THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - No primeiro episódio de O Bebê, uma nova série cômica de terror da HBO Max, um bebê cai nos braços de uma mulher sem filhos, como se tivesse sido jogado ali por uma cegonha cósmica. Mas a entrega especial não é uma bênção - é uma maldição.
Natasha (Michelle de Swarte), a chef de 38 anos que pega o bebê balbuciante, não quer filhos. Ela assistiu com desgosto ao desaparecimento de suas amigas no processo da maternidade; agora elas estão sempre tagarelando sobre seus bebês, indo a encontros no parquinho com seus bebês, dizendo a Natasha para parar de fumar cigarros perto de seus bebês. O bebê que veio do céu rapidamente se revela uma manifestação sobrenatural de sua própria juventude moribunda. Uma vez que ele começa a engatinhar atrás de Natasha, todos ao seu redor acabam mortos ou mutilados.
A série não é exatamente uma paródia de um gênero que imbui as provações da maternidade com uma carga paranormal. As mães em vários filmes de terror lançados este ano não são vilãs explícitas (como a mãe em Carrie, a Estranha) ou inocentes ingênuas (como em O Bebê de Rosemary), mas figuras simpáticas que se envolvem em disfunções familiares assustadoras.
Em Umma, uma mãe solteira apicultora (Sandra Oh) é possuída pelo fantasma de sua própria mãe. Em Lamb, uma agricultora islandesa (Noomi Rapace) adota um recém-nascido híbrido de cordeiro e humano que ela descobre em seu celeiro, com resultados monstruosos. O flerte da Marvel com o horror, na sequência zumbificada de Doutor Estranho, do diretor Sam Raimi, encontra seu vilão em uma mãe, uma cambaleante Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen), que está disposta a causar estragos em tantos universos quanto for necessário para se reunir com seus filhos.
Até mesmo Os Gêmeos do Mal, um filme original do serviço de streaming de terror Shudder, passa por uma confusão de clichês (gêmeo mal, ocultismo escandinavo, barganha fáustica) antes de chegar ao psicodrama da mamãe. Embora essas mães muitas vezes carreguem traumas domésticos do passado - abuso, negligência, perda dos filhos - suas histórias sinalizam que há algo psicologicamente angustiante sobre o papel da maternidade em si.
Na gravidez, nascimento e vida jovem, os tropos do terror são abundantes. Gerar outro ser humano dentro de seu corpo é um processo humano natural que pode, no entanto, parecer misterioso, estranho e sobrenatural. E também, sangrento. Quando a fotógrafa Heji Shin começou a tirar fotos nada sentimentais de bebês na hora do parto, “eu olhei para eles e pensei: isso é literalmente O Exorcista”, ela disse à T Magazine. Trazer a vida ao mundo também traz a morte visceralmente para perto. Milhares de bebês morrem inesperadamente no primeiro ano de suas vidas. Dar à luz nos Estados Unidos é mais de 20 vezes mais letal do que saltar de paraquedas. Mesmo a gravidez mais desejada e bem-sucedida (sem falar naquelas que as leis antiaborto exigiriam que fossem concluídas) pode evocar os temas da mudança de forma, desfiguração, possessão e tortura.
A pandemia trouxe à tona horrores de natureza mais cotidiana: as labutas da incessante criação dos filhos. A veneração da coragem materna, do sacrifício endêmico, os documentários sobre a natureza e os tributos ao Dia das Mães no Instagram sempre disfarçaram um desinteresse americano em apoiar funcionalmente as mães e outros cuidadores. Mas, recentemente, a imagem da mãe americana sobrecarregada de trabalho assumiu uma carga mais sombria, à medida que novos níveis de isolamento e estresse desencadearam um desespero materno que foi descrito como “primal”, “de Sísifo” e, como a escritora Amil Niazi colocou em The Cut no ano passado, “como se meu cérebro estivesse queimando e toda a minha casa também e alguém acabasse de roubar o extintor de incêndio”.
