Parecia apenas correto que, à certa altura de uma imprevisível conversa com Parker Posey, um tema como o mal verdadeiro no universo viesse à tona.
Parker estava falando de sua interpretação da traiçoeira Dra. Smith na nova versão de "Perdidos no Espaço" produzida pela Netflix - um raro papel na televisão em meio a um currículo repleto de protagonistas de filmes indie, e a primeira vilã que ela faz em algum tempo.
“Será que ela não consegue se controlar?”, indagou-se ela numa voz etérea. “Será que salvarei o mundo? Será que vou destruí-lo?” Ela concluiu que sua versão da Dra. Smith era a “força sombria da Medusa” do remake do seriado "Perdidos no Espaço".
“Ela é capaz de perder tudo e levar os outros consigo para a ruína", disse a atriz. “Mas tem também a força para salvar a si e aos demais.”
Com mais de 25 anos de carreira como atriz, Parker, 49 anos, continua a encarnar a energia incontrolável que ela trouxe para filmes como “Jovens, Loucos e Rebeldes”, “Esperando o Sr. Guffman” e “Baladas em NY".
Ela usa óculos enormes e traz consigo uma caixa gigante de Tic Tacs. Mora em Nova York dividindo um apartamento com a poodle Gracie, sua companheira de 14 anos; as amigas também são artistas: atrizes, comediantes, diretoras, e seu gosto é eclético. Ela diz que sua ideia de um bom filme seria “como aqueles que vi 10 anos atrás no festival de cinema da Estônia".
Para Parker, interpretar a Dra. Smith é uma oportunidade de estar entre os astros de uma série de orçamento generoso e redefinir um conhecido personagem cult da TV.
Mas é também um reconhecimento do quanto se tornou desafiador ganhar a vida fazendo apenas filmes de grande prestígio e pequeno orçamento. “Fiquei muito feliz de encontrar um lugar no programa nesse momento", disse ela. “Fiquei muito aliviada. Afinal, até então eu nunca tinha me sentido parte de uma produção. Sei que não é essa a aparência quando observamos de fora.”
A série original "Perdidos no Espaço", que foi ao ar na TV americana de 1965 a 1968, acompanhava as aventuras da família Robinson. O Dr. Smith, interpretado por Jonathan Harris, era um traiçoeiro canastrão que brigava com o robô da família e disparava insultos pontuados por aliterações.
Matt Sazama e Burk Sharpless, produtores da versão da Netflix, disponível desde 13 de abril, reimaginaram o personagem, mudando o gênero do Dr. Smith e fazendo dela uma golpista da Terra que rouba a identidade da irmã (e, posteriormente, o título e o uniforme de um médico) para, com isso, recomeçar a vida em outro sistema solar.
Parker, que passou a infância em Louisiana, descreveu sua Dra. Smith como “uma camaleoa” que “sobrevive com base na astúcia", uma descrição que ela poderia aplicar a si mesma. Ela diz que, nos dez anos mais recentes, viveu um declínio nos tipos de oportunidades de atuação que mais a interessam.
“Quando surgiram os programas de reality TV, eu pensei: OK, acabou-se, é o fim dos papéis interessantes", disse ela. “Há imensos segmentos que desapareceram da cultura. Não seria um delírio tão grande se eu tivesse desistido de tudo para me tornar paisagista.”
"Perdidos no Espaço" permitiu que Parker acrescentasse suas próprias tintas de pastiche Shakespeareano ao papel, como um solilóquio endereçado à cabeça cortada de um robô. E também oferece a ela a oportunidade de dividir cenas com nomes como Selma Blair (“Segundas Intenções", “Legalmente Loira”), que interpreta a irmã da Dra. Smith.
Parker também está terminando seu primeiro livro, “You’re on an Airplane: A Self-Mythologizing Memoir” (“Você está num avião: um livro de memórias e mitos pessoais”), que será lançado em julho (ela diz que o título é uma referência uma conversa que talvez tenha ocorrido com outro passageiro do mesmo voo).
Ela diz que tentava se manter aberta às possibilidades futuras que possam esperá-la depois de "Perdidos no Espaço".
“Imagino que sentirei a reverberação do papel durante algum tempo e, então, espero poder relaxar", disse ela. “E aí, começa a segunda temporada.”
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