Quando carros sem motorista falham, como estão funcionando os sistemas de ‘assistência ao condutor’?

Com investigações e ações judiciais sobre acidentes aumentando o ceticismo com a tecnologia totalmente autônoma, as empresas automobilísticas estão apostando em sistemas que assumem um pouco, mas não todo o controle

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Por Lawrence Ulrich

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Imagine seguir para o leste digamos, numa BR, quando você e sua picape se depararem com luzes de freio vermelhas por quilômetros à frente. Agora imagine não tocar nos freios ou no volante e, em vez disso, relaxar e deixar o carro lidar com isso.

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Na próxima hora de parada e partida, o sistema do caminhão dirige: antecipando desacelerações, acelerando, freando e conduzindo por conta própria. Quando o tráfego diminui, a picape sobe para uma velocidade selecionada de 110 Km/h e executa mudanças automáticas de faixa. O sistema verifica os pontos cegos e utiliza os pisca-alertas.

Mas este caminhão não foi projetado para ser totalmente autônomo. A câmera infravermelha de monitoramento do motorista do caminhão observa a posição dos olhos e da cabeça. Você pode olhar para um passageiro ou consultar uma tela de navegação - mas se você desviar o olhar por mais de alguns segundos, os LEDs acendem em azul no aro do volante, um comando transparente para que seus olhos voltem a olhar para a estrada. Se você ignorar os avisos, o aro piscará em vermelho, o sistema será desengatado e voltará ao controle de suas mãos.

Com a Tesla enfrentando uma investigação federal nos Estados Unidos e processos judiciais por acidentes fatais envolvendo seu sistema de piloto automático, abalando a confiança do público em carros robóticos, uma abordagem como a descrita acima - também chamada de sistema de “autonomia parcial” ou “assistência ao motorista” - poderia ser um futuro mais realista da condução sem as mãos?

Esse tipo de sistema, mais parecido com um acompanhante sensato do que com algo que você encontraria em um carro totalmente robótico, é um componente necessário para as pontuações mais altas das próximas classificações de tecnologia parcialmente autônoma do Instituto de Seguros para Segurança Rodoviária; altas classificações da organização independente sem fins lucrativos são valorizadas. E embora a General Motors esteja assumindo a liderança com seu sistema Super Cruise, a GM não está sozinha; a Ford, a BMW e a Mercedes-Benz estão fazendo tentativas semelhantes.

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Diante de acidentes com carros autônomos, a indústria está revendo o controle dessas máquinas.  Foto: Matt Williams/The New York Times

O Super Cruise combina mapas de estradas 3D escaneados minuciosamente a laser com câmeras, radar e GPS integrado. Até o final deste ano, a empresa pretende expandir a rede do sistema para rodovias indivisas de mão dupla pela primeira vez e duplicar seu domínio operacional total para 400.000 milhas. Isso permitiria a condução sem mãos em algumas das estradas mais épicas da América do Norte, como a Pacific Coast Highway, a Route 66 e a Trans-Canada Highway.

Nada disso significa que as companhias automobilísticas estão abandonando o sonho de carros totalmente autônomos. Além da Tesla, a divisão Cruise da GM, a Waymo da Alphabet e a Argo AI continuam a desenvolver e testar robotaxis, com operadores de segurança humana a bordo, em cidades como Miami e Austin, Texas. A Cruise começou a cobrar tarifas para passeios de robotaxi em Chevrolets Bolt EV modificados em São Francisco e está mapeando Dubai com a esperança de iniciar um programa de robotaxis no próximo ano.

Mas, como a tecnologia totalmente autônoma falhou, a fé nessa tecnologia também se abalou.

“Os sistemas funcionam muito bem, até pararem de funcionar”, disse Bryant Walker Smith, professor associado das Faculdades de Direito e Engenharia da Universidade da Carolina do Sul, que aconselhou o governo federal sobre veículos autônomos. “Não temos uma noção completa do combo vencedor para cobrir a maioria das pessoas que dirigem.”

Além disso, a Cruise interrompeu temporariamente e fez o recall de sua frota de 80 carros para uma correção de software após uma colisão de dois carros que feriu dois ocupantes em junho. Um registro público da GM observou que a polícia havia citado o carro dirigido por humanos como o principal culpado, inclusive por excesso de velocidade, e que os robotaxis da empresa haviam, antes da colisão, executado com segurança quase 125.000 curvas à esquerda através de espaços no tráfego que se aproximava.

