.
Para os críticos, a indignação provocada por um acobertamento pode causar para o partido estrago menor do que um julgamento expondo o alcance da corrupção.
As investigações confirmaram aquilo que já se sabia, de acordo com as pessoas que analisaram os documentos: milhões de dólares em subornos foram transferidos para contas no exterior para garantir a obtenção de contratos de construção de infraestrutura.
Depois que detalhes a respeito do papel desempenhado pelo México no escândalo da Odebrecht começaram a ser vazados em 2016, a informação teve como centro um dos principais assessores e aliados do presidente, Emilio Lozoya Austin. Lozoya era integrante da equipe de campanha do presidente em 2012 e, posteriormente, foi nomeado para a direção da Pemex quando o presidente assumiu o governo. Lozoya, que deixou a Pemex em 2016 quando a empresa passava por dificuldades com a queda brusca no preço do petróleo e o declínio na produção, negou o envolvimento em irregularidades.
Em dezembro de 2016, como parte de um acordo de US$ 3,5 bilhões com autoridades suíças, americanas e brasileiras, funcionários da Odebrecht admitiram o pagamento de US$ 10,5 milhões em subornos para autoridades mexicanas entre 2010 e 2014, sem especificar o nome dos funcionários a quem os pagamentos se destinariam.
A revelação desencadeou uma crise no México. Em resposta à pressão do público, o governo mexicano deu início a uma investigação em janeiro de 2017.
Três funcionários do alto escalão da Odebrecht identificaram Lozoya como destinatário de mais de US$ 10 milhões em subornos.
Em 2012, quando Peña Nieto era candidato à presidência, a Odebrecht fez pagamentos a contas nas Ilhas Virgens Britânicas indicadas por Lozoya no total de mais de US$ 3,1 milhões, de acordo com o depoimento de funcionários da empresa.
Lozoya era o coordenador internacional da campanha. Funcionários da Odebrecht disseram que o pagamento era destinado à compra de favores por parte de Peña Nieto, que parecia ser o próximo presidente.
Eduardo Bohórquez, um dos arquitetos do sistema mexicano de combate à corrupção, disse: “Esse escândalo não afeta apenas a reputação do presidente, já bastante manchada. O futuro do partido está em jogo, e por isso ninguém foi acusado".
“Com outro escândalo desse tipo, todo o maquinário político e seu financiamento podem ruir", acrescentou ele. “Isso é mais importante que apenas as eleições: trata-se de algo que coloca em jogo a sobrevivência do partido.”/ Paulina Villegas contribuiu com a reportagem
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