VALDOBBIADENE, Itália – Pequenas caminhonetes levando montanhas de uvas verdes serpenteavam ao longo da Rota do Prosecco. Trabalhadores colhendo uvas nos vinhedos apertavam os olhos contra o sol. Turistas embriagados paravam para uma degustação. Casais brindavam nos bares pitorescos de Prosecco da cidade.
Mas, por trás dessa fachada efervescente, os produtores do conhecidíssimo vinho branco espumante italiano da região do Vêneto, no nordeste do país, estavam em pé de guerra. "Sinto que estou indo para a batalha", disse Elvira Maria Bortolomiol, fingindo empunhar um rifle em uma arejada sala de degustação próxima a seus vinhedos. Uma das proprietárias da vinícola Bortolomiol e a nova presidente de um consórcio de produtores, ela contou que um ataque surpresa "nos desorientou".
A guerra e os conflitos internos chegaram ao país do Prosecco. A União Europeia, considerada uma tremenda estraga-prazeres por essa indústria multibilionária movida a spritz, concordou em avaliar um antigo pedido feito pela Croácia para que se reconheça o Prosek, método de produção de um obscuro vinho doce de sobremesa que leva o mesmo nome.
O gigante Prosecco já se desviou de inúmeros ataques – falsificações, como o meer-secco e o cansecco, e os alertas de dentistas britânicos de que o espumante açucarado estaria apodrecendo os dentes do país. Mas o minúsculo Prosek, vinho realmente antigo, originário de um estado membro da UE, representava uma ameaça singular.
Uma parcela significativa da economia da Itália se baseia em produtos exclusivamente italianos, com nome e sons protegidos contra imitações. Os produtores argumentam: se a UE permitisse o Prosek hoje, não seria o farmesão o próximo?
E, assim, os produtores de Prosecco e autoridades locais se uniram ao governo da Itália na luta contra o Prosek. O argumento é que o selo de reconhecimento de Bruxelas confundiria os consumidores e abriria um precedente perigoso. "Reconhecer o Prosek poderia legitimar uma enorme quantidade de outros produtos que são imitações", afirmou Luca Giavi, presidente do Consórcio de Proteção ao Prosecco.
Como se demonstrasse o resultado de uma apreensão de drogas ilícitas feita pela polícia, ele colocou uma garrafa apreendida de um "Pro-Secco" romeno, um pacote de dez "Bombas de Sais de Banho Prosecco", repletas de glitter, e um "Sabonete Líquido Prosecco para Princesas" sobre a mesa de seu quartel-general. "O importante é termos um inimigo em comum. Isso nos une", comentou Giavi.
Mas nem todos estão incluídos nessa união. Em uma adega escura e abobadada no subsolo de pedra de um museu de Prosecco, na colina de Valdobbiadene, Enrico Bortolomiol – primo de Elvira Bortolomiol – defendeu que o conflito sobre o vinho croata representava uma rara oportunidade de levar adiante uma agenda radical: chegara o momento de abandonar o nome Prosecco.
Enrico Bortolomiol, de 55 anos, grão-mestre da Confraria de Valdobbiadene – consagrada sociedade de produtores de Prosecco da área tradicional de produção desse vinho nas colinas Valdobbiadene e Conegliano – vestia um pesado manto de fustão branco, boina de veludo preto e um medalhão de ouro com o brasão da irmandade. Ao seu redor, afrescos retratavam os quatro fundadores da sociedade brindando com ébrios cavaleiros medievais, um deus Baco de torso nu e mulheres usando uma toga reveladora.
Sentado sobre um assento elevado à frente de garrafas empoeiradas dos melhores exemplares de espumantes da região provenientes de várias décadas, ele explicou que o bom nome do Prosecco foi irreparavelmente manchado pela produção excessiva nas províncias onde se faz a colheita mecânica. De acordo com Bortolomiol, os vinhos desses lugares são desinteressantes, mas representam 500 milhões das 600 milhões de garrafas à venda. "Não temos nada a ver com isso. Estamos tentando tirar o nome Prosecco dessa confusão", afirmou, enquanto outro cavaleiro de manto vermelho concordava solenemente com a cabeça.
Ao longo das décadas, a Itália concedeu diversas indicações geográficas protegidas a diversas garrafas de Prosecco, dependendo de onde são produzidas. As colinas tradicionais recebem um selo marrom; nove novas províncias onde o vinho é produzido recebem um selo azul. As colinas antigas recebem um G a mais – de origem garantida. As novas, não. Mas a maioria dos consumidores não sabe a diferença; só procura pelo nome Prosecco.