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David Harkey, presidente do Instituto de Seguros para Segurança Rodoviária, disse que a avaliação do setor sobre os desafios técnicos e a consequente desilusão pública estão mascarando um progresso genuíno. Por um lado, os blocos de construção dos carros com autonomia parcial já estão em todos os showrooms. A frenagem de emergência automatizada é padrão em todos os carros novos a partir de setembro, graças a um acordo voluntário firmado em 2016 entre as montadoras, o Instituto de Seguros e a Administração Nacional de Segurança no Trânsito nas Rodovias.

Esses freios vinculados a radar ou câmera reduziram as colisões traseiras relatadas pela polícia em impressionantes 50%, disse Harkey, de acordo com sua pesquisa, acrescentando que a frenagem automatizada para pedestres reduziu o número de colisões entre carros e humanos em 30% em comparação com carros sem o recurso. E também se tornaram padrão os freios antibloqueio, as câmeras, os radares e sensores ultrassônicos para gerenciamento de monitores de ponto cego e mudança de faixa e o piloto automático adaptativo.

“Enxergamos isso como uma tecnologia benéfica, e o mesmo será verdade para algumas novas tecnologias. Continuaremos a pressionar para obter mais recursos em mais modelos para salvar mais vidas e evitar acidentes”, disse Harkey.

O truque, ele disse, é aproveitar essa promessa, com sistemas que aumentam a segurança de forma mensurável, mas mantêm os motoristas humanos atentos.

São sistemas de assistência ao motorista, não sistemas de substituição do motorista. Alguns consumidores não sabem a diferença”, ele disse.

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Na Alemanha, a Mercedes começou a ampliar os limites com seu novo Drive Pilot, que legalmente permite que um motorista execute tarefas não relacionadas à condução - verificar e-mails e até assistir a um filme -, mas monitora o motorista e o alerta quando chega o momento de retomar o volante.

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O instituto sem fins lucrativos divide esses tipos de sistemas em níveis de automação, de zero (sem automação) a cinco (automação total). Os especialistas veem o Nível 3 (alguma automação, mas com um motorista pronto) como o mais difícil dos níveis, uma zona de limbo em comparação com os carros do Nível 5 que são verdadeiramente robóticos. Por enquanto, o Drive Pilot pode operar apenas em determinadas rodovias a até 60Km/h.

A Mercedes está buscando certificação para oferecer o sistema nos Estados Unidos no próximo ano.

O próximo teste é o Ultra Cruise da GM, que a empresa pretende estrear no Cadillac Celestiq, um sedã elétrico de seis dígitos, no final do ano que vem. O sistema foi projetado para oferecer condução sem as mãos em 3,2 milhões de milhas de estrada - quase cada centímetro de estrada pavimentada nos Estados Unidos e no Canadá.

Jason Ditman, engenheiro-chefe do Ultra Cruise, disse que os sistemas devem funcionar com total transparência e consistência para dar confiança aos proprietários e ao público.

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“Se você acha difícil fazer com que alguém solte o volante nas rodovias”, disse Ditman, imagine uma estrada coberta de neve ou uma rua movimentada da cidade.

A GM diz que o Ultra Cruise vai parar e partir nos semáforos e sinais de parada, seguirá rotas de navegação de forma autônoma, evitará objetos próximos de veículos e pedestres, e até mesmo estacionará. O sistema de aprendizado de máquina identificará cenários arriscados e fará o upload de dados para melhorar continuamente o desempenho, e a GM pode interromper remotamente o uso do sistema em qualquer estrada em que a empresa não esteja confiante no desempenho.

A GM diz que o sistema acabará lidando com cerca de 95% da condução, além de cenários complexos, como rotatórias de várias faixas.

Apesar dos acidentes de destaque, Smith, o professor, acredita que o foco excessivo nas desvantagens dos sistemas de assistência ao motorista distorce a verdadeira crise: quase 43.000 americanos morreram no ano passado em acidentes de trânsito, que matam cerca de 1,3 milhão de pessoas em todo o mundo anualmente.

“Pelo menos 100 pessoas morrerão nas estradas dos EUA hoje, e não vamos ouvir falar delas”, ele disse. “As chances são de que nenhuma morte esteja associada a um sistema de assistência ao motorista.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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