THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Quando Chelsie Hill dança com a cadeira de rodas, seu rosto diz tudo. Ela fica imersa no momento do palco, nas emoções que comunica, no seu poder de cativar a plateia. A cadeira de rodas é parte intrínseca de sua silhueta.
Hill, 31 anos, é a fundadora das Rollettes, um grupo de dança para mulheres cadeirantes formado em 2012. Elas se apresentam em todo o território americano e todos os anos organizam em Los Angeles um fim de semana de empoderamento para mulheres com deficiência chamado Rollettes Experience. No final de julho, o evento atraiu 250 mulheres e crianças de 14 países ao Sheraton Gateway Los Angeles Hotel para aulas de dança, apresentações e seminários.
Mais de uma década depois de Hill ter começado as Rollettes, sua história se espalhou para muito além do grupo, incluindo orientação e educação para qualquer pessoa com deficiência que esteja em busca de comunidade.
“Ela mudou minha vida”, disse Ali Stroker, atriz que fez história na Broadway ao se tornar a primeira artista cadeirante a ganhar um prêmio Tony, em 2019. Uma das amigas mais próximas de Hill, Stroker ganhou o Tony de melhor atriz por seu papel como Ado Annie na remontagem do musical Oklahoma! na Broadway.
Stroker, que ficou paralisada do peito para baixo após um acidente de carro quando tinha 2 anos, disse que na infância nunca teve amigos que também usassem cadeira de rodas. Hill, disse ela, está mudando vidas ao estender um convite a cadeirantes que vai além da dança.
“Por causa dela, muitas meninas cadeirantes mudaram de vida”, disse Stroker. “É mais do que dançar. Você faz parte desta irmandade, desta família. É incrível como ela consegue unir as pessoas”.
Quase catorze anos atrás, Hill era uma dançarina campeã de 17 anos. Mas, numa noite de fevereiro de 2010, sua vida mudou de uma forma que ela nunca poderia ter imaginado: um acidente de carro a deixou com graves lesões na coluna e incapaz de mover a parte inferior do corpo.
Hill sempre se sentiu compelida a compartilhar sua história, enquadrando-a como um alerta. Quando adolescente, com a intenção de se tornar dançarina profissional, ela foi assombrada pelas decisões tomadas na noite em que entrou no carro com um motorista bêbado. Na cama do hospital algumas semanas depois do acidente, ela disse à família que queria organizar um evento para debater o assunto com seus colegas de classe.
“Eu era apaixonada pela ideia de fazer com que os adolescentes entendessem que alguém poderia deixar de andar depois de tomar uma decisão errada”, disse Hill.
Hill cresceu no condado de Monterey, no norte da Califórnia, e sua infância foi definida por uma sensação de segurança e pertencimento que, segundo ela, fazia com que ela se sentisse invencível. Ela começou a participar de competições de dança quando tinha 5 anos.
“É difícil dizer se uma criança de 5 anos é boa ou não, mas todo ano eu ganhava um troféu e deixava minha família orgulhosa”, disse ela.
Estudante prática e ativa, ela achava mais difícil se concentrar nos estudos. A dança, ela disse, era seu mundo e sua prioridade.
No primeiro ano do ensino médio, ela tinha um grupo de amigas no seu popular time de dança, The Breaker Girls. “A dança tem algo especial quando você está numa equipe, você fica em sincronia com as pessoas”, disse ela.
Depois do acidente de Hill, foi com as Breaker Girls que ela dançou novamente pela primeira vez. Seu pai, disse ela, recolheu cadeiras de rodas no norte da Califórnia e as levou para um estúdio com sua equipe de dança.
“Todas se sentaram nas cadeiras e eu pude me apresentar junto com elas”, disse.
Recuperar sua história como dançarina e cadeirante significou encontrar outras pessoas como ela. O primeiro passo foi quando ela se juntou ao elenco de Push Girls, reality show sobre um grupo de mulheres ambiciosas que usam cadeiras de rodas em 2011, um ano após o acidente. O programa foi transmitido por duas temporadas, de 2012 a 2013, no canal Sundance.
“Elas viraram meus modelos”, disse ela sobre as mulheres do programa. “Viraram as garotas com quem eu ficava, tipo, ‘Como faço para usar salto alto? Como faço para namorar? Como coloco minha cadeira no carro? Como posso viver uma vida normal sendo uma jovem com deficiência?’ Todas elas me ensinaram muitas coisas”.
Em alguns lugares, porém, o programa foi criticado por seu tratamento superficial das pessoas com deficiência. Um crítico do New York Times escreveu que o episódio de estreia tinha entrado no modo “Arrasa, garota” e usado “um tom que humilha sutilmente”.
Mas o programa ensinou Hill a ter uma “pele dura desde muito jovem”. Ela adorou cada momento, disse, “até mesmo os difíceis”.
Em 2014, quatro anos após o acidente, Hill se mudou para Los Angeles para buscar seu sonho de ser dançarina profissional.
“Foi muito, muito difícil entrar no mundo artístico aqui em Los Angeles como cadeirante”, disse ela. “As pessoas olhavam para mim como se eu não pertencesse àquele lugar. Os coreógrafos não me davam a menor atenção”.
Mas ela continuou frequentando as aulas, disse, “porque pensava: ‘Minha paixão pela dança é muito mais forte do que as opiniões das pessoas sobre mim’”.
Como artista, Hill faz uso extensivo das redes sociais: grava danças, faz vídeos conceituais e posta vlogs. Muitas das mulheres que agora são Rollettes a procuraram depois de vê-la online.
Ela alcançou o que se propôs a fazer: criou uma irmandade impenitente e feminina que apoia outras pessoas. Por meio das Rollettes, ela formou um círculo de amigas, se apresentou em todo o país e promoveu espaços de apoio para mulheres com deficiência enquanto construía o seu próprio.
Ela tem planos ambiciosos para o futuro das Rollettes e quer continuar compartilhando sua história de vida. Até foi convidada para ser consultora de um novo filme que está sendo desenvolvido pela Disney, Grace, sobre uma dançarina que perde os movimentos.
O filme deve trazer mais visibilidade aos cerca de 3,3 milhões de cadeirantes nos Estados Unidos, uma comunidade que muitas vezes se sente invisível.
Quase parece mais uma versão da história de Hill. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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