Quando uma visita ao museu se torna um dilema ético

Que responsabilidade temos como espectadores por patrocinar instituições que exibem o que os críticos dizem ser obras roubadas?

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Por Charly Wilder

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Em uma manhã recente, os visitantes chegaram à ala africana do Humboldt Forum em Berlim, um enorme museu inaugurado em 2021 em uma reconstrução neobarroca do antigo Palácio Real da cidade. A configuração era familiar: os artefatos foram colocados atrás de um vidro e montados em paredes brancas – uma “exibição etnológica” de obras de arte de valor inestimável de uma terra distante.

Mas esta exposição era diferente. Dezenas de bronzes de Benin, esculturas intrincadas e placas de metal que datam do século 13, estavam em exibição em Berlim pelo que pode ser a última vez. Desde julho de 2021, os artefatos não pertencem mais à Alemanha. Eles fazem parte de um acervo que o país começou a repatriar para a Nigéria, começando em dezembro com o retorno de 20 bronzes. A exposição conta não apenas a história dos objetos, mas também de seu roubo em 1897, quando as forças britânicas saquearam a cidade de Benin, pilhando o palácio real do Reino de Benin, no que hoje é o sudoeste da Nigéria.

Exposição na Alemanha conta não apenas a história dos bronzes de Benin, mas também de seu roubo, em 1897  Foto: Andreas Meichsner/The New York Times

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Diagramas explicam como os bronzes foram adquiridos de comerciantes europeus, enquanto fotos mostram soldados britânicos fazendo poses triunfantes no topo de montes de pilhagem. Em uma sala, juntei-me a turistas que assistiam a vídeos mostrando estudiosos, artistas, curadores alemães e nigerianos e representantes da família real na cidade de Benin discutindo o significado da restituição.

Os bronzes estão no centro de uma tempestade internacional, à medida que aumentam os apelos para que os museus ocidentais assumam a responsabilidade pela forma como obtiveram objetos que foram apreendidos durante a era colonial ou saqueados pelos nazistas e outras forças invasoras.

Para os frequentadores de museus, as dimensões éticas de ver arte saqueada tornaram-se impossíveis de ignorar. Os museus ocidentais são grandes atrações turísticas, trazendo viajantes de todo o mundo. Mas que responsabilidade temos como espectadores por patrocinar instituições que exibem o que os críticos dizem ser obras roubadas? Deveríamos estar perguntando como esses museus conseguiram seus tesouros? Nossa concepção de um museu etnológico moderno precisa de uma reflexão dramática?

“Houve uma grande mudança de consciência nos últimos anos”, disse Gilbert Lupfer, da German Lost Art Foundation, o banco de dados mais extenso do mundo para a busca de arte saqueada pelos nazistas. “Cada vez mais, os visitantes dos museus se interessam por questões de proveniência.” E a maioria deles, ele disse, percebe que obras com proveniência problemática “não podem permanecer no museu”.

Os museus europeus e americanos há muito resistem aos pedidos de repatriação, argumentando que os objetos da África, Ásia e outros lugares foram obtidos legalmente, que estão mais seguros onde estão e que o passar do tempo e os conflitos tornaram impossível determinar os legítimos proprietários.

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Mas nos últimos anos, as coisas mudaram.

“Acho que houve uma grande mudança”, disse Geoffrey Robertson, especialista britânico-australiano em restituição, advogado de direitos humanos e autor do livro de 2020 Who Owns History? “Tudo começou com o presidente Macron dizendo que a arte indígena, grande parte da qual está em museus ocidentais, deveria voltar para a África”, ele disse, referindo-se à promessa do presidente Emmanuel Macron em 2017 de devolver os bens africanos saqueados pela França.

O Humboldt Forum, em Berlim, começou a repatriar artefatos saqueados para a Nigéria Foto: Andreas Meichsner/The New York Times

Em 2021, os governos alemão, holandês e belga anunciaram planos para identificar objetos em museus que foram saqueados durante a era colonial e iniciar o processo de devolvê-los. Pelo menos 16 museus dos EUA disseram que estão envolvidos no processo de repatriar seus bronzes de Benin, incluindo a Smithsonian Institution e o Metropolitan Museum of Art em Nova York, e outros cinco dizem que estariam dispostos a fazê-lo se isso fosse solicitado.

Não há instituição que tenha enfrentado mais polêmica em torno das aquisições coloniais do que o British Museum, que foi o primeiro museu nacional público a abranger todas as áreas do conhecimento quando foi fundado, em 1753, em Londres. É o lar de cerca de 8 milhões de objetos, muitos dos quais foram adquiridos durante os séculos de domínio do Império Britânico.