Muitas vezes, a própria fixação de uma mãe em temas mais sombrios é descartada, banalizada como algo antigo ou patologizada como depressão pós-parto. Então faz sentido que tudo isso seja sublimado em terror. Na verdade, faz tanto sentido que o resultado muitas vezes é um pouco exagerado. Os sustos psicológicos que saltavam da tela em filmes anteriores focados em mães, como O Babadook (de 2014) e Hereditário (2018), agora parecem vagar pela cultura pop, à medida que as histórias da maternidade são recontadas repetidamente através dos instrumentos contundentes do terror.
Há algo de frustrante nessa construção implacável da maternidade como um show de terror, e não apenas porque as mães experimentam toda a gama de emoções humanas (algumas das quais são exploradas mais fielmente em um filme da Hallmark). Ao quebrar um tabu, o gênero criou um novo clichê: da mãe exausta levada ao seu ponto de ruptura psicológico. Embora a falta de apoio às mães seja um problema estrutural, ele acaba sendo ressignificado como pessoal, com uma resolução narrativa que lembra uma sessão de terapia pós-parto ou um convite ao grito coletivo. As mães são feitas para sofrer, e então elas são colocadas em uma persona de mãe sofredora.
Na internet, existe um termo fofo inspirado no terror para esse tipo de mãe: mombie. Essa versão levemente irônica da persona da mãe sobrecarregada vem crescendo no Instagram, TikTok e sites de comércio eletrônico, onde o estereótipo lobotomizado da mamãe influenciadora é combatido com uma versão da maternidade definida por uma degradação obscura. Nesta performance burlesca exagerada, a maternidade é comparada à prisão, ou à sensação da roda da scooter de uma criança batendo repetidamente no osso do tornozelo por toda a eternidade.
Essas piadas costumam ser acompanhadas por mensagens sinceras sobre como os sentimentos negativos a respeito da maternidade são válidos e que é importante falar sobre eles. Mas a persona também pode parecer curiosamente dedicada a sentir-se lesada, como se a própria conversão do sofrimento em conteúdo fosse um bálsamo. Um formato comum de piada é reclamar que os homens não ajudam, mas que quando ajudam, não ajudam corretamente. Se você não consegue entender, talvez seja porque você é tão presunçosamente privilegiada que pode pagar outras mulheres para realizar o trabalho penoso da maternidade para você. (Um episódio recente de Atlanta na verdade extrai uma grande comédia de terror desta premissa: quando a babá de Trinidad de um menino branco rico morre de repente, os pais são assombrados pela percepção de que ela era mais família para o filho do que eles.)
Encontrei alívio dessa armadilha narrativa em Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, que liberta sua personagem da mãe sobrecarregada dos limites do gênero de terror doméstico, lançando-a em um multiverso de emocionantes possibilidades sobrenaturais. O filme começa com Evelyn (Michelle Yeoh), a dona de uma lavanderia importunada por seu pai idoso, seu marido atrapalhado, sua filha adolescente deprimida e a Receita Federal. Sua vida se transformou, como ela diz, na repetição interminável de “roupas pra lavar e impostos” - até que ela descobre que uma infinidade de Evelyns existe em multiversos infinitos, que ela está vivendo a versão mais decepcionante possível de sua vida, e que agora ela deve acessar seu potencial inexplorado para salvar os mundos. “Tudo em Todo Lugar” acessa temas familiares de relacionamentos tensos entre mãe e filha e mães sobrecarregadas, mas desta vez toda a dimensão paranormal do filme é construída em torno da poderosa complexidade de Evelyn.
Depois de algumas semanas entorpecentes assistindo mães sendo torturadas na tela, o absurdamente engraçado Tudo em Todo Lugar foi o que realmente me fez chorar. Mas mesmo durante essa experiência elevada, lembrei-me de que ainda vivia em nosso universo. Antes dos trailers começarem, o cinema exibiu um comercial do KFC onde uma família se reúne em volta da mesa para jantar frango frito. Ouvimos cada um de seus monólogos internos enquanto eles comem: “Mmm, macarrão com queijo”, pensa o filho. “Mmm, ofertas”, pensa o pai. Então ouvimos a mente da mãe, que se alimenta apenas de um descanso de seu fardo doméstico: “Mmmm”, ela pensa. “Silêncio.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES
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