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A batalha para preservar local onde Oscar Wilde foi preso por ser gay

Cidade onde está a prisão deseja transformar o espaço em centro cultural, mas tem impasse com governo

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Por Stephen Castle

READING, Inglaterra – A escada de metal range sob os pés no caminho para a cela C. 3.3, longa sala de tijolos pintados atrás de uma enorme e proibitiva grade de prisão. Foi aqui que Oscar Wilde ficou encarcerado por cerca de 18 meses, no fim do século 19, por causa de sua homossexualidade, e essa foi a inspiração para A Balada do Cárcere de Reading, seu retrato terrivelmente realista da vida atrás das grades.

Portão Oscar Wilde fora do perímetro da agora fechada cadeia vitoriana onde o escritorfoi encarcerado em 1895. Foto: Mary Turner/The New York Times

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"Você sente arrepios ao entrar ali", disse Matt Rodda, legislador que representa parte desta cidade, cerca de 64 quilômetros a oeste de Londres, que comparou a prisão – fechada por motivos de saúde e segurança em 2013 – a uma cápsula do tempo.

Mas pouca gente viu a prisão, que raramente é aberta ao público, e os movimentos para transformá-la em um espaço público chegaram a um impasse.

No mês passado, uma oferta de 2,6 milhões de libras do município de Reading para comprar e converter a prisão em um museu e centro de artes foi rejeitada como muito baixa pelo governo, atual dono do imóvel.

Várias estrelas de cinema, incluindo a atriz Kate Winslet, nascida em Reading, apoiam os planos de abrir o local, assim como – aparentemente – o artista de rua Banksy, que supostamente fez uma pintura em um dos muros da prisão.

"O projeto tem um potencial enorme", afirmou Karen Rowland, vereadora de Reading responsável por questões culturais junto ao município. Nascida em Nova York, ela acha que o local não é relevante apenas como bem artístico e cultural. "Acrescentando a isso o interesse LGBTQ+, e tendo vivido ao lado de Stonewall, em Nova York, sei o valor e a importância de um patrimônio nacional para essa comunidade", observou ela, referindo-se ao bar do Greenwich Village, em Nova York, considerado o ponto de partida do movimento pelos direitos dos homossexuais.

A cidade de Reading provou ser um lugar importante na vida de Wilde, figura literária célebre até 1895, quando foi preso no Cadogan Hotel, em Londres, e posteriormente condenado por "indecência grosseira". Sua transferência de uma prisão londrina para o cárcere de Reading era para ser uma melhoria em suas condições, mas as regras da prisão ainda proibiam quase toda interação social, a comida era horrível e o saneamento, pior.

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A situação de Wilde na prisão finalmente melhorou quando um novo diretor da cadeia lhe concedeu acesso a mais livros e a papel para escrever. Com isso, pôde completar De Profundis, longa carta a seu amante, lorde Alfred Douglas, que incluía algumas mensagens mais otimistas. "Tenho de fazer com que tudo que aconteceu comigo seja bom para mim", escreveu ele, citando sua cama de prancha, a comida repugnante, o trabalho duro, "a roupa horrível que torna a tristeza grotesca, o silêncio, a solidão, a vergonha". E acrescentou: "Não existe degradação do corpo que eu não deva tentar transformar em uma espiritualização da alma."

Matt Rodda, Karen Rowland e ativistas tentam preservar a prisão para onde Wilde foi enviado após sua condenação por 'indecência'. Foto: Mary Turner/The New York Times

Com esse espírito, aqueles que buscam converter a prisão acreditam que Reading também pode transformar o sofrimento de seus ex-prisioneiros em algo benéfico para o público. Entre os ativistas locais estão Toby Davies, diretor artístico do Rabble Theatre, que apresentou em 2016 uma peça sobre o julgamento de Oscar Wilde na capela da prisão: "Foi extraordinário, é algo que vou levar comigo para sempre. É um clichê, mas aquele espaço tão escuro e miserável realmente entra no seu sangue – parece Um Sonho de Liberdade quando você está lá. Mas um resultado extremamente positivo surge disso tudo. Dá para pensar que é uma oportunidade de fazer o bem."

A oferta da Câmara de Reading para o local também visa mostrar outros aspectos da história de uma cidade que foi o túmulo do rei Henrique I em 1136, mas é indiscutivelmente mais conhecida pela maioria dos britânicos por sua grande estação ferroviária.

Tony Page, vice-líder da câmara de Reading, disse que seu plano se concentra nas artes e na cultura, acentuando a história da prisão – onde prisioneiros republicanos irlandeses também eram mantidos no início do século XX –, mas também vai atrair visitantes para um local vizinho, onde o rei Henrique I está enterrado.

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A localização precisa da tumba não foi identificada; pode estar sob um estacionamento, como aconteceu com Ricardo III em Leicester. A Abadia de Reading foi destruída em grande parte no século XVI e partes dela foram reconstruídas, embora muitas ruínas permaneçam no local.

Page, da Câmara de Reading, afirmou que o Ministério da Justiça, dono da Prisão de Reading, parecia querer o dobro do que a câmara ofereceu pelo imóvel. Segundo ele, esse valor não é realista, já que se baseia em avaliações pré-pandêmicas e em suposições incorretas, feitas em uma licitação do setor privado malsucedida, de que as leis de planejamento permitiriam a construção de uma quantidade significativa de moradias no local.

A proposta atual do Reading Council inclui a construção de uma quantidade muito menor de casas e de um hotel butique, para ajudar a financiar a conversão da prisão em um museu e centro de artes.

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Dado que a manutenção do local custa atualmente ao governo cerca de 250 mil libras por ano, Page está frustrado com o fato de o ministério planejar colocar o prédio novamente à venda, em vez de negociar diretamente com ele.

Em nota, o ministério declarou: "Depois das discussões com a câmara, a prisão será recolocada no mercado imobiliário. Qualquer venda buscará o melhor valor para os contribuintes e será reinvestida no sistema de justiça, garantindo ao mesmo tempo que os requisitos de planejamento para o local histórico sejam atendidos."

Os ativistas, porém, ainda não desistiram. Rodda, o legislador local, quer uma reunião com o governo e disse que espera que outro financiamento, talvez por financiamento coletivo, possa complementar a oferta do conselho. Como outros entrevistados, ele não está entusiasmado com os planos de construir um hotel butique no local de uma prisão onde muitos sofreram e alguns morreram. Davies, o diretor de teatro, sente o mesmo, embora pense que isso talvez seja necessário para transformar um símbolo de atroz servidão penal em um símbolo de cultura e oportunidade: "Isso seria uma mensagem extraordinariamente positiva para uma cidade geralmente associada a uma estação de trem e às compras, e não muito mais."

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