E Bortolomiol acredita que esse nome não significa mais nada. Segundo ele, sua pureza foi contaminada pelo Aperol e pelo Campari, e pelos enjoativos spritz de cor vibrante que conquistaram as happy-hours do mundo todo. Os preços baixíssimos cobrados pelas garrafas de Prosecco também soavam como blasfêmia para o espírito dos fundadores da confraria, incluindo seu tio, pai de Elvira Bortolomiol.
Uma placa na chegada à cidade anunciava uma garrafa de Prosecco por 2,79 euros, se comprada com uma embalagem de seis latas de atum.
Enrico Bortolomiol acredita que Prosecco se tornou um "nome genérico" para qualquer bebida frisante, e que não vale mais a pena defendê-lo – nem do Prosek nem de qualquer outro inimigo.
Outro cavaleiro da confraria, Daniele Buso, espera que a mais recente disputa leve os produtores de Prosecco a uma "iluminação".
O único caminho para evitar as confusões e os preços ofensivamente baixos seria se dissociar da marca e criar uma nova, envasando o produto de boa qualidade em garrafas com um V, que coincidentemente são vendidas pela confraria. Que se chame de Conegliano Valdobbiadene Superior Spumante, ou alguma variação disso, contanto que o vinho esteja explicitamente relacionado a seu inimitável território de origem tradicional.
Para muitos produtores de Prosecco das planícies do entorno, essa posição dos cavaleiros é ao mesmo tempo um suicídio econômico e uma traição em tempos de guerra. Giorgio Polegato, presidente da vinícola Astoria, gigante das planícies da região, disse que a Croácia demonstrou "falta de respeito" ao defender seu Prosek.
Enquanto colheitadeiras mecanizadas aspiravam as uvas de seus vinhedos, Polegato exibiu enormes tanques de aço, enfeitados, como se prontos para uma noitada, com luzes brilhantes e acessórios estilizados. Em um "Salão das Vítimas da Moda" da adega, garrafas cujos rótulos traziam os dizeres "Glam", "Diva" e "Funky" repousavam nas paredes brilhantes. Ele acolheu o spritz de braços abertos, e atribuiu o enorme sucesso do Prosecco em parte a sua faixa de preço. Também descreveu o vinho como "mais fácil de beber" e extremamente popular entre americanos, britânicos e mulheres. "Elas gostam", comentou.
Cada vez mais, as pessoas vêm para as colinas do Prosecco para beber aperitivos, pré-aperitivos e pré-pré-aperitivos.
Em 2019, depois de um tremendo esforço de lobby, a Unesco declarou Valdobbiadene e Conegliano Patrimônio da Humanidade. "Isso mudou tudo", contou Marina Montedoro, líder dos lobistas. Agora, ela teme que o reconhecimento do Prosek possa levar os turistas acidentalmente à Croácia. "Isso pode acontecer."
Por enquanto, as pessoas sabem para onde devem ir. Duas eslovacas vindas de um dos vinhedos de Valdobbiadene pararam ao lado de um casal que tomava sua taça matinal de Prosecco. "Nada de marido, nada de filhos, só Prosecco: este lugar é perfeito para mim", afirmou Lucia Figurova, de 33 anos.
Na adega da confraria, Enrico Bortolomiol permaneceu convicto de que a verdadeira resiliência do vinho frisante local está em sua qualidade, e na dissociação de uma palavra que perdeu todo o sentido.
Proteger o espírito, se não o nome, do Prosecco é a missão de seus cavaleiros, que, de acordo com ele, fizeram um juramento solene, diante de uma espada com formato de videira, de renunciar à água, que só traz sofrimento, e exaltar o espumante local. Cada novo membro deve então tomar meia garrafa do vinho vencedor da mais recente degustação às cegas promovida anualmente pela confraria. "E depois ele é nomeado Cavaleiro do Prosecco", disse Buso. "De Valdobbiadene", corrigiu o grão-mestre. "Isso", concordou Buso. "Escapou."
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Duas jovens saboreiam um spritz no fim de tarde no centro de Treviso, na Itália, em 23 de setembro de 2021. (Nadia Shira Cohen/The New York Times)
Uvas colhidas nos vinhedos da fabricante de prosecco Bortolomiol, em Valdobbiadene, na Itália, em 24 de setembro de 2021. (Nadia Shira Cohen/The New York Times)
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