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“Eu descrevi o British Museum como o maior receptor mundial de bens roubados”, disse Robertson, cujo livro apresenta um caso contra a resistência do museu em devolver a pilhagem colonial. “Os turistas devem ter em mente que grande parte do interessante material étnico que está em exibição é, de fato, roubado, muitas vezes na ponta de um mosquete.”

Quando visitei o museu recentemente, as filas serpenteavam pelo quarteirão. O museu estava lotado de visitantes que vieram ver as maravilhas da civilização humana, incluindo a Pedra de Roseta (removida do Egito pelos britânicos em 1802) e tesouros de jade do Palácio de Verão em Pequim (saqueado pelas forças britânicas e francesas em 1860).

Os visitantes lotaram as galerias gregas para ver o que provavelmente é o acervo mais contestado, os Mármores do Partenon - ou Mármores de Elgin, como às vezes são chamados, em homenagem ao aristocrata britânico que os removeu da Acrópole de Atenas no início do século 19. Uma coleção de esculturas gregas clássicas que datam do século 5.º a.C., os mármores têm sido objeto de crítica pública quase desde o momento em que foram levados (Lord Byron escreveu um poema sobre sua remoção em 1811).

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Embora o British Museum esteja em negociações com as autoridades gregas sobre um possível acordo há mais de 30 anos, o museu se manteve firme, argumentando, entre outros pontos, que Lord Elgin comprou os mármores legitimamente de representantes do Império Otomano, que ocupava a Grécia na época. Os proponentes da restituição argumentam que os otomanos eram invasores que não podiam vender legitimamente a herança do país.

Os museus há muito se baseiam em convenções legalistas, apresentando recibos de vendas para os itens contestados ou documentos declarando que foram entregues legalmente, mas os críticos dizem que essas formalidades mascaram a coerção e o roubo.

British Museum, em Londres, trava queda de braço com a Grécia pelos Mármores do Partenon Foto: Toby Melville/Reuters
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“É uma discussão muito difícil, e a pergunta: ‘Ele adquiriu legalmente?’ não vai te levar muito longe”, disse Evelien Campfens, uma acadêmica jurídica especializada em direito artístico e patrimônio cultural da Universidade de Leiden, na Holanda. “Você pode ver isso até mesmo com arte saqueada pelos nazistas, com vendas para um oficial nazista onde havia dinheiro envolvido. Isso foi legal? Bem, pela legislação da época era legal, mas não achamos que isso seja correto hoje.”

O fato de o British Museum ser uma das grandes atrações do mundo, onde qualquer pessoa pode ver, em um só lugar, as conquistas da história da humanidade, é um argumento contra a repatriação. Mas está crescendo o consenso de que tal atração não deve acontecer às custas da pilhagem cultural. Enquanto isso, novos projetos, como o Museu Edo de Arte da África Ocidental, na Nigéria, onde obras de arte repatriadas do histórico Benin serão abrigadas, estão reformulando as concepções de como um museu etnológico deve ser.

Um vasto complexo no local histórico da cidade de Benin, o museu foi concebido pelo arquiteto ganense britânico David Adjaye como “uma espécie de abstração de como a cidade de Benin seria antes”. Planejado por meio de um projeto arqueológico conjunto com o British Museum, o local incluirá um centro de pesquisa e coleções, jardins de floresta tropical e um salão no qual artesãos contemporâneos podem vender seus produtos. O edifício principal do museu será uma versão do antigo Palácio de Benin, onde os visitantes poderão ver bronzes repatriados e aprender sobre o colonialismo.

“Você pode caminhar por uma área que tem a natureza como ela era naqueles dias e realmente pode ver os antigos fossos e paredes”, disse Phillip Ihenacho, um financista nigeriano que atua como presidente executivo do fundo que possui e opera o projeto, que começará sua abertura em fases no próximo ano. “Você vai entender que não se trata de uma civilização antiga que morreu. A tradição do artesanato existe até hoje. Ela foi transmitida.”

Talvez o mais importante, disse Ihenacho, é que o projeto oferece uma narrativa esperançosa para a população local. “Quando eles entendem o quão sofisticado, quão avançado e quão grande era o Reino do Benin em relação ao que estava acontecendo na Europa na época, isso pode dar às pessoas uma sensação de otimismo para o futuro”, ele disse. “Há uma maneira de falar sobre como as coisas poderiam ser.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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